Prisões cautelares e direitos civis: Um Conflito Permanente!
- Opinión
Na semana passada uma notícia de extrema relevância para o mundo jurídico passou praticamente em branco nos meios de comunicação comuns. A segunda turma do Supremo Tribunal Federal mandou soltar dois réus que estavam presos preventivamente, acusados um de homicídio, outro de tentativa de homicídio, no Habeas Corpus nº 142.177. Ambos os réus estavam na prisão há sete anos, sendo seis sem nenhum julgamento. Lembro que a pena mínima para o crime de homicídio no Código Penal Brasileiro, segundo o artigo 121, é de 6 anos. Já para o crime tentado, ex vi a leitura combinada com o art. 14 do CP, é de 2 anos. Ou seja, nos dois casos tínhamos réus reclusos, sem julgamento, sendo que um já poderia estar solto há muito tempo.
De acordo com o lúcido voto do Ministro Celso de Mello, “nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de segregação cautelar do acusado, considerada a excepcionalidade da prisão processual, mesmo que se trate de crime hediondo”.
Tal posição, com linha garantista, é extremamente importante na medida em que o próprio Ministro tem adotado algumas posições divergentes em casos de maior repercussão midiática, o que acaba ofendendo a Constituição.
Na seara do entendimento da Segunda Turma do STF, as prisões cautelares têm objetivo meramente processual, o de garantir a produção de provas e evitar evasão do acusado, mas jamais podem substituir o julgamento definitivo e funcionar como substituto condenatório. Nestes casos, não estaríamos diante de uma verdadeira justiça, mas de um justiçamento público, ofensivo às bases do nosso ordenamento jurídico, em especial àdignidade da pessoa humana, fundamento da nossa República, conforme art. 1º, III, da Lei Maior.
Trata-se de uma posição meritória que rompe com a doutrina policialesca adotada em muitos juízos inferiores, onde observamos a orgia de prisões cautelas, não como método de garantia processual, mas como elemento indutor da produção de provas por meio de transações como delações premiadas, em uma verdadeira forma de tortura travestida de roupagem estética para legitimação jurídica.
Conforme lição de Cesare Beccaria aprendida pelos juristas no início da formação, a segregação da liberdade deveria ser utilizada apenas em última alternativa. Isto é ainda mais grave quando a prisão é um mero artifício processual. Assim, reitero o correto posicionamento de Celso de Melo:
“é preciso reconhecer, portanto, que a duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém como sucede na espécie, ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país”.
Espero que o STF mantenha a mesma linha de forma coerente, independentemente da pressão midiática e da coloração ideológica dos réus.
- Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.
junho 15, 2017
Del mismo autor
- A morte do neoliberalismo? Os Caminhos da Economia Global No Pós-pandemia 30/03/2020
- Pandemia expõe fracasso prático da ideologia neoliberal 17/03/2020
- A barbárie ambiental brasileira 23/08/2019
- Pós-verdade? a nova direita e a crise da racionalidade moderna 29/04/2019
- O escandaloso crime do Caixa 2 da Lava Jato e as suas consequências 12/03/2019
- Sérgio Moro e a sua “solução final” 20/02/2019
- Mineração: Como Nascem Crimes Ambientais como Bento Ribeiro e Brumadinho 06/02/2019
- O decreto da desumanização 17/01/2019
- A perigosa ignorância fabricada da direita 07/01/2019
- Perseguição a Lula escancara absurdos do sistema prisional brasileiro pós 2016 20/12/2018