“Governo Dilma tem que dialogar com a sociedade”
11/11/2014
- Opinión
Diálogo. Foi a palavra usada pela presidenta Dilma Rousseff no discurso após a vitória sobre Aécio Neves no segundo turno das eleições. Para o cientista político e professor da Escola de Sociologia e Política Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), é exatamente isso o que vai ter que mudar no segundo governo.
“Hoje em dia, numa ordem democrática, o governo não consegue ter êxito se governar de forma burocrata e autocrática, que foi o estilo que ela empregou no primeiro mandato. Ele tem que dialogar com a sociedade e exercer uma governança democrática”, criticou.
O professor também reforça que o movimento que emerge nas ruas buscando o impeachment da presidenta e a intervenção militar tem que ser atacado por todos os partidos que defendem a democracia e que muito da ascensão conservadora do Congresso é responsabilidade da esquerda, que tem dificuldades para criar lideranças políticas.
Brasil de Fato – O que o governo Dilma terá que mudar politicamente nesse segundo mandato para te ruma relação melhor com o Congresso?
Aldo Fornazieri – Em primeiro lugar, ela terá que mudar enquanto a sua conduta pessoal. Ela terá que ser de fato uma pessoa do diálogo, como anunciou em seu discurso após a vitória e terá que conversar com vários setores políticos e sociais, desde os movimentos que vão pra rua reivindicar até os setores empresariais.
Hoje em dia, numa ordem democrática, o governo não consegue ter êxito se governar de forma burocrata e autocrática, que foi o estilo que ela empregou no primeiro mandato. Ele tem que dialogar com a sociedade e exercer uma governança democrática.
Na época do ex-presidente Lula, por exemplo, funcionava o chamado “conselhão”, que durante o governo dela praticamente deixou de funcionar. Ele era composto por vários setores da sociedade que se reuniam de vez em quando para apontar rumos e estratégias das políticas públicas. Ela teria que refundar isso.
Além disso, tem que escolher um ministério qualificado e ilibado, que não tenha qualquer suspeita sob os ministros. O tema da corrupção pesou muito nessa campanha e ela tem que dar uma resposta. Ao mesmo tempo, tem que dar mais autonomia a eles para desfazer esse viés burocrático, tecnocrático e autocrático.
A primeira derrota do segundo governo Dilma na Câmara pode-se dizer que já aconteceu com a reprovação do Plano Nacional de Participação Social. Como fortalecer a participação popular com esse Congresso?
É um sinal de que a presidenta deve dialogar mais com a base aliada, mas o que aconteceu no Plano Nacional de Participação Social foi um golpe político de baixo nível perpetrado pelo Henrique Eduardo Alves. Isso mostra que ele não ouviu as ruas nem deu atenção à derrota que ele sofreu em seu próprio estado, isso tem que ser repudiado porque foi uma atitude de vingança, não corresponde aos novos tempos políticos que a sociedade brasileira tem exigido. É um benefício para o Brasil que figuras como ele sejam varridas da política.
O PMDB já havia se indispondo com certa frequência com o governo Dilma em seu primeiro mandato. Tudo indica que nesse segundo governo vai ser ainda pior. O que isso pode significar?
O PMDB será o que o PMDB foi até agora: um partido que faz chantagem sobre o Poder Executivo para conseguir mais espaço no governo. Como nós estamos em um momento que antecede a escolha de ministros, evidentemente que ele vai jogar duríssimo. Isso é uma conduta condenável como também não condiz com aquilo que a sociedade espera dos políticos.
Por outro lado, a Dilma deveria ter critérios rígidos para compor o ministério que pese a proporção que cada partido tem no Congresso Nacional, para que esses conflitos ma base possam diminuir.
Hoje, essa proporção não é respeitada?
Não é. O PT tem um peso excessivo no governo, ele deve pagar um preço pelo exercício do poder, então, se o PMDB é o maior partido do Congresso, ele deve ter um peso correspondente ou em número de ministérios ou em ministérios importantes, tem que se encontrar essa fórmula. Por outro lado se, em vez de fazer chantagem, o PMDB começasse a discutir critérios para a composição dos ministérios, ele renderia muito mais, tanto para o governo quanto para o país.
Quais os fatores que devem ser atacados em uma reforma política?
Temos várias propostas sobre a mesa e não existe um consenso entre os partidos. Eu sou a favor do sistema eleitoral proporcional de lista fechada com financiamento público de campanha e doações de pessoas físicas estabelecendo um teto. Também acho que as coligações para cargos proporcionais, o suplente de senador e a reeleição alternada deveriam acabar; ou seja, uma pessoa que ocupa um cargo no Executivo poderia se reeleger ao mesmo cargo uma vez só, e depois desse mandato deveria ficar quatro anos sem concorrer.
Evidentemente que existem outros aspectos, mas para mim isso é o essencial para mudar a política brasileira e acho também que deve existir a cláusula de barreira para que um partido tenha uma representatividade na Câmara tendo um desempenho mínimo nacional mostrando a sua força e a sua legitimidade.
Qual você acha o principal problema de tantas legendas no Brasil hoje?
Atualmente, temos 22 partidos representados na Câmara e vamos passar a ter 28 na legislatura que vem. A cláusula de barreira talvez permitisse a redução desse número e partidos proporcionando uma fusão de vários deles. Qualquer grupo que atinja a regra para a constituição de partidos tem o direito de organizar-se. Então pra mim o problema não está no número de partidos, mas na não criação desses mecanismos de racionalização quanto aos critérios que esses partidos devem ter para que obtenham representação no Congresso.
A dificuldade, e que nessa legislatura está ainda mais aflorada, é que, como vários partidos pequenos têm representação e certa força, podem se articular para impedir a aprovação da cláusula de barreira, quanto maior a fragmentação, mais difícil de aprovar.
Um estudo do Dieese mostrou que esse é o Congresso mais conservador desde 1964. Quais motivos levaram a isso?
É difícil dizer se ele é ou não mais conservador, o que se pode dizer é que figuras conservadoras se elegeram com votações expressivas, e outras ligadas à temática dos direitos civis e humanos não se elegeram. Hoje não dá pra dizer se o Congresso eleito é mais ou menos conservador que essa legislatura.
Observou-se também uma queda no número de sindicalistas eleitos. Quais são as razões disso? O fato é que houve uma acomodação, os sindicatos estão paralisados no tempo e se você não tem atividade social você não projeta lideranças. Quem mais fez isso nos últimos tempos foi esse setor conservador, o Feliciano organizou toda uma agitação contrária a essa temática de direitos e foi votado pelos setores conservadores. Se os líderes sindicais ficam acomodados nos gabinetes, evidentemente eles não se elegem. O próprio Lula falou que o PT havia se transformado em um partido de gabinete, e ele tem razão. Essa acomodação faz com que se perca espaço político porque a legitimidade depende de atividade de fazer política pública e como essas lideranças se acomodaram achando que têm a vida ganha, perderam espaço.
Aqui em São Paulo, nas escolhas de Fernando Haddad e Alexandre Padilha, não houve prévias dentro do PT. Você acha que isso enfraquece o tipo da luta de base?
Foram processos diferentes. No caso da disputa pela prefeitura, havia vários pré-candidatos e todos eles fizeram discussões em praticamente todos os diretórios do partido. Na medida em que os debates foram sendo feitos, os outros pré-candidatos abriram mão da candidatura, sem que tenham sido forçados a isso e se constituiu a candidatura única.
No caso do Padilha não, aparentemente foi uma escolha unilateral do Lula e não teve nenhuma discussão em torno disso. Evidentemente que isso afeta a vida do partido. Sou a favor de que todos os candidatos do partido sejam escolhidos por prévias, tanto os majoritários quanto os proporcionais.
Em um Congresso hostil como esse, o papel de partidos de esquerda como o PSOL pode mudar em um segundo mandato de Dilma? Pode se aproximar mais do governo?
O PSOL é uma opção à esquerda, agora o fato é que eles têm poucos parlamentares e pouca capacidade de influência. Espera-se que o partido também exerça uma oposição crítica ao governo mais pelo viés de esquerda, representando os setores mais oprimidos da sociedade.
Os partidos de oposição, por outro lado, nem sempre têm divergências com o governo. Por exemplo, em um assunto com o viés econômico, o PSDB pode votar junto com o PT; num determinado tema político, como no Plano Nacional de Participação Social, o PSOL pode ter o mesmo interesse do governo, o jogo político comporta esse tipo de situação, então vai depender muitos das pautas que forem colocadas no Congresso. Independentemente disso, cada partido tem que ter consciência do seu lugar, tem que ter a responsabilidade de exercer a sua função cuja missão foi determinada pelas urnas, pelo espaço que ocupa no espectro político.
Após uma eleição muito apertada, os ânimos ficaram à flor da pele por todo o Brasil ao ponto de uma parcela da população estar pedindo o impeachment da presidenta. O que você acha dessa movimentação e como ela deve ser entendida pelos partidos?
A candidatura Aécio Neves deu abrigo a esses setores, mas o próprio PSDB já se manifestou, acertadamente, contra esses movimentos. Isso deve ser feito também por todos os outros partidos, pois se trata de uma agressão à democracia. A própria Marina Silva não se manifestou, e acho que ela errou ao ficar calada nesse momento, quando grupos vão às ruas propor intervenção militar e propondo o impeachment sem nenhuma razão. Esses movimentos devem ser combatidos, não dá pra achar que isso é brincadeira, mas se todos os setores democráticos os repudiarem eles tendem a cair em um isolamento.
11/11/2014
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