Governo interino quer exportar o golpe para o Mercosul
- Opinión
O ministro interino das Relações Exteriores, José Serra, nunca escondeu seu total desprezo pelo Mercosul e a integração regional. Segundo ele, o Mercosul foi "uma farsa", um "delírio megalomaníaco, que paralisou a política de comércio exterior brasileira". Agora tem sido insistente, por palavras e atos, na desconstrução do bloco. Serra sonha, sempre sonhou, com uma área de livre comércio proporcionando concorrência (predatória) das nações mais industrializadas, na qual cada país fará o que bem entender, negociando sozinho sua pauta de comércio.
O bloco do Mercosul foi criado justamente para dar força aos países membros na hora de negociar com as grandes nações, ou alguém duvida de que sozinhos os sul-americanos são muito mais frágeis perante as grandes potências econômicas? Acabar com a união aduaneira, como propõe Serra, tirará do bloco o sentido estratégico de propiciar inserção soberana dos seus membros no cenário mundial.
O Mercosul é um projeto estratégico de longo prazo que envolve os interesses de países e suas populações. Do ponto de vista do Brasil a união aduaneira, ainda que incompleta, é vital para nossos interesses. Em 2002, exportávamos somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as nossas exportações saltaram para US$ 32,4 bilhões. Isso significa um fantástico crescimento de 690%, quase de oito vezes mais, em apenas 11 anos. E cerca de 90% do que exportamos para esse bloco são produtos industrializados. Assim, esse mercado é crucial para nossa indústria. Só questões ideológicas explicam porque o chanceler brasileiro quer jogar fora um grande mercado de consumo para o nosso país.
A estratégia para a implosão do Mercosul consiste em não deixar a Venezuela assumir a presidência pro tempore do Bloco, o que tem direito pelas regras aprovadas no Tratado de Assunção e Protocolo de Ouro Preto, que estabelece que a presidência do Conselho se exercerá por rotação dos Estados Partes e em ordem alfabética, por períodos de seis meses.
O governo golpista, através de Serra, e por sua orientação, alega que a Venezuela não cumpriu os termos do Tratado relativos à tarifa comum e, portanto, não estaria em condições de assumir. Ocorre que nenhum país cumpriu integralmente com os termos do Tratado, inclusive o Brasil.
A vontade de impedir a Venezuela de assumir e implodir o Mercosul com essa crise é tanta que Serra chegou a propor a troca do voto do Uruguai por favores em negociações que o Brasil está realizando com a China. Um escândalo, que se fosse em um governo sério teria derrubado o ministro.
As condições internas da política e da economia venezuelanas não podem também ser justificativa para retirá-la da presidência do Bloco. É uma situação crítica, que vai requerer empenho do país e de suas forças políticas para resolvê-las. E se crise interna fosse critério, Brasil e Argentina também estariam com óbices.
Governos são efêmeros. No longo prazo e num ambiente democrático, é fato que se sucedam, nos países do bloco, muitos governos de matizes políticos bastante diferenciados. Essa inevitável diferenciação política não pode, contudo, paralisar ou inviabilizar o processo de integração. Os governos que estão provisoriamente representando seus países no bloco não podem usar o processo de integração como alavancas políticas de suas agendas internas específicas. Se isto acontecer, o processo de integração não evoluirá a contento e jamais se consolidará.
Toda a discurseira e articulação contra Venezuela tem o objetivo primeiro de implodir o Mercosul. Não satisfeitos com o golpe que estão dando na democracia brasileira, os interinos querem também dar um tiro no Mercosul e nas relações do Brasil com seus vizinhos próximos. A política externa brasileira está entregue a quem quer entregar o Brasil.
- Gleisi Hoffmann é Senadora pelo PT do Paraná. Foi diretora financeira da Itaipu Binacional e Ministra-Chefe da Casa Civil
22 de Agosto de 2016
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