Não-violência: mais eficaz e sem máscaras

09/09/2013
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A mídia continua desnorteada diante dos protestos: não entendeu sua fase mais espontânea, orgânica, universal e continua sem avaliar a segunda fase, com baixíssima adesão e visivelmente orquestrada. Incapaz de aproximar-se do governo para captar suas percepções, nossa mídia corre solta e sonsa, ao sabor dos ventos e acasos. Socialmente secundária.

 
A cobertura dos protestos do Sete de Setembro resultou pífia. Como era sábado e no sábado os diários deixam de ser cotidianos, o saldo do dia seguinte foi impreciso. E logo descontinuado já que na segunda-feira começa nova semana, página virada. As preocupantes avaliações do ministro Gilberto de Carvalho não tiveram consequência. Deveriam: se a imprensa não presta atenção ao que o governo diz, sugere ou insinua, cumpre metade da sua missão.
 
Em junho, no primeiro momento, as máscaras funcionaram como ícones, algo retóricas, homenagem ao libertário Guy (ou Guido) Fawkes, que pretendia detonar a Coroa e o Parlamento britânico. Eram parte da mensagem, peças das manifestações. No segundo momento, as máscaras tornaram-se disfarces, elementos da clandestinidade, equipamentos da sedição.
 
O processo radicalizou-se: em três meses, o que poderia ser entendido como descompressão ou desobediência descambou em violência, sem propósito, um fim em si mesmo. Embotados pelas rotinas, os radares da sociedade civil – a mídia – não foram capazes de identificar o antídoto natural do confronto.
 
Acomodados ao paternalismo, os movimentos sociais não conseguiram perceber que o vandalismo e a baderna sequestram a sua mais preciosa ferramenta – a capacidade de mobilização popular. O que era insatisfação em estado puro foi transformado em calendário de assaltos. Deslegitimou-se.
 
Papel da mídia
 
A ninguém ocorreu que a única forma de confrontar a violência é através da não-violência. Nascem juntas, ambas são organizadas, mas seus custos e eficácia são opostos. A não-violência tem sido erroneamente confundida com passividade, resignação, misticismo, “paz e amor”. Nada disso: é uma forma superior de disciplina, racional, altamente conscientizada. A violência é emocional, hepática, geralmente irracionalizada.
 
Gene Sharp, hoje com 85 anos, cognominado “Maquiavel do pacifismo”, é um cientista político americano que passou grande parte da sua vida estudando a história dos movimentos de mudança política. Seu tratado The Politics of Nonviolent Action (Porter Sargent Publisher, Boston, 1973) é um cartapácio de quase 900 páginas preparado sob os auspícios do Centro de Estudos Internacionais da Universidade Harvard.
 
Relembra a Primavera de Praga de 1968; traz de volta a extraordinária luta de Mohandas Karamchad Gandhi, o Mahatma (= Grande Alma, 1869-1948), patriarca da descolonização, pai da emancipação indiana; e atualiza a emocionante cruzada pelos direitos civis nos EUA liderada pelo pastor Martin Luther King, que acaba de completar 60 anos.
 
A não-violência conseguiu impor-se até mesmo contra a sanguinária Gestapo, em Berlim, 1943, quando as mulheres não-judias reuniram-se na rua, exigiram e conseguiram que os maridos judeus fossem poupados das câmaras de gás.
 
Na segunda parte, Sharp elenca e classifica 198 diferentes modelos de protesto não-violentos em todas as esferas da atividade – da defesa do consumidor à luta contra ditaduras, da desobediência civil às ações estáticas (sit-in, stand-in, ride-in, pray-in etc.).
 
A não-violência não se esconde, dá a cara, não quer o poder, quer mudanças, exige resultados. Por isso dispensa máscaras. É possível entender por que o Estado, como entidade material, busque a estabilidade e só consiga enfrentar a violência com repressão. Já a mídia lida com a inteligência e a consciência, é elástica, volátil, ágil, inventiva, transformadora.
 
Se empacar, sobra.
 
Observatório da Imprensa, edição 763, 10/09/2013
 
https://www.alainet.org/en/node/79163
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