A crise do modelo neoliberal

25/11/2000
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As últimas semanas foram marcadas na Argentina por diversas manifestações populares, dispostas a longas horas de espera e de negociação e ao enfrentamento às grandes empresas, autoridades e até mesmo aos meios de comunicação. Estes manifestantes, conhecidos popularmente como piqueteiros, são em sua maioria pessoas que chegaram ao limite de sua resistência. Boa parte não chegou a finalizar o ensino primário e nem tem uma profissão definida. Em um país com mais de 15% de desempregados, economias regionais quebradas e um crescimento econômico praticamente nulo nos últimos anos, são milhões os trabalhadores excluídos de um mercado de trabalho cada vez mais restritivo e exigente de qualificações específicas, que saem pelas ruas como única maneira de se fazerem ouvidos. Face à situação de grandes e crescentes necessidades da população, os protestos não responderam a decisões tomadas em sindicatos ou em partidos políticos, mas partiram de uma união espontânea das pessoas a partir de suas bases. A presença de inúmeras famílias e crianças entre os manifestantes fez com que os protestos transcorressem, na maior parte das vezes, sem o uso da violência pelo governo central, províncias e as forças de segurança. Ajuste estrutural e crise A Argentina está passando por um período crítico devido ao duro ajuste estrutural implementado pelo novo governo da Aliança, que assumiu em dezembro do ano passado. Ao iniciar seu mandato, o presidente De la Rúa teve que fazer frente a um elevado déficit fiscal deixado pelo governo Menem, ao que se agregou os vencimentos da dívida externa em 2000. Essa dívida já alcança 50% do PIB do país, fato que se agrava na medida em que já são dois anos sem crescimento econômico. Nesse ano, calcula-se que esse crescimento mal chegará a 1%. Para fazer frente a esses desajustes, o governo implementou há alguns meses um imposto especial sobre a renda, que recaiu principalmente sobre as classes média e média alta e rebaixou em cerca de 12,5% os salários dos funcionários públicos que ganhavam mais que mil dólares mensais. Com isso, se mal se logrou controlar o déficit fiscal e fazer frente ao endividamento externo, atingiu-se a capacidade de consumo que até o momento era o motor do mercado interno. Até mesmo os grandes supermercados sofreram quedas em suas vendas, inclusive de artigos de primeira necessidade. As medidas tomadas acabaram assim por aprofundar a recessão econômica. Se o ano de 2000 já apresentou dificuldades no cumprimento de compromissos externos, o ano de 2001 deverá ser bem mais complicado. Existe forte pressão do setor financeiro dominado pela banca internacional credora da dívida externa da Argentina, como o Citibank, para que se cumpram à risca esses compromissos. Prova cabal é que, com a deterioração do cenário interno nesse final de ano, em face da fragilidade política e de condições externas adversas, o governo anunciou um novo pacote econômico, como forma de obter o financiamento externo articulado pelo FMI de cerca de US$ 15 bilhões - o que implicará na radicalização na adoção da agenda liberal, com medidas como a privatização da previdência pública, o aumento da idade de aposentadoria de mulheres de 60 para 65 anos, o congelamento dos gastos das províncias por 5 anos, entre outros. Nem mesmo planos de corte social pautados pelo clientelismo político, com a conseqüente manipulação das necessidades dos extratos mais baixos da população, que proliferaram durante o governo Menem (como o "Plan Trabajar"), deverão permanecer intactos. O "Plan Trabajar" é destinado a subsidiar o trabalho de pessoas sem qualificação e que se dedicam a tarefas de menor peso nos âmbitos municipal e provincial, e oferece salários entre 150 e 200 dólares mensais. Obrigado pelo desemprego e pelas demandas sociais, o governo da Aliança continua implementando o "Plan Trabajar", mas os postos oferecidos não alcançam a crescente demanda existente. A maioria das manifestações populares pede mais planos de trabalho, além dos planos assistenciais do governo nas áreas de alimentação, saúde e educação. Diante da fragilidade econômica e política interna, não se pode menosprezar o risco de que esses protestos possam agora ser utilizados politicamente por partidos políticos, como o Partido Justicialista, cujos dirigentes atuam como se não tivessem estado presentes nos dez anos do governo Menem, cujas políticas de ajuste neoliberal constituíram o ponto de partida das agruras atuais e cujas conseqüências negativas para a economia vêm se acumulando diariamente. Mau momento para a Aliança governista O governo da Aliança passa por um mau momento também na esfera política, fato que influi na força de suas decisões econômicas. Com a renúncia do vice- presidente Carlos Alvarez em outubro, motivada pela sua avaliação de que o governo teria dado mau encaminhamento às graves denúncias de corrupção envolvendo o Senado, a atual gestão encontra-se bastante debilitada. O afastamento de Alvarez, presidente da Frepaso, partido político que junto com a União Cívica Radical conformou a Aliança pelo Trabalho, a Justiça e a Educação em 1997, foi um duro golpe para a política argentina. E não somente porque, passados apenas 10 meses de governo, este já não contava com uma das figuras que mais trabalhou para que esta aliança política fosse possível e ganhasse as eleições de 1999. Mas também porque a população havia depositado muitas expectativas de mudanças substanciais no novo governo, o que acabou não se concretizando. O fraco desempenho econômico, aliado às exigências de cumprimento de compromissos externos - que nada indica venham a ser questionados em uma negociação que coloque em primeiro plano os interesses internos, com a adoção de medidas distintas das que impõem os planos de ajuste -, impõem um cenário onde, infelizmente, não haverá raio de manobra para o setor público levar adiante programas de peso nas áreas sociais e de infra-estrutura, conforme era esperado pelo eleitorado que o levou ao poder.
https://www.alainet.org/es/node/104984
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