A recessão chega a um novo patamar
- Opinión
Quebradeira generalizada, redução das operações de crédito, queda da arrecadação, volatilidade do dólar, regressão do consumo e previsões de declínios cada vez maiores do PIB são alguns elementos do quadro econômico desafiador para o governo, as empresas e as famílias.
Entre janeiro e abril de 2015 e o mesmo período deste ano, os pedidos de recuperação judicial quase duplicaram, de 289 para 571, segundo a Serasa Experian. As solicitações feitas por médias e pequenas empresas passou de 172 para 327, na mesma comparação, e aquelas de grandes estabelecimentos aumentou de 49 para 95. Nos dois casos, a variação ficou um pouco abaixo do dobro, de um ano para o outro. Entre as firmas de porte médio, entretanto, o uso daquele recurso mais que duplicou, de 68 para 149.
A trajetória da recessão mostra uma escalada a partir dos negócios de menor porte, os primeiros atingidos, para o patamar das empresas de tamanho médio, com 50 a 499 empregados. Os números da crise nas micros (9 a 19 empregados) e pequenas (20 a 49 trabalhadores) mostram uma devastação. No mês passado, 49% dos estabelecimentos estavam inadimplentes, 27% não conseguiam pagar bancos ou financeiras e 53% previam novas dispensas de trabalhadores nos próximos meses. As MPEs perfazem 99% do total e respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado.
“Todo mundo está preocupado com o aumento sem precedentes dos pedidos de recuperação judicial, mas o problema é mais grave. A cada dia útil, 1,4 mil firmas fecham no País e um total de 354,4 mil deixou de existir no ano passado”, destaca Joseph Couri, presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo, com base em dados do Departamento de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, ligada à Presidência da República.
Perto de 21% das MPEs recorrem a cheque especial, 7% usam empréstimo bancário pessoal e só 8% conseguem linha de crédito para pessoa jurídica, mostra um levantamento do sindicato. “Isso significa que não existe financiamento para capital de giro. O custo elevado dos empréstimos, quando os obtemos, resulta em elevação do preço dos produtos e restrição da demanda”, analisa Couri.
Cerca de 75% dos donos temem o desaparecimento do seu estabelecimento nos próximos meses. “Ou o governo anuncia medidas concretas emergenciais de curtíssimo prazo, ou teremos o aprofundamento dessa crise, com insolvência e quebradeira. Há uma angústia geral do empresário para saber o que vai acontecer. O quadro é absolutamente insustentável.”
Asfixiadas pela queda das vendas e por dívidas, as empresas não têm fôlego para bancar a quitação de empréstimos e não encontram bancos dispostos a conceder novos financiamentos. Segundo a Serasa Experian, a demanda por empréstimos recuou 9,3% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado.
O declínio das operações de crédito fica evidente no acompanhamento do Banco Central. Entre janeiro e março, o volume caiu de 3 trilhões e 197 bilhões de reais para 3 trilhões e 161 bilhões, segundo o BC. No ano passado, houve um aumento, no mesmo período, de 3 trilhões e 13 bilhões para 3 trilhões e 61 bilhões.
A piora das condições de pagamento das empresas leva os bancos a aumentar a provisão para devedores duvidosos, com redução do lucro esperado. Segundo um levantamento da consultoria Economática, no primeiro trimestre deste ano, em comparação ao mesmo período de 2015, o total de créditos de liquidação duvidosa do Banco do Brasil subiu de 5,9 bilhões de reais para 7,1 bilhões, o do Itaú Unibanco aumentou de 4,4 bilhões para 6,3 bilhões e o do Bradesco, de 3,9 bilhões para 5,9 bilhões. Só 8 das 25 maiores instituições financeiras do País não aumentaram a provisão.
Além de fragilizar e fechar empresas e aumentar a vulnerabilidade dos bancos, a recessão força renegociações de dívidas e amplia as disputas de preços entre fornecedores e seus clientes. A Gol anunciou na quarta-feira 4 a renegociação da maior parte da sua dívida, de cerca de 17 bilhões de reais, uma estratégia para evitar a recuperação judicial, dizem analistas do setor.
Não se trata de uma crise isolada. Depois de cinco anos consecutivos de prejuízos, apesar do aumento contínuo das vendas, as companhias aéreas deverão sofrer em 2015 a primeira retração após 13 anos seguidos de crescimento. Discussões de preços com fornecedores causaram a paralisação de linhas de produção da Volkswagen e da Fiat, afetadas pela interrupção, nas últimas semanas, do suprimento de bancos para os veículos. As montadoras registraram uma queda de 26,55% nas vendas em 2015 e preparam-se para encarar outro declínio, de 17%, neste ano.
A desvalorização do real em 40% no ano passado, de 2,69 reais por dólar para 3,90 reais entre fevereiro e dezembro, reanimou as exportações e deu algum fôlego para as empresas ligadas ao comércio exterior. O avanço é insuficiente, entretanto, e está ameaçado pela valorização iniciada neste ano, com 10% acumulados entre os 3,90 reais por dólar de dezembro e os 3,50 reais no fechamento da quarta-feira 18. O câmbio de equilíbrio, calculam empresários e economistas, é de ao menos 3,80 reais por dólar.
A apreciação de 2015 vitaminou as indústrias de alimentos, têxteis e confecção, couros e calçados, produtos de madeira, farmacêuticos e produtos químicos, mostra o acompanhamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. A entidade alertou em seu site, na sexta-feira 13: “Um grande erro será cometido se a política econômica, agora sob nova administração, promover a valorização do real”.
Em contraste com o avanço dos setores beneficiados pela desvalorização, a produção de bens de consumo duráveis continua prejudicada pela combinação de falta de confiança das famílias e contração do crédito. A queda de 27,3% no primeiro trimestre soma-se ao declínio de 27,9% nos três últimos meses do ano passado.
Na ponta do escoamento interno da produção de duráveis, o comércio varejista, as coisas também não vão bem e até pioraram. No acumulado de 12 meses encerrados em março, as vendas caíram 5,8% reais, calcula o IBGE, no maior retrocesso desde 2001.
Produção em queda e empresas em dificuldades significam diminuição da receita tributária, responsável por uma crise aguda nos governos e municípios. Em abril, a arrecadação federal caiu 5% em relação ao mesmo mês do ano passado. O resultado amplia a sequência de quedas de 6,9% em março, 11,5% em fevereiro e 6,7% em janeiro, em comparação aos mesmos meses do ano anterior. Entre 2014 e 2015, a arrecadação recuara 4,5%.
A redução acentuada das receitas da Cofins e do PIS, incidentes sobre o faturamento, retrata a intensidade da recessão nas empresas, provocada, em parte, pela retração dos investimentos e das compras e encomendas de estados e municípios ao setor privado. Governadores pediram na quarta-feira 18 uma carência de 12 meses para o pagamento do serviço da dívida dos estados diante do “colapso iminente”, de acordo com Raimundo Colombo, de Santa Catarina.
Os executivos das cerca de cem instituições financeiras participantes da elaboração do relatório de mercado Focus, compilado pelo Banco Central, não estão otimistas em relação ao PIB. Na avaliação realizada na sexta-feira 13, os analistas reviram para baixo a previsão de variação negativa do PIB neste ano, dos 3,86% de uma semana atrás para 3,88%. Um mês antes, estimava-se um decréscimo de 3,80%. Para 2017, os participantes da pesquisa mantiveram a projeção de um crescimento de irrisórios 0,50%.
*Reportagem publicada originalmente na edição 902 de CartaCapital, com o título "Em outro patamar"
01/06/2016
http://www.cartacapital.com.br/revista/902/em-outro-patamar
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