O Haiti e o Scooby Doo
No final da coisa toda, tira-se a máscara e lá estão os Estados Unidos por trás de tudo, uma espécie de Dick Vigarista que deu certo.
- Opinión
No desenho infantil Scooby Doo, os bandidos se disfarçam de todas as maneiras para enganar os detetives, até que no final do episódio, eles se revelam como sendo alguém que estava lá o tempo todo, dando uma de bonzinho. Geralmente quem primeiro descobre toda a trama é o cachorro medroso e trapalhão. Ele, na verdade, avisa de todas as formas, e ninguém dá bola. Só quando a máscara cai e o vilão é revelado, os amigos humanos reconhecem que o cachorro estava certo. Pois, esta historinha recorrente do Scooby Doo é vivida todos os dias na vida real, na batalha da geopolítica.
Quando acontecem coisas nos países da América Latina, a gente vai investigar e aparecem dezenas de caras diferentes como sendo as dos vilões. Aí, no final da coisa toda, tira-se a máscara e lá estão os Estados Unidos por trás de tudo, uma espécie de Dick Vigarista que deu certo.
É o que parece estar acontecendo agora no Haiti, esse país tão maltratado por uma ocupação militar que já leva 17 anos. Os motivos do envio de tropas em 2004 – lideradas pelo Brasil durante o governo Lula - foram os de sempre: levar a democracia e a liberdade. O mote furado dos Estados Unidos. Desde aí, já passaram por lá muitos vilões, inclusive os nossos generais. Mas, quando se levanta a última máscara lá está o império, o mandante do crime.
O assassinato do presidente Jovenel Moïse parece seguir um roteiro de Scooby-Doo. Primeiro, descobre-se mercenários colombianos que atacaram a casa vestidos com coletes do Departamento de Estado Americano. Depois, descobre-se que os mesmos foram levados por uma aeronave que já transportou também o auto-proclamado presidente da Venezuela Juan Guaido. Depois, encontram indícios de que a própria guarda do então presidente do Haiti estava envolvida, provavelmente subornada. Depois, altos funcionários do governo e do Exército tramando contra o mandatário que agia como um ditador. Ao que parece, estava escapulindo das cordinhas armadas pelos EUA.
Por fim, enterrado o morto, quem vai escolher o novo Primeiro- Ministro do país? O povo, em eleições? Não, quem escolhe é o chamado Core Group, um grupo que carece de qualquer legitimidade internacional, formado por representantes de países e organizações com interesses econômicos e políticos no Haiti: Estados Unidos, Canadá, Brasil, Alemanha, França, Espanha, ONU, União Europeia, e OEA. Mas, espera... Quem comanda o grupo? Os Estados Unidos, é claro, o mesmo país que inventou essa de invadir o Haiti com as tropas de “paz”. E tudo foi feito sem passar pela aprovação do parlamento como manda a Constituição, porque o Parlamento foi dissolvido pelo presidente assassinado. Democracia, portanto, não foi exercida por ali. Oh, que surpresa!
Na mídia corporativa – da classe dominante – os informes são os de sempre: o Haiti vive um caos, não há formas de controlar sem uma mão dura, a ocupação precisa seguir como ajuda humanitária e blá, blá, blá. E assim, vai-se impedindo que a população tome controle de sua própria política. O Haiti segue sendo comandado como se fosse uma empresa, por gerentes que chegam de fora, sem qualquer conhecimento sobre a vida real dos haitianos, e que impõem políticas de repressão. Enquanto isso, os políticos locais, títeres dos EUA, clamam por ajuda para “salvar” o país. A ajuda chega, mas nada de salvação. Apenas alguns bolsos engordam, novas táticas de guerra são ensinadas ou criadas, e o povo segue à margem de tudo, sofrendo as consequências da invasão. O verdadeiro caos não está nas ruas, mas nas salas acarpetadas dos chamados “organismos humanitários”.
Enquanto a tragédia haitiana segue se desenrolando, estão aí os scooby-doos apontando os verdadeiros culpados. Mas, como sempre, não são levados em conta. As máscaras seguem caindo, uma a uma, até que venha a derradeira, quando então surgirá a verdadeira face do vilão. Um vilão que já conhecemos. Só no passado recente já o vimos no Afeganistão, no Iraque, na Argélia, na Líbia, no Egito, na Venezuela, na Bolívia, em Honduras, na Guatemala, em El Salvador, em Cuba, enfim... Tudo o que os Estados Unidos toca, vira destruição. É um Midas às avessas.
É por isso que quando a gente escuta seus políticos falarem em “ajuda humanitária”, os cabelos ficam em pé. Porque já conhecemos quem está por trás da última máscara e quais são suas práticas: destruir tudo. Com isso, eles conseguem se adonar das riquezas dos países e ainda lucram re-construindo o que destruíram. É um golpe de mestre.
Mas, a vida não é uma série infantil. E no Haiti, as vítimas seguem sendo cobradas. Sabemos quem é o mandante, mas esse, ao que parece, nunca chegará a um tribunal. Vá lá, nunca é muito. A roda da vida gira e haverá de chegar a hora em que todos reconhecerão a face diabólica do império. A história é pródiga em exemplos. Todo império um dia cai.
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