Novo plano de negócio da Petrobras aponta para retração de suas atividades
- Opinión
São Paulo (SP).- A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta (5) o projeto de lei que retira da Petrobras a condição de operadora exclusiva dos campos do pré-sal. A proposta se coaduna com o novo plano de negócios da companhia, aprovado pelo Conselho de Administração da estatal no final de setembro.
Para especialistas que acompanham o tema, as novas diretrizes significam uma retração das atividades da empresa – o que pode gerar impactos na vida de toda a população brasileira. Entre eles, está o aumento do preço do gás de cozinha, redução na geração de empregos e em investimentos públicos em saúde e educação.
O novo plano, válido entre 2017 e 2021, reduz em 25% o volume de investimentos em relação ao anterior, indicando que a companhia não ampliará suas atividades exploratórias no pré-sal e privatizará campos. Além disso, aponta para a venda de diversos ativos relacionados a áreas não diretamente ligadas com a extração - como biocombustíveis, petroquímica, fertilizantes -, além de firmar parcerias no refino. Com as alienações, a atual direção da estatal espera conseguir US$ 18,5 bilhões até 2018.
Opções
Segundo Felipe Coutinho, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), a questão mais importante do novo plano – que “privatiza parcialmente” a estatal - está relacionado à ideia de reduzir a proporção entre dívida líquida e o caixa da empresa. “O ponto central desse plano é a questão da redução da alavancagem. A Petrobras antecipou a meta de redução da alavancagem. Esse indicador financeiro atualmente está em 4,5%. A companhia antecipou a meta de redução para 2,5% já em 2018”.
O plano aprovado, entretanto, não seria a única alternativa, segundo Coutinho. “Tanto o indicador quanto o prazo que a Petrobras coloca são arbitrários. São escolhas políticas e empresariais. Não existe nenhuma imposição de natureza científica. A gente coloca outro plano. É possível reduzir o endividamento, mas em uma velocidade não tão acelerada, podendo preservar os ativos. Sem a venda de nenhum desses ativos, se poderia ter uma relação de alavancagem de 3,1% em 2018. Mantendo a mesma velocidade de amortização, alcançaria os 2,55% em 2021”, diz.
“A Petrobras vai ter uma capacidade menor de geração de caixa no futuro porque está entregando o mercado brasileiro, que é o seu principal ativo, para as multinacionais - que são as beneficiárias diretas [deste plano] junto aos credores, que têm o pagamento da dívida como algo prioritário. É uma visão de curto-prazo. Se diminui a capacidade da Petrobras crescer, abre-se mão do sistema de empresa integrada, capaz de gerar riquezas em diversos cenários econômicos. Está se abrindo mão de riquezas futuras”, critica.
Coutinho afirma que a prevalência dos interesses financeiros levou diversas petroleiras privadas a sofrerem efeitos negativos. No passado, elas detinham 90% das reservas mundiais e eram responsáveis por 75% da produção. Hoje, representam 5% e 25%, respectivamente. A razão seria o processo de endividamento para o pagamento de dividendos e a terceirização, o que teria levado ao não aperfeiçoamento tecnológico. É para esse modelo que o novo plano de negócios aponta.
Impacto
Cloviomar Caranine, analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e assessor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), afirma que as medidas contidas no plano de negócios contrariam os interesses de longo prazo da Petrobras.
“É muito ruim ela vender ativos. Neste momento, os preços estão muito baixos. A segunda questão é que ser uma empresa integrada, ou seja, uma companhia que explora, refina e comercializa e que chega até a distribuição, é mais interessante do que trabalhar em uma área só. Se o preço do barril cai, trazendo menos lucratividade na exploração, é possível compensar na área de abastecimento, ou seja, do refino. Ela pode perder em um setor e ganhar no outro. As grandes petroleiras atuam dessa forma”, aponta.
O fato de a Petrobras ter atuado, até o momento, como empresa integrada, é um dos elementos fundamentais da “soberania energética” nacional, afirma Caranine. “Atuando de forma integrada, nós temos a garantia que essas áreas serão desenvolvidas. Por exemplo, o biodiesel é uma possibilidade nova e importante. Nem sempre o início do processo de produção é lucrativo, mas no futuro vai ser. É preciso uma empresa estratégica que possa ganhar em um setor e investir em outro”.
Efeitos concretos
“A gente perde a empresa que é nosso motor de desenvolvimento, que é capaz de gerar empregos. Com a Petrobras atuando nessas áreas, tem estabilidade [de preços e qualidade] para o mercado consumidor e, por outro lado, há investimentos no Brasil. Uma empresa estrangeira, atuando no Brasil, faz seus investimentos em seus países de origem, não aqui”, analisa. Um dos exemplos por ele citado é o fortalecimento a indústria naval brasileira, induzida pela política de conteúdo nacional da estatal.
Um dos impactos mais sensíveis será no preço de itens domésticos básicos. "Vai acontecer com certeza em relação à Liquigas. Por passar a pertencer a uma empresa privada que visa o lucro, vão aumentar os preços desses produtos. Além da questão do lucro, há uma questão contábil. Essas empresas têm um custo maior para operar. Com isso, acabam cobrando mais”, prevê.
Estratégia ameaçada
Se, por um lado, as mudanças na exploração do pré-sal e novo plano de negócios terão desdobramentos cotidianos, de outro, também podem interferir no futuro do país.
A participação da Petrobras na exploração da camada pré-sal apontava para duas questões: de um lado, privilegiar os investimentos da estatal na descoberta da área, o conhecimento por ela acumulado e os custos menores na operação; de outro, obter um retorno maior para a sociedade e para o Estado, garantindo investimento público em saúde e educação, por exemplo.
“A Petrobras tem um custo menor pra operar o pré-sal. Ela opera a US$ 8 por barril, enquanto com as outras, se operassem, seria em torno de US$ 16. [Com a Petrobras] a parte que sobraria para o Estado, principalmente educação e saúde, seria muito maior”, explica Caranine.
"Quando entrou o [Pedro] Parente, ficou claro no discurso da empresa que não interessa mais ser a operadora única. A quebra da obrigatoriedade da Petrobras foi o primeiro pagamento do golpe, muito ligado às petroleiras americanas, que nunca concordaram com o regime de partilha”, finaliza ele.
A assessoria de imprensa da Petrobras foi contatada para responder às críticas ao plano de negócios, mas, até o fechamento, a reportagem não obteve retorno.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Brasil de Fato, 11 de Outubro de 2016
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