“Fora Meirelles”, bandeira imediata

29/03/2007
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A revista Carta Capital desta semana publicou explosiva reportagem que reforça a pressão daqueles que criticam a postura conservadora e ortodoxa do Banco Central e exigem a exoneração do seu presidente, Henrique Meirelles, ex-dirigente do Bankboston e ex-deputado do PSDB. Curiosamente, a mídia venal não deu manchetes para a grave denúncia e o governo Lula se mantém num silêncio cúmplice. O artigo, assinado por Márcia Pinheiro e Sérgio Lírio e intitulado “A República distante”, revela os detalhes dos encontros secretos entre os diretores do BC e importantes figuras do mercado financeiro. Ela confirma as acusações de que Henrique Meirelles é o homem dos poderosos banqueiros no interior do governo Lula.

“Não é preciso transparência”

“Quinta-feira 15 e sexta 16 de março. Dois diretores do Banco Central encontraram-se, sigilosamente, com executivos de instituições financeiras para discutir a economia. Foram três reuniões em São Paulo (escalonadas de duas em duas horas, a partir das 11 da manhã) e uma no Rio, nas sedes regionais do BC, prédios públicos. Estavam presentes 20 participantes, em cada encontro, aproximadamente, o que em um cálculo rápido daria 80 privilegiados, que foram se atualizar sobre as planilhas dos representantes do BC: o diretor de Política Econômica e Estudos Especiais, Mario Mesquita (ex-ABN Amro e ING), e o diretor de Política Monetária, Rodrigo Azevedo (ex-Credit Suisse First Boston e Garantia). O presidente do BC, Henrique Meirelles, compareceu somente ao evento no Rio de Janeiro, mas não faltou”, descreve o artigo.

Ainda de acordo com a bombástica reportagem, “oficialmente, as reuniões nem existem. Não constam da agenda do BC. Tampouco os resultados são revelados à imprensa. Trata-se de uma festa para poucos, em que as práticas de democratização da informação passam ao largo. Segundo o assessor de imprensa do BC, Jocimar Nastari, a não divulgação das agendas é um procedimento que visa coibir a especulação do mercado. Um comunicado prévio, argumenta, daria margem a ruídos nos negócios. ‘No caso, não é preciso transparência. Ela se dá por meio dos comunicados após a reunião do Copom, da ata do encontro e dos relatórios trimestrais de inflação. É o arcabouço legal do regime de metas de inflação’, afirma”.

“Vamos discutir os riscos”

Estes encontros sigilosos são corriqueiros, ocorrem trimestralmente. Em 2006, por exemplo, aconteceram em 20 de fevereiro, 8 de junho, 21 de agosto e 22 de novembro. “Como o mercado financeiro não é exatamente composto por ingênuos, fica a dúvida. Por que os saraus restritos a economistas e gestores de instituições financeiras? A alegação, ainda oficial, é que, das reuniões, saem dados concretos para que o BC redija o relatório trimestral de inflação. Mas e o setor produtivo? E os economistas das universidades? Ou seriam incapazes de prover o BC de análises consistentes?”, indaga a revista Carta Capital, que ainda poderia incluir entre os excluídos destes “conchavos” os trabalhadores e o próprio parlamento nacional.

Estas reuniões têm um peso determinante na definição dos rumos da economia. Na última, ficou explícito, como constataram os dois jornalistas, que o BC manterá o absurdo arrocho monetário. “Quem apostava em queda de meio ponto porcentual da taxa Selic na próxima reunião do Copom saiu convicto de que ela cairá não mais que 0,25 pontos”. Diante do questionamento de um dos economistas presentes no evento em São Paulo, o diretor do BC Mario Mesquita foi incisivo: “Vamos parar de falar de cenários róseos e vamos discutir os riscos” – o que derruba a retórica otimista do presidente Lula e do banqueiro Henrique Meirelles sobre a saúde da economia brasileira. Apesar do alarde sobre o Programa de Aceleração da Economia (PAC), o Banco Central não está disposto a mexer na política de juros nem na política cambial!

Silêncio da mídia venal

A corajosa reportagem da Carta Capital reforça os argumentos sobre a ditadura do capital financeiro, que mantém o governo Lula como dócil refém. Também serve para desnudar a postura da mídia hegemônica, que subservientemente defende os interesses dos banqueiros. A denúncia, que afeta a vida de milhões de brasileiros ao emperrar o crescimento da economia, não ganhou as manchetes dos jornais nem as criticas ácidas dos comentaristas da TV. Com exceção de Paulo Henrique Amorim e Luiz Nassif, nenhum outro articulista tratou o assunto com a devida importância. E, como explicou a repórter Márcia Pinheiro numa entrevista ao jornal eletrônico Conversa Afiada, ninguém pode alegar desconhecimento desta trama.

“Algum jornalista da área financeira sabe desse tipo de reunião e tem acesso às informações que vazam?”, indagou Paulo Henrique Amorim. “Todos têm essa informação, todos sabem que vai acontecer”, garantiu. O problema, segundo ela, “é que normalmente esse tipo de notícia é barrado na grande imprensa. Não interessa falar mal do Banco Central ou falar que ele não está sendo transparente nas suas práticas”. “Quer dizer que as atas do Copom são para os trouxas, porque os espertos estão sabendo tudo antes?”, fustigou. “Exatamente. É jogo de cartas combinadas”. Diante deste escândalo, Paulo Henrique enviou uma singela pergunta ao assessor de imprensa do BC, Jocimar Nastari: “Com a reportagem da Carta Capital, Henrique Meirelles, Mário Mesquita e Rodrigo Azevedo vão pedir demissão”. Até agora não obteve a resposta!

A ditadura do Banco Central

Se depender dos poderosos banqueiros, Henrique Meirelles e os outros oito diretores do BC não deixarão seus estratégicos cargos. Afinal, o Banco Central tem peso decisivo nos rumos do país. Legalmente, cabe a ele estabelecer as regras de operação do sistema financeiro, gerenciar as dívidas interna e externa, cuidar das reservas internacionais, fixar a taxa de juros, conduzir a política cambial, permitir remessa de recurso ao exterior e emitir dinheiro, entre outras funções. Na prática, esse conjunto de responsabilidades define a taxa de crescimento da economia, o nível de emprego, o montante do gasto público e o volume de crédito disponível ao setor produtivo real – como mostra um primoroso estudo do economista César Benjamin.

Foi exatamente por isso que a banca internacional fez questão de impor o nome de Henrique Meirelles já no primeiro mandato do presidente Lula. Como lembra o autor, sua nomeação foi “anunciada por Lula em Washington ainda em 2002, no fim de uma reunião com representantes do governo norte-americano. A decisão foi justificada pela necessidade de manter a credibilidade do Brasil junto ao sistema financeiro internacional. Meirelles, como se sabe, era presidente mundial do Banco de Boston (EUA) e, ao assumir o novo cargo em Brasília, continuou a receber US$ 750 mil anuais de seus empregados norte-americanos, que não por acaso mantêm em carteira o segundo maior estoque de títulos da dívida externa brasileira”.

Uma pressão justa e inadiável

Crítico virulento do governo Lula, o economista faz provocações incomodas. “Não há no mundo nenhum caso em que o presidente do Banco Central de um país é assalariado de um banco privado estrangeiro e leva adiante, sem grandes contestações, uma política que resulta na valorização dos ativos do banco que o remunera. Em países sérios, isso seria impensável. Derrubaria governos e levaria gente importante para a cadeia. No Brasil, em outras épocas, o PT pediria uma CPI. Mas, no governo, em busca de credibilidade, o PT preferiu aceitar reduzir o Brasil à condição de uma república de bananas”. Tirando os exageros, a atual denúncia da revista Carta Capital recoloca num novo patamar as estocadas de César Benjamin.

Na prática, o escândalo das reuniões secretas dos diretores do BC com os chefões do mercado financeiro dá um novo fôlego à reivindicação dos movimentos sociais pela exoneração de Henrique Meirelles e dos outros agentes dos banqueiros no interior deste órgão público e também à proposta de democratização do Comitê de Política Monetária (Copom). A cada frustrante decisão sobre as taxas de juros, a CUT insiste nestas exigências. A Corrente Sindical Classista (CSC) também aprovou recentemente a bandeira do “fora Meirelles”. E o próprio PT, na última reunião da sua direção nacional, fez duras críticas à condução “ortodoxa e conservadora” do Banco Central, que entrava o desenvolvimento da economia. A denúncia da Carta Capital, apesar do silêncio da mídia, talvez ajude a colocar essa justa pressão na ordem do dia.


- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
https://www.alainet.org/en/node/120260
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