Com o roubo de terras legalizado, anexação avança
- Opinión
Quando Netanyahu anunciou a construção de mais 6.000 assentamentos os chefões da extrema-direita reclamaram.
Queriam que o premier aproveitasse as declarações de amor de Trump para uma expansão mais maciça, ciclópica.
A resposta chegou em questão de dias.
O Knesset (câmara federal), estimulado pelo governo, aprovou, por 60 a 52 votos, uma lei que é para radical israelense nenhum botar defeito.
Ela dá direito ao governo de Telaviv de se apropriar de terras pertencentes a palestinos, tornando-as propriedade estatal para, em seguida, as usar na construção de assentamentos.
Automaticamente ficam legalizados cerca de 53 postos avançados e mais de 3.800 unidades residenciais ilegais em assentamentos existentes, conforme a organização Peace Now.
Quaisquer terras da Cisjordânia (a Palestina ocupada) possuídas por palestinos em qualquer parte da região, poderão agora ser confiscadas pelo Estado e usadas para construção de assentamentos. E todos os postos avançados antes ilegais passam a ser perfeitamente legais.
Durante décadas, muitos assentamentos foram criados sem autorização legal – os chamados postos avançados. Apesar de ilegais, o governo lhes proporcionava água, energia elétrica, escolas e outros serviços. Só em raríssimas ocasiões os ocupantes foram expulsos assim mesmo quando a justiça decidiu intervir.
Ao justificar a ocupação de terras de palestinos para a construção de novos assentamentos, Telaviv usava expedientes como desenterrar leis do antigo Império Otomano (ao qual a Palestina pertenceu até o fim, , após a 1ª- Guerra mundial) que determinavam a estatização de terras deixadas incultas.
Num processo de 1979, a justiça israelense declarou ilegais os assentamentos em terras claramente de propriedade privada palestina, limitando essas construções a necessidades militares.
Agora, com a legalização do confisco de terras de palestinos, a expansão dos assentamentos será radicalmente acelerada.
Muitos grupos de judeus israelenses se sentirão estimulados a antecipar a ação confiscatória do Estado criando “postos avançados” nas regiões que escolherem, certos de que o governo logo os legalizará.
Este autêntico roubo de uma nação inteira ecoou em todo o mundo.
A ONU, a União Europeia, os movimentos de direitos humanos, a Liga Árabe, até a Inglaterra” de Tereza May (de forma muito amigável) entre outros, censuraram mais esta violação da Israel às leis internacionais.
Cito as manifestações da França e da Alemanha.
Falando à rádio do exército de Israel, Héléne Le Gal, ministro do Exterior da França, assim se expressou: “Israel está num caminho que não leva à paz…A comunidade internacional se pergunta se deve confiar em IsraeL quando Israel diz estar pronta para discutir com seus vizinhos, os palestinos, para buscar um acordo para a “solução dos 2-Estados”.
Frank Walter Steinmeier, ministro do Exterior da Alemanha, cujas críticas aos israelenses costumam ser moderadas, desta vez subiu o tom: “A confiança no compromisso do governo de Israel com a solução dos 2-Estados foi fundamentalmente abalada.”
Os movimentos israelenses B`Tselem e Peace Now também foram duros.
B´Tselem: “(A nova lei) prova uma vez mais que Israel não rem intenção de terminar seu controle sobre a Palestina ou seu roubo das terras dessa nação.”
Peace Now: “Netanyahu está disposto a permitir o roubo de terras (palestinas), a expor os oficiais do exército israelense e a arrastar Israel à Corte Internacional de Justiça, em Haia, tudo em favor da sua sobrevivência política.”
E a organização Kerem Navot, que monitora o uso das terras na Cisjordânia, preveniu que a nova lei viola a quarta convenção de Genebra, a qual estipula que um poder ocupante só pode tomar propriedades privadas por necessidades militares. Políticos, oficiais do exército e assentados podem ficar sujeitos a processo na Corte Internacional de Justiça, em Haia.”
Já os EUA se omitiram.
Antes da aprovação da lei de confisco, Trump já se mostrara insatisfeito pela aprovação dos 6.000 novos assentamentos. Ele advertiu Israel a não tomar mais esse tipo de decisões unilateralmente e em prazo curto. Temia, disse o presidente dos EUA, que novos assentamentos pudessem não ajudar o processo de paz.
Portanto, Netanyahu deveria se conter até se reunir com ele em 15 de janeiro.
Trump não negou que poderia ser a favor dos assentamentos, mas deixou claro que os dois estadistas ainda não haviam tomado em conjunto uma posição oficial. Como ambos continuavam a ter esperanças nas negociações de paz, deveriam evitar ações que pudessem complicá-las.
Acho que Trump não gostou da iniciativa de Netanyahu que o colocava na obrigação de lhe levar seu apoio, numa posição de simples aderente ao voluntarismo do outro.
Trompa considera que ele deve ser o protagonista, não um ator secundário no roteiro da questão palestina.
Daí, sua leve censura à sofreguidão de Netanyahu e também seu conselho ao aliado Bibi de se abster de ações individuais até vir a Washington em busca das luzes do líder do Ocidente.
Dessa reunião com Trump, sairiam então as grandes linhas a serem seguidas pelo governo de Israel.
Já no episódio da aprovação da lei do confisco, Israel novamente tomou sozinha uma decisão importante, que tem tudo a ver com a questão palestina.
Trump lembrou que foi antes da hora.
Inquirido sobre a posição do presidente americano diante do confisco, o porta voz, Sam Spicer, limitou-se a dizer que seu chefe se reuniria com Netanyahu na Casa Branca, em 15 de janeiro. E que não poderia antecipar nada.
É difícil prever o que sairá deste encontro de amigos.
Não sei que argumentos Nertanyahu usará para justificar a legalização do roubo de terras palestinas. E se Trump lhe dará seu nihil obstat.
Provavelmente afirmarão que os assentamentos não prejudicam a solução dos 2-Estados, da qual eles seriam ardorosos defensores.
Digam o que disserem, a verdade é que com a nova lei foi dado um gigantesco passo em direção da anexação total da Palestina. Ou quase isso.
Agora, com o apoio total de Trump, os assentamentos poderão entrar num ritmo de expansão fortemente acelerado. E dentro da lei.
Dessa maneira, a tendência que se espera é que os assentamentos, em breve, deverão ocupar a maior parte da Cisjordânia. Mais exatamente, tudo o que Israel quiser, o que não parece ser pouco.
E como ninguém espera que Netanyahu jamais concordará em entregar aos palestinos o território de um único assentamento (como já jurou), um Estado Palestino reduzido à expressão mínima jamais poderia ser viável.
Antes desse amargo fim, diversas negociações bilaterais, israelenses-palestinos, mediadas pelos EUA, serão abertas e fechadas. Enquanto esse processo for se repetindo, Netanyahu e Trump continuarão proclamando seu apoio exuberante à solução de 2-Estados. Sempre lamentando a intolerância dos negociadores palestinos, que impediriam qualquer acordo por não aceitarem a existência de Israel…
Aos palestinos restam pouca opções.
1-Ou aceitam que Israel um dia lhes acabará concedendo o que sobrar do território roubado pelos assentamentos, onde poderiam criar um Estado independente porém miserável, incapaz de viver sem a caridade internacional.
2-Ou partem para um caminho radical, agora ainda mais difícil do que nunca, porque terão de enfrentar também os EUA de Trump, de corpo e alma apoiando Israel.
Há uma outra saída, excessivamente otimista, é verdade: a queda de Netanyahu e a assunção em Israel de um governo progressista e moderado.
Que negociaria com os palestinos uma paz justa, garantindo a fundação de um Estado Palestino independente e viável e a segurança de Israel.
Para isso, a atitude do povo israelense diante dos palestinos teria de mudar. E vice-versa.
Não é fácil, os “lobos solitários” palestinos não vão parar de atacar militares (e mesmo civis), especialmente depois da “lei do confisco” e da provável formação da frente Trump-Netanyahu.
E a repressão das forças de segurança israelenses se processará de forma ainda mais brutal.
Assim o ódio e o medo dos israelenses tenderá a crescer, beneficiando Netanyahus e os partidos radicais. Os mesmos sentimentos alimentarão a agressividade da resistência, podendo gerar uma nova intifada.
Haverá uma saída para esse diabólico ciclo vicioso?
Alguma coisa pode mudar.
A violência, que vai fatalmente crescer entre as partes, pode levar amplos setores do povo de Israel a sentirem que isso não é jeito de se viver.
Quem sabe se as vozes que falam na justiça da causa palestina e nos seus sofrimentos passem a serem ouvidas?
Quem sabe, ambos os lados acabem exauridos por tanta violência, tantas guerras, tanto ódio?
Há indícios que autorizam esperanças.
São poucos, mas começam a existir.
A lei do confisco foi aprovada por uma diferença de apenas 8 votos
52 deputados foram contra, trata-se de um número animador. A oposição que luta pela paz foi fortalecida pelo ingresso do Partido Yesh Adit, de orientação centrista
Visualiza-se uma frente de centro-esquerda em condições de encarar a coalisão de extrema-direita nas próximas eleições.
E o povo começa a desaprovar as decisões belicosas do governo Netanyahu.
Pesquisa do StatNet Institute: 53% dos judeus israelense são contra a anexação de grande parte da Cisjordânia – 40%, a favor;
50% dos judeus israelenses acham que não se deve criar mais assentamentos – 45% acham o contrário.
Noticia o Haaretz: a pesquisa mensal “Índex da Paz”, publicada pelo Instituto da Democracia de Israel, mostra que, em janeiro, 54,6% opunham-se à anexação – 50% dizem que não é inteligente tirar vantagem do apoio de Trump para faze mais construções nos assentamentos.
62,9% querem a volta das negociações de paz com os palestinos.
Estas pesquisas foram realizadas pouco antes do Knesset legalizar o confisco indiscriminado de terras de palestinos.
Seus resultados serão mais valorizados caso a Suprema Corte de Israel aprove o cancelamento dessa lei.
O próprio procurador-geral de Israel, o general Avichal Mandelbilt declarou não ter condições de defender a lei perante a Corte Suprema porque ela corta abertamente direitos de propriedade de palestinos na Margem Ocidental (Cisjordânia), de um modo que contradiz a proteção garantida à população sob ocupação exigida pela Quarta Convenção de Genebra. ”
Acho que vale à pena lembrar um pensamento do grande Albert Einstein: “Se não formos capazes de encontrar um meio para termos honesta cooperação e honestos acordos com os árabes, então nós não aprendemos absolutamente nada durante nossos 2.000 anos de sofrimentos e merecemos tudo que acontecerá conosco. ”
- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.
11 / 02 / 17
http://www.olharomundo.com.br/com-o-roubo-de-terras-legalizado-anexacao-avanca/
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