Geopolítica e ética internacional
01/10/2013
- Opinión
“Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras.”
Hugo Grotius, “O Direito da Guerra e da Paz”, 1625.
Por definição, todo poder territorial é limitado e expansivo. Envolve a existência de fronteiras, e de algum tipo de “inimigo externo” ou “bárbaro”, de quem se defender e a quem “conquistar” e “civilizar”. Por isto, os projetos expansivos de poder sempre se revestem de algum sentido de missão, e adotam algum sentido moral e messiânico. E toda conquista vitoriosa produz e impõe algum tipo de discurso e de ordem ética “supranacional”. Em muitos casos, estes poderes expansivos se associaram com religiões que se propunham ajudar na conquista messiânica e na “conversão” dos povos bárbaros. E o mesmo aconteceu com o colonialismo europeu, até o momento em que adotou a retórica laica e universalista do “direito natural”, e mais recentemente, dos “direitos humanos” e das “intervenções humanitárias”.
Na hora do nascimento dos atuais estados europeus, e do início de sua expansão conquistadora ao redor do mundo, o jurista holandês, Hugo Grotius (1583-1645) - que foi um dos pais do direito internacional moderno – identificou a contradição fundamental do “universalismo ético" dos europeus. Grotius acreditava na existência do “direito natural, comum a todos os povos, tão imutável que não poderia ser mudado nem pelo próprio Deus” . Mas ao mesmo tempo, reconhecia que num sistema internacional formado por muitos estados, com identidades, culturas e interesses diferentes, sempre existiriam muitas “inocências subjetivas”, frente a uma mesma “justiça objetiva”. E nestas circunstancias, não haveria como arbitrar “objetivamente” quem teria a razão, nem como decidir sobre a legitimidade de uma guerra declarada entre dois povos que reivindicassem uma interpretação diferente, dos mesmos fatos e direitos.
Por isto, apesar de Grotius considerar que a “segurança” e a “paz” eram direitos inalienáveis de todos os homens e de todos os povos, também considerava que a guerra era um recurso inevitável, num sistema politico com muitos estados competitivos entre si. Mesmo assim, Grotius nunca imaginou a possibilidade de uma guerra que tivesse como objetivo promover ou universalizar o próprio “direito natural dos homens”. Para ele, os direitos humanos e a fé religiosa eram uma conquista de cada homem e da cada povo em particular, e uma guerra feita em nome dos “direitos naturais”, seria uma contradição em si mesma, ou seria uma “guerra de conversão”, como as Cruzadas que ele abominava, apesar de ser um cristão fervoroso.
Quase dois séculos depois, o filosofo iluminista alemão, Immanuel Kant (1724-1804), reconheceu a existência desta mesma contradição, no caminho do seu projeto de uma “paz perpétua” universal. Mas Kant acreditava na superioridade dos europeus, e defendia sua “missão civilizatória” no mundo. Por isso, propunha seu projeto de paz, mas considerava que primeiro os europeus teriam que converter o resto do “gênero humano” à mesma “ética internacional civilizada” que eles haviam criado. Para Kant, portanto, “no grau de cultura em que ainda se encontrava o gênero humano, a guerra era um meio inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tivesse se desenvolvido (Deus sabe quando), seria saudável e possível uma paz perpétua”.
Neste início do Século XXI, a contradição identificada por Grotius e Kant adquiriu muito mais força e extensão, com a multiplicação do numero de estados do sistema mundial, e com o fim da bipolaridade ideológica da Guerra Fria. Depois de 1991, muitos acreditaram na vitória do “cosmopolitismo europeu”, mas já no início do século XXI, todos perceberam que o sistema mundial segue sendo o mesmo, só que ficou ainda mais complexo e heterogêneo, do ponto de vista ético, cultural e religioso. E tudo indica que neste novo universo ampliado e sem ameaça comunista, as grandes potências ocidentais decidiram transformar a questão do “respeito aos direitos humanos”, no novo grande princípio ético legitimador das suas velhas “guerras civilizatórias”.
Chama atenção, neste sentido, que todas estas guerras, das duas últimas décadas, tenham sido lideradas pelos mesmos países que compõem – simultaneamente - o “diretório militar” do mundo ocidental, e seus pequeno “círculo de criadores da moral internacional”: Estados Unidos, Inglaterra e França. Ou seja, contra toda boa norma jurídica, neste momento da história internacional, os mesmos três países que formulam a ética, os direitos e as regras são os que julgam, condenam e punem quem eles consideram culpado, o que em geral já está definido de antemão. Com ou sem o consentimento do resto do “gênero humano”, que ainda não foi “civilizado”, e que não tem poder para dizer: basta !
Hugo Grotius, “O Direito da Guerra e da Paz”, 1625.
Por definição, todo poder territorial é limitado e expansivo. Envolve a existência de fronteiras, e de algum tipo de “inimigo externo” ou “bárbaro”, de quem se defender e a quem “conquistar” e “civilizar”. Por isto, os projetos expansivos de poder sempre se revestem de algum sentido de missão, e adotam algum sentido moral e messiânico. E toda conquista vitoriosa produz e impõe algum tipo de discurso e de ordem ética “supranacional”. Em muitos casos, estes poderes expansivos se associaram com religiões que se propunham ajudar na conquista messiânica e na “conversão” dos povos bárbaros. E o mesmo aconteceu com o colonialismo europeu, até o momento em que adotou a retórica laica e universalista do “direito natural”, e mais recentemente, dos “direitos humanos” e das “intervenções humanitárias”.
Na hora do nascimento dos atuais estados europeus, e do início de sua expansão conquistadora ao redor do mundo, o jurista holandês, Hugo Grotius (1583-1645) - que foi um dos pais do direito internacional moderno – identificou a contradição fundamental do “universalismo ético" dos europeus. Grotius acreditava na existência do “direito natural, comum a todos os povos, tão imutável que não poderia ser mudado nem pelo próprio Deus” . Mas ao mesmo tempo, reconhecia que num sistema internacional formado por muitos estados, com identidades, culturas e interesses diferentes, sempre existiriam muitas “inocências subjetivas”, frente a uma mesma “justiça objetiva”. E nestas circunstancias, não haveria como arbitrar “objetivamente” quem teria a razão, nem como decidir sobre a legitimidade de uma guerra declarada entre dois povos que reivindicassem uma interpretação diferente, dos mesmos fatos e direitos.
Por isto, apesar de Grotius considerar que a “segurança” e a “paz” eram direitos inalienáveis de todos os homens e de todos os povos, também considerava que a guerra era um recurso inevitável, num sistema politico com muitos estados competitivos entre si. Mesmo assim, Grotius nunca imaginou a possibilidade de uma guerra que tivesse como objetivo promover ou universalizar o próprio “direito natural dos homens”. Para ele, os direitos humanos e a fé religiosa eram uma conquista de cada homem e da cada povo em particular, e uma guerra feita em nome dos “direitos naturais”, seria uma contradição em si mesma, ou seria uma “guerra de conversão”, como as Cruzadas que ele abominava, apesar de ser um cristão fervoroso.
Quase dois séculos depois, o filosofo iluminista alemão, Immanuel Kant (1724-1804), reconheceu a existência desta mesma contradição, no caminho do seu projeto de uma “paz perpétua” universal. Mas Kant acreditava na superioridade dos europeus, e defendia sua “missão civilizatória” no mundo. Por isso, propunha seu projeto de paz, mas considerava que primeiro os europeus teriam que converter o resto do “gênero humano” à mesma “ética internacional civilizada” que eles haviam criado. Para Kant, portanto, “no grau de cultura em que ainda se encontrava o gênero humano, a guerra era um meio inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tivesse se desenvolvido (Deus sabe quando), seria saudável e possível uma paz perpétua”.
Neste início do Século XXI, a contradição identificada por Grotius e Kant adquiriu muito mais força e extensão, com a multiplicação do numero de estados do sistema mundial, e com o fim da bipolaridade ideológica da Guerra Fria. Depois de 1991, muitos acreditaram na vitória do “cosmopolitismo europeu”, mas já no início do século XXI, todos perceberam que o sistema mundial segue sendo o mesmo, só que ficou ainda mais complexo e heterogêneo, do ponto de vista ético, cultural e religioso. E tudo indica que neste novo universo ampliado e sem ameaça comunista, as grandes potências ocidentais decidiram transformar a questão do “respeito aos direitos humanos”, no novo grande princípio ético legitimador das suas velhas “guerras civilizatórias”.
Chama atenção, neste sentido, que todas estas guerras, das duas últimas décadas, tenham sido lideradas pelos mesmos países que compõem – simultaneamente - o “diretório militar” do mundo ocidental, e seus pequeno “círculo de criadores da moral internacional”: Estados Unidos, Inglaterra e França. Ou seja, contra toda boa norma jurídica, neste momento da história internacional, os mesmos três países que formulam a ética, os direitos e as regras são os que julgam, condenam e punem quem eles consideram culpado, o que em geral já está definido de antemão. Com ou sem o consentimento do resto do “gênero humano”, que ainda não foi “civilizado”, e que não tem poder para dizer: basta !
- José Luis Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ e coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". (www.poderglobal.net)
https://www.alainet.org/en/node/79744
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