Para Leda Paulani

Mídia e mercado fazem “terrorismo econômico”

05/11/2014
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Eleita sobre o discurso das “ideias novas”, a presidenta Dilma Rousseff terá que contrariar fortes pressões para man­ter uma política econômica progressis­ta. É o que acredita a professora da Fa­culdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA – USP) Leda Paulani.
 
Ela, que assinou o manifesto dos eco­nomistas em apoio a reeleição da presi­denta no segundo turno das eleições, é otimista e não acredita que Dilma recuará da guinada progressista que aconteceu na política econômica durante o seu pri­meiro mandato e que a fez ser “odiada pelo mercado financeiro”.
 
“Ela começou com uma mudança no Banco Central, baixou os juros, enfren­tou corajosamente o lobby financeiro usando os bancos públicos para reduzir os spreads dos bancos privados, deu for­ça para o PAC e para o Minha Casa Mi­nha Vida, que é um grande pacote de in­vestimentos e tem um fator multiplica­dor muito alto na economia”, analisa.
 
Leda também conta um pouco sobre sua experiência como Secretaria de Pla­nejamento, Orçamento e Gestão da pre­feitura de São Paulo onde, entre outras coisas, ajudou na criação da Controla­doria Geral do Município, que ajudou a desmantelar a máfia do ISS na cidade. Nessa entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ela reforça que o foco do governo de Fernando Haddad é “devolver o pú­blico para o espaço público”.
 
Brasil de Fato – O que significou a vitória da Dilma nessas eleições?
 
Leda Paulani – Não sei se pode falar de um projeto novo, mas a presidenta re­presenta um conjunto de políticas públi­cas que buscaram reduzir as desigualda­des de renda tanto pessoal quanto regio­nal, ao passo que a outra candidatura ti­nha mais dificuldades em afirmar o com­promisso com esse tipo de política.
 
O momento econômico do Brasil é ruim?
 
Logicamente, existem algumas ques­tões que têm que ser resolvidas. A prin­cipal delas é a retomada do crescimento. Porém, nem de longe a economia pas­sa por uma situação tão ruim quanto a imprensa divulga e quer fazer crer. Eu escrevi um artigo durante a campanha chamado “terrorismo econômico” onde tento mostrar justamente isso. Muitos falaram que o país tinha perdido a credi­bilidade no mundo, só que isso não bate com o dado da entrada de capitais exter­nos na economia brasileira. São R$ 65 bilhões esse ano, a média no período Dil­ma é de R$ 64 bilhões. Então como as­sim? Sem credibilidade pra quem? On­de? Como?
 
Outro exagero é dizer que a inflação está fora do controle. Esse ano, na pior das hipóteses, ela vai fechar em 0,25% acima da meta. Se você pegar a média de inflação do período Dilma, ela é 6,2% considerando 6,75% para este ano, su­biu um pouco em comparação com o segundo mandato do Lula (5,2%), mas caiu se formos comparar com o pri­meiro governo Lula, e com os governos FHC. Então estão tentando criar um ambiente que é como se a economia es­tivesse à beira do precipício e que está muito longe de estar.
 
Falam do déficit público, porque o re­sultado primário vai ser inferior ao que se esperava etc. tudo bem, ele vai ser um pouquinho inferior , só que a ortodoxia e a mídia gostam de olhar só para o re­sultado primário, porque é o que impor­ta pra eles, é esse resultado primário que vai ser usado para pagar os recursos da dívida, fazem a política dos credores, não importa o crescimento, a continui­dade das políticas públicas, a redução da desigualdade, nada disso, importa a ga­rantia de que os credores serão remune­rados. Mas quando você faz a conta com o resultado nominal e não com o resul­tado primário, ou seja, incluindo o que o governo gasta também com pagamentos de juros, esse resultado é muito melhor do que os resultados nos quadriênios an­teriores, e é melhor por uma razão muito simples: a queda dos juros que aconte­ceu em alguns períodos e reduziu o ser­viço da dívida e a necessidade de emis­são de novos títulos.
 
Vamos falar então da proporção da dí­vida pública em relação ao PIB. A nossa deve estar em volta de uns 30% a 40%. No Japão é 213%, alguém fala alguma coisa? Se a gente for pegar o período de 2010 a 2013, o nosso déficit foi de 2,7% do PIB, exatamente no mesmo período o déficit nominal dos países da zona do Euro foi de 4%, dos Estados Unidos foi 9,2%, o do Reino Unido foi de 8%, do Japão foi 9,4% e ninguém fala nesses países como tendo descontrole dos gas­tos públicos.
 
Então se cria uma narrativa para os lei­gos e se monta uma imagem que nem de longe corresponde à realidade. Eu acho que o principal problema da economia hoje é que ela não cresce. Porque o ní­vel de emprego continua muito bom, o salário médio real continuou crescendo, o salário mínimo também cresceu, não há descontrole da inflação, não há per­da de credibilidade, não há descontrole dos gastos, não há nada disso. Isso tudo é uma orquestração mesmo para fazer ver que tem um problema, porque a po­lítica econômica que a presidenta seguiu é baseada em alguns princípios que não são aceitos pelo mercado, principalmen­te a questão da política monetária. Eles fazem esse terrorismo pra tentar forçar a mudança da política.
 
Desde o primeiro turno, o mercado se mostrou hostil à reeleição de Dilma Rousseff. Na primeira entrevista da presidenta ela disse que estava aberta à discussão com setores da sociedade, inclusive o mercado. Você teme que exista um retrocesso conservador pra acalmar os ânimos?
 
Espero que não corramos esse risco e tendo a achar que não. Até pelo seu es­tilo, a presidenta gosta de enfrentar as boas brigas. Se você pegar os 12 anos de PT no governo, você vai ver que os dois mandatos de Lula tiveram diferenças. O primeiro mandato foi bastante ortodo­xo, o que me fez fazer muitas críticas e até escrever um livro por conta da mi­nha decepção. No segundo mandato de­le, a coisa mudou um pouco. Não na po­lítica monetária onde as taxas de juros continuaram muito elevadas, o Henri­que Meirelles continuou no Banco Cen­tral e os colegiados do Copom eram ab­solutamente conservadores. O que se alterou – por conta do cenário de crise mundial – foi a presença mais forte do Estado na economia.
 
Agora, no mandato da Dilma, essa prioridade começou a mudar. Ela foi se aproximando mais de uma política he­terodoxa, por exemplo, começou com a mudança no Banco Central e baixou os juros, enfrentou corajosamente o lo­bby financeiro usando os bancos públi­cos para reduzir os spreads dos bancos privados, deu força para o PAC, para o Minha Casa Minha Vida, que é um gran­de pacote de investimentos que tem um fator multiplicador muito alto na econo­mia. Isso fez com que ela fosse odiada pelo mercado financeiro.
 
Concluindo, até agora pelo que ela mostrou, acho que ela será mais resis­tente e não cederá completamente aos reclamos do mercado, que vai continu­ar fazendo o que fez no primeiro man­dato. Existe um mecanismo de chanta­gem muito pesado com eles em parce­ria com a mídia que aumenta esse tipo de discussão espúria. Mas espero since­ramente que ela não ceda, por exemplo, pondo o presidente do Bradesco no Mi­nistério da Fazenda.
 
Sobre essas especulações em cima do nome do futuro ministro da Fazenda, já apareceram nomes do mercado como Luis Carlos Trabuco e o Henrique Meirelles e nomes da academia como o Nelson Barbosa. O que você acha que isso pode significar?
 
Seria uma decepção a nomeação de fi­guras como Trabuco ou Henrique Mei­relles. Agora você tem nomes bons, o próprio professor Nelson Barbosa, que é heterodoxo, conhece muito o governo fe­deral, foi secretário de política econômi­ca e é um nome respeitado inclusive pe­lo mercado.
 
Esse tipo de discussão é complicada porque quando você contesta a ques­tão da inflação, imediatamente te acu­sam de ser irresponsável. É uma distân­cia tão abissal, tão cavalar, entre você ter uma inflação de 20%, 30%, 40% ao mês e ter uma que não é 6% mas é 6,75% ao ano. A questão da inflação, obviamen­te, é fundamental, ninguém está dizendo que você pode descuidar desse controle. Essa respeitabilidade e esse compromis­so com a estabilidade monetária o pró­prio mercado enxerga no Nelson Barbo­sa, não precisa pegar e colocar o presi­dente do Bradesco.
 
A presidenta se reelegeu com um discurso de mudança e praticamente demitiu o ministro Guido Mantega durante a campanha. Quais os tipos de mudança que vai precisar ocorrer na economia a partir do ano que vem para que o país volte a crescer?
 
Precisamos retomar um patamar de investimento público, porque a variável mais importante da demanda agregada é o investimento, se ele não é robusto, toda a economia acaba também tendo um desempenho ruim. No Brasil, é his­tórico que se o investimento público não marchar à frente o investimento privado não vem atrás. Todos os momentos em que o Brasil cresceu muito por um gran­de período de tempo foi porque o inves­timento público foi muito forte. Ele ser­ve como uma locomotiva, você abre ca­minhos para o investimento privado chegar depois.
 
Agora, achar que você vai desonerar a folha e que isso vai reproduzir uma reto­mada do investimento privado é uma to­lice! O que acaba acontecendo é que isso vira margem e eles acabam embolsando essa desoneração e não retomam o in­vestimento para o país. Essa desonera­ção pode ter tido algum impacto positi­vo na manutenção do emprego, mas es­perar a retomada dos investimentos so­mente com esse tipo de política é uma bobagem, isso não acontece, a história mostra o contrário.
 
Temos uma série de setores que de­pendem do Estado para puxar o proces­so, áreas ligadas à infraestrutura e habi­tação são exemplos. Temos um déficit enorme de habitações no país e que se o Estado não entrar forte subsidiando, es­se problema durará para sempre. Fora que a construção civil é dos setores mais dinâmicos porque tem um efeito multi­plicador muito alto na economia.
 
A presidenta chegou a baixar a Selic durante vários meses consecutivos em seu primeiro governo, mas esse ciclo acabou se encerrando sem que resultados muito positivos tenham saído dele. Onde você acha que o governo errou?
 
Apesar de o governo ser, em princípio, de esquerda e com posições progressis­tas, existe uma guerra ideológica dentro dele e você acaba tendo espaço para po­sições mais conservadoras. Isso fez com que lá na decisão de se reduzir os juros, quase que como uma compensação se dissesse: “bem, nós vamos liberar mais a política monetária, mas vamos arrochar a política de gastos”. Com isso você teve uma desaceleração de programas como o PAC e o Minha Casa Minha Vida, so­mado à continuidade da crise no plano internacional, redução de preço de com­modities e redução do crescimento da China, acabou produzindo esse resulta­do ruim no plano do crescimento econô­mico. Junto com isso, tivemos a infelici­dade de ter alguns choques de oferta de alimentos, então você fica numa situação que a economia cresceu 7,5% em 2010 e menos de 2% em 2011. Esses elementos acabaram significando uma pressão pra um retorno de uma política mais arro­chada, e o governo acabou elevando no­vamente a taxa.
 
Outro fator é que a expectativa de in­flação do mercado é uma das variáveis que eles olham na hora de decidir se vai manter, reduzir ou subir a Selic. Então se ele quer que a taxa de juros suba, co­meça a dizer que a inflação está fora de controle e essa expectativa sobe e obriga o Banco Central aumentar a taxa de ju­ros. Trata-se de um processo de autorre­ferência e que dá ao mercado uma arma muito poderosa. Esse conjunto de fato­res foi o que acabou impendido que a po­lítica de redução de juros prevalecesse.
 
Falando um pouco sobre sua experiência na Secretaria de Planejamento da Prefeitura. Logo em seu primeiro ano, o governo Haddad sofreu com a falta de recursos que não vieram por conta do não reajuste no preço da tarifa de ônibus e no IPTU. Como vocês conseguiram compensar esse prejuízo?
 
O problema foi o seguinte: existe uma lei que foi aprovada no governo Kassab dizendo que a cada dois anos, a come­çar de 2013, a prefeitura tem que rever a Planta Genérica de Valores da cida­de. Essa planta é o valor que a prefei­tura atribui a cada imóvel pra efeito de cobrança de IPTU, revê-la é uma coisa custosa e demorada. Se você deixa mui­tos anos essa planta estacionada, sem atualizá-la, você vai perdendo imposto. Chegou 2013 e nós precisaríamos cum­prir a lei, então fizemos a atualização da planta, inclusive porque existe um processo forte de especulação imobi­liária na cidade que acabou refletindo esse aumento em geral dos preços dos imóveis. A Câmara aprovou a lei a du­ras penas, mas a Justiça barrou. Nun­ca antes na história desse país alguém tinha proibido o município de rever a planta genérica de valores. Esse proce­dimento de revisão sempre foi feito pe­las prefeituras só que no caso de São Paulo, por exemplo, não havia nenhu­ma lei. De quando em quando, a cada quatro, cinco anos, um prefeito entra­va, fazia a revisão, passava a lei na Câ­mara e cobrava o tributo em cima dos novos valores.
 
De fato a gente teve em 2013 uma combinação de fatores que tornaram o orçamento de 2014 muito apertado. O primeiro ponto foi esse R$ 1 bilhão que a Justiça nos impediu de receber por­que a lei que a Câmara já tinha aprovado não poderia ser aplicada. O segundo foi o aumento do subsídio que a gente teve que fazer para o ônibus. O custo do sis­tema cresce todo ano com o reajuste de salários para os motoristas, aumento no combustível entre outras coisas. A SP­Trans tem essa incumbência, de pagar o sistema, então ela recebe, você centrali­za todo o recurso, e paga as concessio­nárias. O que falta o governo munici­pal tem que cobrir e como não foi possí­vel aumentar a tarifa, essa parcela subiu muito. Isso nos levou mais R$ 800 mi­lhões. Além disso, teve um crescimento no pagamentos dos precatórios, e a dívi­da com a união que acabou não sendo re­negociada como a gente esperava, e que inclusive esperamos que antes de acabar esse mandato da presidenta ela consiga votar e aprovar essa renegociação.
 
O orçamento, então, foi muito aper­tado inclusive quando contraposto com o programa de metas do governo. Mes­mo assim a gente conseguiu fazer inves­timentos tomando uma série de medidas pra reduzir gastos com as secretarias. De qualquer forma, uma cidade como São Paulo precisa ter pelo menos R$ 6 bi­lhões de investimentos por ano. Hoje, a gente está conseguindo fazer R$ 4 bi­lhões. Se conseguirmos renegociar a dí­vida, essa situação vai melhorar. A gente paga mais de R$ 4 bilhões e vamos con­tinuar pagando, mas reduzindo o esto­que da dívida com a mudança do inde­xador, vamos poder tomar empréstimos pra fazer investimentos, coisa que hoje a gente não pode.
 
Por outro lado, muitos consideram o governo Haddad uma administração moderna e ousada. Quais são os principais trunfos dessa gestão?
 
Resumindo tudo em uma frase só: de­volver o público para o espaço público. Temos uma série de alternativas que se combinam e que vão mudando a cara da cidade: o Plano Diretor, a melhoria do transporte público por conta das faixas de ônibus, as ciclovias, as praias urba­nas, os parklets, e agora vamos fazer um projeto longo para mudar todas as lâm­padas da cidade. A questão da ilumina­ção tem um impacto brutal na questão da violência, então ao invés de você bo­tar mais rota na rua, você ilumina. É al­go mais civilizado.
 
Esse conjunto de coisas aponta para essa mesma direção: ao invés da cidade ser hostil, um lugar em que o cidadão põe o pé fora de casa e não reconhece aque­le espaço como dele, mas, sim, que ele fa­ça parte dela. Lógico que também temos que pensar isso junto com a redução da desigualdade na cidade, isso também faz parte desse mesmo processo. Hoje, no entanto, eu acho que já tem um conjunto de iniciativas que renderam frutos e que já produzem essa mudança.
 
Nesse governo, foi criada a Controladoria Geral do Município, cuja ação já conseguiu recuperar milhões da máfia do ISS. Qual seria a principal importância dela para a cidade?
 
A criação da Controladoria está liga­da diretamente a um apreço muito gran­de que o prefeito tem com a questão da transparência. Isso vem junto com um efetivo combate à corrupção, pois caso contrário, ficaria só no discurso, e com uma série de iniciativas no sentido de aumentar o controle social e a partici­pação popular. São três coisas andan­do juntas: a participação, a transparên­cia e o combate à corrupção. No âmbi­to da participação, há uma série de ini­ciativas: o Conselho de Planejamento e Orçamento Participativo, o programa de metas, o Plano Diretor e, agora, a no­va lei de uso e ocupação do solo. Ago­ra, participação sem transparência vira uma farsa, e transparência sem partici­pação não existe. A população tem que poder controlar o poder público. Essa democracia direta não é incompatível com a democracia representativa como muitos querem crer. A direita não gosta disso, o espaço da participação é ignora­do por eles. A prefeitura está apostando em outro caminho, e a controladoria en­tra no bojo dessa visão e desse conjunto de iniciativas.
 
Com relação aos recursos, são duas coisas diferentes: uma delas é a gente conseguir, pela via judicial, recuperar o que foi roubado, que é uma coisa difí­cil porque tem todo o processo, o jul­gamento das pessoas, de quem vai co­brar, enfim, uma série de coisas. Ou­tro ponto é que houve um crescimento substantivo da arrecadação do ISS pelo desmonte dessa quadrilha, ela não po­dendo mais atuar, deixou de possibili­tar que aqueles que têm que pagar não paguem ou paguem menos do que de­vem. Com isso, a arrecadação cresceu comprovadamente nesse setor que atu­ava mais fortemente.
 
05/11/2014
 
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