O choque da eleição de Trump
Com certeza devemos esperar retrocessos pesados na questão dos direitos humanos, assim como um aumento na repressão aos que ousarem se manifestar contra as políticas do governo.
- Opinión
Politicamente, é um completo desastre que alguém como Donald Trump vença as eleições presidenciais no país mais central da economia e mesmo da política mundial. Pela sua história e pelo discurso que fez da maneira mais clara possível durante toda a campanha, é uma derrota para todos os que defendem e lutam para garantir os valores inerentes aos direitos humanos.
É quase inacreditável o que Donald, como era chamado na campanha, fala a respeito das mulheres, dos latinos, dos migrantes, dos muçulmanos. Algumas pregações são tão chocantes que eram encaradas durante a campanha como bravatas ou bazófias do candidato. É o caso das ameaças de proibir a entrada de muçulmanos nos EUA, ou de construir um muro na fronteira entre os EUA e o México (na verdade, a barreira já existe, embora não seja fisicamente um muro), mandando a conta para o país vizinho pagar.
Com certeza devemos esperar retrocessos pesados na questão dos direitos humanos, assim como um aumento na repressão aos que ousarem se manifestar contra as políticas do governo. É muito possível que avanços ainda não consolidados da era Obama, como a política para a saúde, sofram retrocessos, com menos investimentos para a proteção dos mais pobres.
Também é de se prever enormes turbulências nas relações externas, investimentos mais pesados em políticas armamentistas para combater os inimigos internos e externos. A retórica do agora presidente eleito contra o mundo muçulmano poderá levar ao fortalecimento de setores radicais, aumentando muito a sensação de insegurança em todo o planeta.
Do ponto de vista econômico, Trump é uma grande contradição. Venceu as primárias ultrapassando candidatos que pareciam mais enraizados e, sobretudo, atropelando as direções formais do Partido Republicano. Sustentou na campanha medidas fortemente protecionistas, opostas ao discurso tradicional do partido, que sempre teve discurso mais liberalizante em relação ao comércio externo, por exemplo.
Trump parece ter vencido baseado especialmente no discurso para a economia, enfatizando a retomada do "Made in USA" e tendo como slogan "Make America great again". Esse discurso atraiu votos em estados que tradicionalmente votam em democratas e assim contribuíram decisivamente para a vitória de Trump.
Resta agora observar Trump presidente dos EUA. Apesar do provável retrocesso nas relações políticas, ameaçando afetar as relações com todo o planeta, é cedo para concluir que Trump levará a cabo, de fato, política econômica tão protecionista como prometeu na campanha.
Primeiro, porque as empresas americanas estão estabelecidas em muitos países, especialmente na Ásia. É muito comum adquirirmos produtos onde se lê: "Designed in the USA. Manufactured in China" (Taiwan, Coreia). Isso vale para produtos tecnológicos como celulares e outros eletrônicos, bem como para produtos tradicionais como roupas e calçados.
Segundo, porque Donald Trump terá que montar o governo com quadros políticos e técnicos majoritariamente ligados aos republicanos e é pouco provável que o partido mude repentinamente sua visão sobre economia e políticas econômicas.
Além disso, tem o Congresso americano, provavelmente o mais poderoso do mundo, em relação ao Poder Executivo. Os republicanos obtiveram maioria na Câmara e no Senado e aí os eleitos são mais tradicionais, mais ligados ao "sistema". Portanto, ainda é preciso observar o que Trump dirá agora já eleito. A começar pelo discurso da vitória, bem mais ameno do que as falas de campanha.
Também é cedo para ter claro os efeitos para o Brasil dessa eleição. Até porque Donald Trump sequer se referiu ao Brasil ou à América do Sul, durante quase um ano e meio de campanha. Mas o anúncio de medidas a ser feito pelo novo presidente poderá trazer oportunidades ou ameaças para nosso país.
Se Trump pretender mesmo adotar medidas muito protecionistas, isso irá afetar as grandes economias mundiais como a China e Ásia em geral, assim como a Europa. Isso pode abrir espaço para acordos com esses parceiros, para fortalecimento dos laços entre os BRICS e entre o Mercosul e a Europa.
Mas, para os valores humanos, não há dúvida que é um retrocesso.
- Gleisi Hoffmann é Senadora pelo PT do Paraná. Foi diretora financeira da Itaipu Binacional e Ministra-Chefe da Casa Civil
9 de Novembro de 2016
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