O direito ao desenvolvimento

19/03/2007
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\"O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual todo ser humano e todos os povos estão facultados a participar no desenvolvimento econômico, social, cultural e político no qual possam realizar-se plenamente todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, contribuindo para esse desenvolvimento e desfrutando-o\" (artigo primeiro da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 4 de dezembro de 1986, com 146 votos a favor, um contra [EUA] e oito abstenções).

A mundialização que está se impondo na atualidade se caracteriza por uma visão marcadamente individualista e mercantil da realidade humana, sem preocupar-se pelas enormes desigualdades econômicas e sociais existentes, e o que é pior: agravando-as e aumentando-as ainda mais. As forças hegemônicas na economia, na política, no social e no cultural, e que controlam também os grandes meios de comunicação, conseguiram divulgar a utilização dos termos “globalização\" ou \"mundialização\" como paradigma da sociedade do futuro. No entanto, o modelo que estas forças estão impondo, na realidade, limita-se em grande parte a uma mundialização do mercado capitalista, junto com seus valores e interesses, em sua versão mais ultraliberal (\"neoliberalismo\" de mercado). Por este motivo, as críticas feitas a este modelo centralizam principalmente na marginalização humana, social e cultural, diante do predomínio econômico, financeiro e comercial.

Neste contexto, uma das principais causas do subdesenvolvimento reside em um intercâmbio comercial muito injusto e desequilibrado entre os países industrializados do centro e os países do terceiro mundo ou periferia. O fato de que não se conseguiu estabelecer uma nova ordem econômica internacional, tal e como reivindicavam os povos do terceiro mundo recém descolonizados nos anos sessenta e setenta do século passado, que viam e continuam vendo o atual sistema comercial como uma maneira de perpetuar sua situação de dependência, dominação e pobreza em relação às antigas potências coloniais, não significa que tal reivindicação não se justifique mais, pois os fatos provam o contrario.

Diante deste panorama, o direito ao desenvolvimento resulta ser um direito de difícil aceitação e elaboração se nos limitamos aos esquemas e conceitos tradicionais dos direitos, marcado por caráter individualista, patrimonialista e burguês. Outros direitos humanos, como é o caso de boa parte dos direitos econômicos, sociais e culturais, assim como alguns direitos civis e políticos, sofrem o mesmo tipo de dificuldades. Além disso, o direito ao desenvolvimento possui tanto uma dimensão individual como coletiva, colocando em dúvida a suposta incompatibilidade entre ambas as dimensões e, efetivamente, é um direito reivindicável por parte dos indivíduos e dos povos mais pobres e oprimidos frente aos mais ricos e industrializados. Suas múltiplas e diversas facetas foram desenvolvendo e perfilando através das sucessivas conferências mundiais organizadas pelas Nações Unidas em diferentes cidades e países do mundo (Conferência do Rio de Janeiro, de Viena, de Copenhague, do Cairo, de Pequim, de Istambul, de Monterrey, de Johannesburgo, etc.).

O desenvolvimento como direito humano

Atualmente, podemos defender a tese da vigência, ainda que limitada, e a plena legitimidade do direito ao desenvolvimento humano e sustentável sobre a base de textos jurídicos internacionais elaborados principalmente no âmbito das Nações Unidas, por um lado, e por outro, baseados na cultura e na filosofia dos direitos humanos e fundamentais, e nos valores universalista nos quais se inspiram. Também se deve levar em conta a satisfação das necessidades básicas e humanas, como a alimentação, a água potável, a moradia, a saúde ou a educação, embora o modo de satisfazê-las possa variar segundo o contexto histórico-cultural, no qual os diferentes grupos e indivíduos se desenvolvam. A satisfação destas necessidades é condição ineludível para que todo indivíduo possa estar em condições de exercer e usufruir de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

Deste modo, todo indivíduo deve estar em condições de poder desenvolver ao máximo suas capacidades e sentir-se livre e digno de si mesmo. Por esta razão, a meta final consiste em conseguir o máximo bem-estar humano e tornar realidade a dignidade para todos, sem discriminação, e não só para uns poucos privilegiados. Neste sentido, o desenvolvimento é um direito humano que engloba o conjunto dos direitos humanos e torna manifesto a universalidade, interdependência e indivisibilidade de tais direitos, tal como afirma a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, fruto da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada nessa cidade. Esta interpretação está em consonância com o disposto nos preâmbulos dos Pactos Internacionais dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e dos Direitos Civis e Políticos, adotado no âmbito das Nações Unidas em 1966, quando se afirma o seguinte:

\"Que, de acordo com a Declaração Universal de Direitos Humanos, não se pode realizar o ideal do ser humano livre, no desfrute das liberdades civis e políticas e liberado do temor e da miséria, a não ser que sejam criadas condições que permitam a cada pessoa gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais\".

Entre os objetivos de um direito ao desenvolvimento assim concebido figura melhorar o bem-estar, a dignidade e a qualidade de vida de todos os seres humanos, bem como conseguir uma maior igualdade econômica e social, atendendo especialmente às necessidades dos indivíduos e grupos mais vulneráveis além de respeitar a diversidade cultural. Para isso, como objetivo primordial deve-se erradicar a pobreza e todos os Estados devem ratificar tratados relativos aos direitos humanos sem reservas. Além disso, os poderes públicos e privados devem ser controlados e fiscalizados por meios democráticos e devem prestar contas de suas atividades de maneira transparente, de modo que possam ser fiscalizados s e foram ajustados ou não à lei, facilitando assim a luta contra a corrupção e a criminalidade. Também se pode considerar como objetivo do desenvolvimento a conquista de uma paz justa na qual se respeitem e protejam todos os direitos humanos para todos, pois caso contrário seria uma paz aparente que oculta uma situação de opressão e violência exercida pelos poderes dominantes. Esta é a melhor garantia da segurança para todos, à qual se deve unir um desarmamento progressivo que diminua a capacidade de ameaçar e destruir, e que libere recursos econômicos e humanos para atividades pacíficas. Além disso, o desenvolvimento deve ser sustentável, isto é, as gerações futuras deverão herdar e usufruir de nosso planeta nas mesmas condições que as gerações presentes e, se for possível, de melhor forma e de maneira mais eqüitativa.

Os obstáculos ao desenvolvimento

As forças e poderes hegemônicos apresentam a atual globalização como um fenômeno irresistível, irreversível e, o que é pior, sem alternativa possível, como se tratasse de uma verdade revelada e indiscutível. Por isso, pretendem justificar, em nome de tal globalização, políticas econômicas denominadas de \"austeridade\" ou de \"ajuste estrutural\" nos países do terceiro mundo, contribuindo assim para a perpetuação de um sistema de dominação econômica e política mediante um intercâmbio econômico e comercial enormemente desequilibrado, desigual e injusto. São os denominados \"programas de ajuste estrutural\" promovidos pelas instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), impulsionados pelos Estados dos países mais ricos e industrializados e as empresas multinacionais.

Esses programas de ajuste estrutural, rebatizados com o nome de \"estratégias de luta contra a pobreza\", confiam em que o mero crescimento econômico proverá por si só o desenvolvimento. Se esse crescimento econômico ocorrer como as instituições financeiras internacionais mencionadas propõem, beneficiará sobretudo as camadas mais privilegiadas da sociedade e aumentará ainda mais a dependência dos países do terceiro mundo, refletindo, por exemplo, no aumento contínuo da dívida externa destes países. Os interesses pelo pagamento desta dívida constituem a base do paradoxal fenômeno, consistente em que o fluxo de capitais é, hoje em dia, predominantemente do \"sul\" ou da \"periferia\", cada vez mais pobre e endividada, para o \"norte\" ou \"centro\", rico e industrializado, e não o contrário, como deveria acontecer, se quisermos inverter este processo de pauperização global que está degenerando a atual mundialização do mercado.

A isso se deve acrescentar que a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) dos Estados dos países mais ricos e industrializados aos países do terceiro mundo não só não aumenta, mas diminui. E, se nesta ajuda oficial nem tudo é \"trigo limpo\", as correntes de capital privado nem conseguiram suprir esta tendência decrescente não só quanto à quantidade, mas também quanto à \"qualidade\" da ajuda. O capital privado, por sua própria natureza, inclina-se mais pela mera rentabilidade econômica e obtenção de benefícios a curto prazo, assim como pela garantia de que estes benefícios possam ser repatriados pelas instituições financeiras e bancárias de onde procede esse capital privado, em vez de se reinvestir nos lugares onde se obtiveram tais benefícios, favorecendo assim seu desenvolvimento. Todos estes aspectos devem ser considerados como obstáculos à realização do direito ao desenvolvimento.

Tudo isto destaca que os direitos humanos e o desenvolvimento humano e sustentável devem ser realizados num mundo cada vez mais mercantilizado, isto é, onde o comércio ocupa um lugar primordial. Comércio e desenvolvimento são atividades que devem ser compatibilizadas, mas considerando que o comércio é um instrumento e o desenvolvimento e os direitos humanos o fim, e não o contrário. Diante da afirmação e imposição da Organização Mundial do Comércio, é o comércio que deve subordinar-se aos indivíduos e aos grupos humanos: os seres humanos e inclusive muitos recursos naturais não podem ser reduzidos a mera mercadoria vendável no mercado mediante um preço. Além disso, os benefícios da atividade comercial deveriam ser eqüitativamente repartidos entre todos os indivíduos e grupos humanos, atendendo especialmente as necessidades dos indivíduos e grupos mais vulneráveis. Definitivamente, a idéia que deve orientar este enfoque deve ser clara: depois da concepção de um direito ao desenvolvimento humano e sustentável como direito humano, figura a aspiração de que a liberdade e a dignidade devem estar ao alcance de todos os seres humanos e não só de uns poucos privilegiados. Além disso, deve ser realizável, isto é, condições devem ser criadas para que todos possam satisfazer suas necessidades legítimas e realizar seus projetos ou planos de vida legítimos também. Também devem ser consideradas não só as gerações presentes, mas também as gerações futuras.

- Nicolas Angulo Sánchez é Doutor em Direito e autor do livro O direito humano ao desenvolvimento frente à mundialização do mercado, Editorial Iepala, Madri 2005. (http://www.revistafuturos.info/resenas/resenas13/derecho_desarrollo.htm)

Trad. ao portugues: Revista “Mirada Global”.

https://www.alainet.org/en/node/120079
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