Apelos a banqueiros não resolvem recessão
- Opinión
O apelo de Henrique Meirelles para que os bancos reduzam a taxa de juros nos empréstimos aos clientes é a demonstração de que a crise econômica atingiu um nível patético. A queixa é que até agora as instituições financeiras não repassaram a modestíssima redução da taxa Selic para o crédito oferecido aos clientes.
Embora Meirelles seja ministro da Fazenda, apontado como fiador do governo Temer junto aos mercados, o impacto do apelo foi nulo. Sem fazer muita cerimônia, no mesmo dia Murilo Portugal, presidente da Febraban, já apontou razões para deixar os juros oferecidos aos clientes no mesmo patamar de antes. Repetindo velhos argumentos das instituições financeiras, Portugal disse que a "inadimplência é alta" e que a "recuperação" dos recursos emprestados " é baixa."
Nada de novo no apelo e na recusa -- apenas a demonstração de que o mercado comporta-se como lhe convém, reservando um horizonte de pesadelo para uma economia que necessita desesperadamente de estímulos para o crescimento e a criação de empregos. A lógica é a de ganhos máximos, com custos mínimos e risco zero. A rigor, este processo foi muito bem esclarecido há mais de 200 anos, pelo estudioso pioneiro do capitalismo Adam Smith (1723-1790). Para ele, o progresso humano sob o regime da propriedade privada é o resultado da soma dos "egoísmos individuais."
Para Smith, pelo caminho dos interesses individuais, chega-se a um regime econômico em que todos ganham -- pois todos têm interesse em ganhar mais. O problema é que, nos ciclos de crise, como o atual, o sinal se inverte. A economia segue um curso irracional, traço essencial do sistema -- e todos perdem.
É assim na Europa de nossos dias. Com juros negativos -- muito inferiores àqueles do Banco Central brasileiro -- a economia do Velho Mundo não sai do lugar desde o colapso dos derivativos, 2008/2009. Assiste-se lá aos capítulos mais adiantados de um espetáculo muito semelhante ao que se verifica por aqui. Por um longo período, tornou-se muito mais vantajoso, para as instituições de mercado europeias, entesourar recursos acumulados em vez de abrir os cofres para financiar investimentos produtivos. O resultado é que se criou um ciclo econômico perverso, como demonstra a prolongada paralisia da economia do Continente, com destaque para a italiana, um dos casos mais graves da região. Depois de retirar dinheiro "de uma economia já anêmica," como lembrou o jornal New York Times, os bancos italianos colocaram em movimento um processo que ameaça sua própria estabilidade, colocando-se na situação de pior sistema financeiro da Europa. "Os bancos italianos não serão capazes de se restabelecer sem que haja crescimento, e a economia italiana não pode crescer sem bancos saudáveis", diz o jornal. Deu para ver a sinuca, certo?
No Brasil, país que avança para uma depressão prolongada, na pior crise de sua história, cabe reconhecer um agravante nesta situação. Estou falando do fator político, que se traduz pelos compromissos políticos do governo Temer-Meirelles com o patronato financeiro que articulou a queda de Dilma e até agora o protege. Essa relação de dependência, que explica a PEC 55, a reforma da previdência e outras medidas do mesmo teor, também ajuda a entender a paralisia real -- disfarçada por apelos inúteis -- do governo diante de uma crise que exigiria medidas amplas e corajosa favor do crescimento e da criação de empregos.
Ao contrário de muitos países, o Brasil possui um conjunto de bancos públicos com capacidade para fazer o contra ciclo econômico, oferecendo aqueles recursos que o setor privado prefere armazenar com as desculpas de sempre.
Isso aconteceu entre 2008-2009, quando os bancos públicos derrubaram a taxa de juros de seus empréstimos, conquistando terreno junto às instituições de mercado. A partir de um estudo dos economistas Elena Soihet e Cesar Murilo Cabral, descobre-se que numa conjuntura em que a inadimplência cresceu 48% (2008) e 18,8 % (2009), os bancos públicos foram atrás de clientes abandonados pelo setor privado. O Banco do Brasil cresceu 31,5%, a Caixa Econômica, 51,4% e o BNDES deu um salto de 140%. Em média, registram os economistas, o setor público deu um salto de 66,7%, para assumir 49,5% do crédito disponível Os bancos privados, enquanto isso, caíram de 63,5% para 49,2%. Nos anos de vacas gordas, o crédito privado chegou a crescer 25% ao ano. Caiu para 10% nos tempos difíceis. Mesmo perdendo terreno, o setor privado já fazia, na época, aquilo que faz hoje. Não tomou iniciativas para atrair novos clientes, como diminuir a taxa de spread, que é a diferença entre aquilo que um banco paga pelo dinheiro depositado e aquilo que recebe pelo dinheiro que empresta. Depois de manter uma taxa de juros alinhada com os bancos privados, e até um pouco mais alta, em 2009, o spread do setor público tornou-se 20% inferior ao do privado. A vantagem econômica, somada a disposição política de tirar o país da crise, fizeram a diferença. E é claro que esse movimento tinha relação direta com as opções políticas do acionista principal dos bancos públicos, isto é, o governo Lula e o ministro da Fazenda Guido Mantega.
Sob o governo Temer-Meirelles, uma intervenção dessa natureza, mesmo necessária, seria impensável. Em poucos meses no poder, está claro que sua opção avança é outra. Esvaziamento do BNDES, enxugamento da Caixa Econômica e do Banco do Brasil. Alinhados pelos valores de mercado, evitan toda iniciativa que poderia jogar o preço do dinheiro para baixo e ameaçar a posição do setor privado, que voltou a crescer. .Vamos esquecer debates ideológicos, pois não é disso que se trata aqui. Estamos falando de lucro, dinheiro no bolso, fortuna privada, bônus milionário no fim do ano. Egoísmo, para usar o termo de Adam Smith.
- Paulo Moreira Leite, jornalista e escritor, é diretor do 247 em Brasília
13 de Dezembro de 2016
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