México é laboratório de reestruturação mundial na área da comunicação
30/09/2014
- Opinión
Heriberto Paredes/Agencia SubVersiones
No marco da sessão sobre livre comércio, violência, impunidade e direitos dos povos no México, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) realizou, na Cidade do México, a audiência temática final sobre desinformação, censura e violência contra os comunicadores, respondendo a uma solicitação de atenção, denúncia e justiça formulada por uma ampla rede de associações, movimentos de jovens, trabalhadores da comunicação e jornalistas, representantes do mundo acadêmico, de meios de comunicação livres e rádios comunitárias.
Os elementos da estratégia dos movimentos sociais, expressados nas audiências do TPP, priorizam o respeito aos direitos humanos e à igualdade dos direitos. Nestas estratégias os jurados encontraram formas diversas de ação política como as lutas e as resistências – sob a consigna de “resistir é criar” –, a reivindicação de políticas públicas de igualdade, a busca de uma alternativa ao pensamento hegemônico, práticas concretas de emancipação. Ali existem novas concepções: o rechaço das desigualdades e das formas de dominação, o respeito à natureza, à gratuidade, aos bens comuns e aos serviços públicos, a democratização dos meios de comunicação, a proteção contra a repressão, o rechaço à criminalização.
Em seu diagnóstico, o TPP assinala que o México joga um papel de cobaia muito grave na evolução mundial: trata-se de uma estratégia conduzida em escala mundial para impor um monopólio de poder. As audiências do tribunal permitiram identificar os elementos que compõem essa estratégia mundial de violação dos direitos de liberdade de expressão e de acesso à comunicação.
Entres estes somam-se o controle dos meios de comunicação pelo capital financeiro associado ao capital internacional; o monopólio das telecomunicações; a subordinação do poder político ao poder financeiro; a redução do papel social e protetor dos direitos e das liberdades dos Estados; as políticas econômicas e sociais neoliberais; a implantação ilimitada de um pensamento hegemônico de violação das liberdades individuais e coletivas e dos valores da igualdade das pessoas; a criminalização dos movimentos sociais, a infiltração das redes mafiosas; a instrumentalização do terrorismo: a intimidação que chegou a mais de uma centena de assassinatos de comunicadores profissionais e populares.
O tribunal ressaltou que a preeminência deste modelo econômico no México, o “semiocapitalismo”[capitalismo semiótico], expressa-se na relevância integral que o duopólio possui sobre o conjunto da economia mexicana, assim como no crescimento constante experimentado pelo setor da chamada “informação de meios de comunicação massivos” no conjunto do Produto Interno Bruto do México, que acrescenta ao impacto econômico e ao volume de negócios do conjunto das indústrias culturais no país.
Desta forma, o México funciona como um laboratório paradigmático na configuração de um processo geral de reestruturação do modelo de acumulação do capital que não somente descansa em uma liberalização e privatização da esfera midiática, mas também põe de manifesto a tendência paulatina do capitalismo de recombinar seus núcleos de poder nas estruturas de produção de bens e serviços materiais, com a relevância econômica cada vez maior das estruturas produtores de signos, subjetividade e sentido, sobretudo, no campo da comunicação midiática.
O tribunal assinalou que o monopólio midiático sobre a produção e circulação de informação não somente descansa em uma aliança explícita entre o poder político e o poder econômico, senão que converte a atividade midiática em um fluxo constante de legitimação do modelo econômico imperante e de estigmatização de todo sujeito ou projeto que se desvia com uma prática e uma racionalidade que difere do discurso dominante. Esta pauta midiática deixa a sociedade indefesa frente a um único discurso de verdade que, longe de apresentar um caráter democrático, determina a existência de um ecossistema midiático de índole claramente totalitária.
Dos canais de televisão, 92% estão em mãos do duopólio televisivo mercantil Televisa-TV Azteca, que além de tudo possui publicações impressas, editoriais, portais de internet, serviços telefônicos, canais a cabo e via satélite, cassinos, bancos, casas financeiras de empréstimo, e associa a muitas outras empresas de atividade financeira e especuladoras da Bolsa de Valores.
Mais que cidadão, consumidores
O tribunal destacou que a evolução do setor midiático e das indústrias culturais em seu conjunto põe de manifesto que a produção de subjetividade não constitui unicamente o suporte ideológico para a reprodução do modo de produção imperante, senão que cada vez mais se está convertendo em um objeto fundamental do mesmo: as indústrias midiáticas no México vão até o ponto que a produção de subjetividade e de comunicação se mercantiliza para converter-se em espaço de valoração e de negócio.
A transformação dos cidadãos, como usuários e produtores da comunicação e da informação midiáticas, em meras audiências e consumidores, lhes nega a participação na tomada de decisões e na configuração da qualidade dos conteúdos midiáticos.
No contexto de uma destruição generalizada do tecido social do país, o ecossistema midiático e de comunicação se vê afetado de maneira alarmante e dramática por uma violência que possui um caráter dual. Por um lado, uma violência direta contra a liberdade de expressão e de informação que toca de maneira mais dolorosa aos profissionais do jornalismo e aos cidadãos que participam do denominado terceiro setor da comunicação, fundamentalmente iniciativas de comunicação social de natureza comunitária.
E, por outro lado, uma violência simbólica que impõe um discurso, umas narrativas midiáticas e uns imaginários que disseminam na sociedade valores, formas de subjetivação, modos de vida e inclinações éticas, em definitivo, uma cultura, afim ao modelo econômico imperante e aos regimes de existência que este impõe.
Após escutar e analisar a denúncia documentada por organizações e movimentos sociais (camponeses, indígenas, de trabalhadores, acadêmicos e jovens) apresentada na audiência, o tribunal deixou claro que a problemática da falta de acesso à informação – e de exercer o direito humano à informação –, a concentração duopólica dos meios massivos e a contínua violência contra os comunicadores afeta muito gravemente os direitos individuais e coletivos dos mexicanos.
A reforma do Estado e a recente alternância política no governo (2000-2012) não mexeram nesta concentração: os governos, os partidos políticos, os legisladores (por conseguinte, as leis) estão subordinados a interesses do duopólio Televisa-Televisión Azteca, consolidado com os tratados de livre comércio.
Considero que a brecha social se acrescenta em um país de enormes desigualdades, que combina o homem mais rico do mundo e 50 milhões de pessoas carentes das condições mínimas de sobrevivência. Um país que presume a diversidade cultural e leva adiante políticas de aniquilamento de seus povos originários, uma nação referência por suas lutas sociais, que hoje criminaliza e elimina todo o tipo de protesto cidadão.
O tribunal assinalou que o México tem carecido e segue carecendo de uma regulação normativa incluidora de todos os setores sociais em matéria de direitos humanos à informação, à liberdade de expressão e à comunicação, onde persiste a aplicação de leis que alentam um esquema corporativo monopólico, que por sua vez criminalizam manifestadamente os cidadãos, as organizações, comunidades e povos que lutam por seus direitos.
Afirmou que a violência contra a imprensa tem se manifestado em ataques a meios de comunicação com explosivos e armas de alto poder; desaparecimentos de jornalistas profissionais e populares; o deslocamento e/ou o exílio de comunicadores por ameaças diretas; autocensura dos meios e infiltração de grupos delitivos nas próprias redações; vexações, assassinatos e desaparecimento de mulheres jornalistas; ataques a usuários de redes sociais que difundem informações sobre a violência e toda a forma de agressões físicas e psicológicas que tendem a semear o temor entre os comunicadores.
Recordou que, por tudo isso, a Relatoria de Liberdade de Opinião e Expressão da ONU considera o México como o país mais perigoso para exercer o jornalismo no continente.
Até hoje, no decorrer do século, segundo a Procuradoria Geral Mexicana, 102 jornalistas foram assassinados, 18 desapareceram e há um número impossível de identificar de deslocados e/ou obrigados a ir para o exílio. Os assassinatos de jornalistas dobraram durante o governo de Felipe Calderón (2006-2012), quando a aplicação de uma estratégia bélica de segurança deixou 60 mil pessoas assassinadas e 10 mil desaparecidas. A isto soma-se o aumento de assassinatos e agressões de defensores humanos, em um país onde se estenderam zonas de silêncio forçado, as quais os grupos de delatores decidem o que se publica nos meios de comunicação.
O tribunal levou em consideração que mais da metade das denúncias apresentadas pelas organizações de defesa da liberdade de expressão assinalam que os responsáveis pelas agressões contra jornalistas foram identificados como agentes estatais – militares, policiais, autoridades locais – e que 13% provém do crime organizado, no país onde a aprovação de mecanismos institucionais de proteção a jornalistas não tem contido a escalada de violência contra comunicadores e muito menos a impunidade dos agressores, que é constante durante as últimas três presidências. Nos primeiros nove meses de 2014 documentaram-se 201 agressões a jornalistas, uma média de uma a cada 28 horas.
Destacou, assim mesmo, que a dois anos de criada a Lei de Proteção a pessoas defensoras de direitos humanos e jornalistas, o mecanismo não atuou e os indicadores revelam um incremento de agressões e ameaças – físicas, psicológicas, legais e cibernéticas – que põem em perigo a integridade física, moral e financeira dos jornalistas, já não somente sob o mando do crime organizado, senão também por ações ordenadas e executadas por autoridades locais, estatais ou federais contra trabalhadores da imprensa e pessoas que lutam pela liberdade de expressão e pelo acesso à informação.
Tomou nota do ocorrido nos últimos 20 meses, quando 11 jornalistas foram assassinados nos estados do centro-sul e noroeste do país (dois em Tamaulipas e Oaxaca, um em Zacatecas, Guerrero, Veracruz, Sinaloa, Coahuila, Puebla e Chihuahua), e que em 21 dos 32 estados denunciou-se agressões físicas, roubo ou destruição de equipes, detenções arbitrárias de jornalistas enquanto realizavam seu trabalho, ante à inatividade das autoridades responsáveis da prevenção da violência.
De 2002 a 2013 foram registrados e documentados 180 casos de violência contra mulheres jornalistas, 60% destes cometidos por servidores públicos, administrativos e policiais, incluído o crime de feminicídio.
- Aram Aharonian é jornalista e professor uruguaio-venezuelano, diretor da revista Question, fundador da Telesul, diretor do Observatório Latino-americano em Comunicação e Democracia (ULAC). Participou como jurado do Tribunal Permanente dos Povos na audiência final, na temática sobre Desinformação, Censura e Violência contra os Comunicadores, realizada na Cidade do México, de 17 a 19 de setembro de 2014.
Tradução: Eduardo Sales de Lima.
01/10/2014
https://www.alainet.org/es/node/103830?language=en
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