Mídia é condenada nas urnas: e agora?
02/11/2006
- Opinión
Na festa da vitória, na noite de domingo, uma faixa enorme, que tomou toda a pista da Avenida Paulista, chamou a atenção dos animados militantes que comemoravam a consagradora reeleição de Lula. “O povo venceu a mídia”. Ela expressou bem o sentimento de milhões de brasileiros diante da deprimente e abjeta cobertura da imprensa nesta batalha política. Alguns ativistas ainda aproveitaram para gritar “o povo não é bobo, fora Rede Globo”, relembrando o coro que ficou famoso durante a campanha das “diretas-já”. No palanque, um dos oradores aproveitou para desabafar: “Quero mandar um recado para revista Veja: vocês perderam as eleições”. Em pequenas rodinhas, outros cantarolavam: “Ou, ou, ou, a Veja se ferrou”.
De fato, entre outros derrotados no segundo turno, a mídia hegemônica foi uma das mais chamuscadas e ficou bastante desacreditada e desmoralizada. Com raras exceções, jornalões, revistas, rádios e emissoras de televisão tomaram partido na eleição. De maneira escandalosa, como a revista Veja e os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, ou de maneira mais ardilosa, como a TV Globo, o grosso dos veículos de comunicação ocupou seus espaços para linchar o governo Lula e para apresentar de forma positiva ou “neutra” o candidato da oposição neoliberal, Geraldo Alckmin. Na prática, portaram-se como partidos da direita, procurando “pautar a política” e interferir descaradamente no resultado da sucessão presidencial.
Um autêntico “golpe midiático”
O grau de manipulação foi tão brutal que o veterano Marcos Coimbra, dono do instituto de pesquisas Vox Populi, chegou a afirmar que a mídia forçou a realização do segundo turno. A maneira parcial como ela, em especial a TV Globo, divulgou as fotos do dinheiro apreendido na desastrosa tentativa de compra do dossiê da máfia das sanguessugas, foi decisivo para adiar a reeleição de Lula. “Os eleitores foram votar no dia 1º sob um bombardeio que nunca tínhamos visto nem mesmo em 1989... Em nossa experiência eleitoral, não tinha visto nada parecido em matéria de interferência”. Felizmente, a corajosa e irrefutável reportagem de Raimundo Pereira, na revista Carta Capital, serviu para desnudar toda a trama da mídia.
Esse verdadeiro “golpe midiático” foi o desfecho do grotesco processo de deturpação que começou bem antes, com a amplificação dos fatos negativos para satanizar o governo Lula. Segundo Venício de Lima, autor do indispensável livro “Mídia, crise política e poder no Brasil”, “antes mesmo da revelação pública das cenas de corrupção nos correios, em maio de 2005, o ‘enquadramento’ da cobertura que a mídia fez, tanto do governo Lula como do PT e de seus membros, expressava uma ‘presunção de culpa’ que, ao longo dos meses seguintes, foi se consolidando por meio de uma narrativa própria e pela omissão e/ou pela saliência de fatos importantes”. Foi uma montagem típica do clássico “escândalo político midiático”.
Tucanos enrustidos na imprensa
A criminosa manipulação foi comprovada pelas estatísticas do Observatório Brasileiro de Mídia, que fez um rigoroso monitoramento da cobertura nos principais órgãos de imprensa. Durante toda a campanha eleitoral, o presidente Lula teve quase o triplo de menções negativas do seu adversário. Isto sem falar nas manchetes e na edição de fotos e legendas, sempre desfavoráveis ao candidato da coligação “A força do povo”. O Observatório também acompanhou as análises dos mais famosos colunistas da mídia, revelando que eles nada têm de imparciais. Merval Pereira e Mirian Leitão, ambos da Globo, foram os recordistas em ataques ao presidente e isentaram quase totalmente o candidato da direita, tirando seu disfarce tucano.
Tamanha deturpação até gerou certo mal-estar nas redações de alguns destes veículos. Raimundo Pereira revela que só teve como desmascarar a farsa da mídia graças a ajuda de jornalistas indignados com o tipo de cobertura. Em várias redações, o clima nestes dias foi de perseguição, com a imposição de pautas e a proibição de qualquer análise isenta. Na revista Veja, batizada internamente de “fabrica das maldades”, o espaço para o jornalismo crítico e investigativo foi totalmente suprimido – uma autêntica ditadura. Já a poderosa TV Globo arquivou reportagens sobre o envolvimento de tucanos na máfia das sanguessugas e, através do déspota Ali Kamel, o Ratzinger da Globo, manipulou deliberadamente a cobertura na reta final.
Enfrentar a ditadura midiática
Mas, infelizmente, poucos jornalistas de prestígio se rebelaram contra este atentado à ética jornalística e à democracia. Preferiram o silêncio dos cúmplices, dando um péssimo exemplo às novas gerações. Entre as raras exceções, vale realçar a postura corajosa de Luis Nassif, que escreveu em seu blog o texto intitulado “Réquiem do jornalismo”, ou a justa indignação de Paulo Henrique Amorim, que publicou em seu site Conversa Afiada um artigo condenando “o golpe do Estado que levou a eleição para o segundo turno”. Na assimétrica guerra da informação, alguns sites e blogs na internet tiveram papel decisivo na luta contra-hegemônica e se projetaram como eficientes instrumentos alternativos de comunicação na atualidade.
Apesar de tudo, “o povo venceu a mídia”. Agora é retirar as conseqüências desta experiência traumática. Não dá para construir uma democracia sólida, com protagonismo popular, ou para avançar na superação da barbárie capitalista com a manutenção da ditadura midiática. Não dá mais para se iludir com o poder de sedução dos poderosos veículos de comunicação. Eles hoje fazem parte do poder dominante, tornaram-se o principal partido da elite burguesa, reproduzem a ideologia desta classe e impõem a sua hegemonia. A mídia brasileira hoje é controlada por nove famílias, é totalmente monopolizada e internacionalizada. Para avançar é preciso superar a ditadura midiática; é urgente democratizar os meios de comunicação.
“Males que vêem para o bem”
Mas, como diz o ditado, há males que vêem para o bem. A grotesca manipulação da mídia nestas eleições pode cumprir o papel positivo de abalar as ilusões. “Derrotar o Alckmin é bom, mas vencer toda a mídia é melhor ainda”, desabafou o presidente Lula em pleno vôo para o Nordeste ainda no primeiro turno. Já no trajeto para João Pessoa (PB), quase na madrugada, voltou a manifestar sua indignação. “Quero ver como os tais formadores de opinião da mídia vão explicar a rejeição aos seus ataques”. Já no comício de Feira de Santana (BA), afirmou “Eles podem ter estudado muito, mas não entende a alma do povo brasileiro”.
Há quem garanta que o presidente reeleito está decidido a tomar medidas para democratizar os meios de comunicação. Ele até já teria solicitado a sua assessoria estudos jurídicos sobre as formas para construir uma rede pública de comunicação. Nas primeiras entrevistas após a vitória, Lula reafirmou as críticas à manipulação da mídia feitas em vários comícios. Emblematicamente, não repetiu o gesto de privilegiar a TV Globo na primeira entrevista como presidente reeleito. Também se mostrou mais direto nas respostas, evidenciando certa reticência à bajulação inicial da mídia, que depois se transforma em linchamento.
Aumentar a pressão pela democratização
Mas não dá para ficar parado diante de um assunto tão sério. É conhecido o poder de pressão e de sedução da mídia hegemônica. Ela inclusive já pressentiu o risco e partiu para o contra-ataque. Tenta se passar por vítima de perseguição e retoma velhas bravatas sobre a “liberdade de imprensa”, que na verdade significa a “liberdade das empresas” monopolistas de manipularem a opinião pública. A mídia não aceita qualquer tipo de controle público – e não estatal; do Estado ela só quer os milionários anúncios publicitários e, no caso das rádios e televisões, a concessão das linhas de transmissão. Revelando todo seu autoritarismo, ela também não aceita qualquer medida que vise democratizar e multiplicar os meios de informação e cultura.
Os movimentos sociais e os setores democráticos da sociedade, incluindo os jornalistas que têm dignidade e prezam a ética jornalística, precisam rapidamente se posicionar sobre este assunto estratégico. É preciso aproveitar que o tema está em alta, no quente. Além de reforçar o diagnóstico sobre as manipulações, urge avançar na elaboração de propostas concretas para a democratização deste setor nevrálgico. Os vários fóruns e instâncias já existentes sobre o tema precisam ser ampliados, reforçados e dinamizados, evitando qualquer postura sectária de gueto. Amplitude e unidade serão decisivas nesta batalha de titãs.
A proposta da “rede pública de comunicação”, com estrutura correspondente ao alto grau de qualidade do setor e o controle democrático da sociedade, deve ser amplamente discutida. É o momento também para se exigir o incentivo às rádios e TVs comunitários e para se rediscutir o uso das verbas publicitárias do estado. Agora é a hora! Não dá para novamente ficar acuado diante da chantagem e da pressão da mídia hegemônica. “O povo venceu a mídia” nas urnas; agora é tirar as conseqüências.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
De fato, entre outros derrotados no segundo turno, a mídia hegemônica foi uma das mais chamuscadas e ficou bastante desacreditada e desmoralizada. Com raras exceções, jornalões, revistas, rádios e emissoras de televisão tomaram partido na eleição. De maneira escandalosa, como a revista Veja e os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, ou de maneira mais ardilosa, como a TV Globo, o grosso dos veículos de comunicação ocupou seus espaços para linchar o governo Lula e para apresentar de forma positiva ou “neutra” o candidato da oposição neoliberal, Geraldo Alckmin. Na prática, portaram-se como partidos da direita, procurando “pautar a política” e interferir descaradamente no resultado da sucessão presidencial.
Um autêntico “golpe midiático”
O grau de manipulação foi tão brutal que o veterano Marcos Coimbra, dono do instituto de pesquisas Vox Populi, chegou a afirmar que a mídia forçou a realização do segundo turno. A maneira parcial como ela, em especial a TV Globo, divulgou as fotos do dinheiro apreendido na desastrosa tentativa de compra do dossiê da máfia das sanguessugas, foi decisivo para adiar a reeleição de Lula. “Os eleitores foram votar no dia 1º sob um bombardeio que nunca tínhamos visto nem mesmo em 1989... Em nossa experiência eleitoral, não tinha visto nada parecido em matéria de interferência”. Felizmente, a corajosa e irrefutável reportagem de Raimundo Pereira, na revista Carta Capital, serviu para desnudar toda a trama da mídia.
Esse verdadeiro “golpe midiático” foi o desfecho do grotesco processo de deturpação que começou bem antes, com a amplificação dos fatos negativos para satanizar o governo Lula. Segundo Venício de Lima, autor do indispensável livro “Mídia, crise política e poder no Brasil”, “antes mesmo da revelação pública das cenas de corrupção nos correios, em maio de 2005, o ‘enquadramento’ da cobertura que a mídia fez, tanto do governo Lula como do PT e de seus membros, expressava uma ‘presunção de culpa’ que, ao longo dos meses seguintes, foi se consolidando por meio de uma narrativa própria e pela omissão e/ou pela saliência de fatos importantes”. Foi uma montagem típica do clássico “escândalo político midiático”.
Tucanos enrustidos na imprensa
A criminosa manipulação foi comprovada pelas estatísticas do Observatório Brasileiro de Mídia, que fez um rigoroso monitoramento da cobertura nos principais órgãos de imprensa. Durante toda a campanha eleitoral, o presidente Lula teve quase o triplo de menções negativas do seu adversário. Isto sem falar nas manchetes e na edição de fotos e legendas, sempre desfavoráveis ao candidato da coligação “A força do povo”. O Observatório também acompanhou as análises dos mais famosos colunistas da mídia, revelando que eles nada têm de imparciais. Merval Pereira e Mirian Leitão, ambos da Globo, foram os recordistas em ataques ao presidente e isentaram quase totalmente o candidato da direita, tirando seu disfarce tucano.
Tamanha deturpação até gerou certo mal-estar nas redações de alguns destes veículos. Raimundo Pereira revela que só teve como desmascarar a farsa da mídia graças a ajuda de jornalistas indignados com o tipo de cobertura. Em várias redações, o clima nestes dias foi de perseguição, com a imposição de pautas e a proibição de qualquer análise isenta. Na revista Veja, batizada internamente de “fabrica das maldades”, o espaço para o jornalismo crítico e investigativo foi totalmente suprimido – uma autêntica ditadura. Já a poderosa TV Globo arquivou reportagens sobre o envolvimento de tucanos na máfia das sanguessugas e, através do déspota Ali Kamel, o Ratzinger da Globo, manipulou deliberadamente a cobertura na reta final.
Enfrentar a ditadura midiática
Mas, infelizmente, poucos jornalistas de prestígio se rebelaram contra este atentado à ética jornalística e à democracia. Preferiram o silêncio dos cúmplices, dando um péssimo exemplo às novas gerações. Entre as raras exceções, vale realçar a postura corajosa de Luis Nassif, que escreveu em seu blog o texto intitulado “Réquiem do jornalismo”, ou a justa indignação de Paulo Henrique Amorim, que publicou em seu site Conversa Afiada um artigo condenando “o golpe do Estado que levou a eleição para o segundo turno”. Na assimétrica guerra da informação, alguns sites e blogs na internet tiveram papel decisivo na luta contra-hegemônica e se projetaram como eficientes instrumentos alternativos de comunicação na atualidade.
Apesar de tudo, “o povo venceu a mídia”. Agora é retirar as conseqüências desta experiência traumática. Não dá para construir uma democracia sólida, com protagonismo popular, ou para avançar na superação da barbárie capitalista com a manutenção da ditadura midiática. Não dá mais para se iludir com o poder de sedução dos poderosos veículos de comunicação. Eles hoje fazem parte do poder dominante, tornaram-se o principal partido da elite burguesa, reproduzem a ideologia desta classe e impõem a sua hegemonia. A mídia brasileira hoje é controlada por nove famílias, é totalmente monopolizada e internacionalizada. Para avançar é preciso superar a ditadura midiática; é urgente democratizar os meios de comunicação.
“Males que vêem para o bem”
Mas, como diz o ditado, há males que vêem para o bem. A grotesca manipulação da mídia nestas eleições pode cumprir o papel positivo de abalar as ilusões. “Derrotar o Alckmin é bom, mas vencer toda a mídia é melhor ainda”, desabafou o presidente Lula em pleno vôo para o Nordeste ainda no primeiro turno. Já no trajeto para João Pessoa (PB), quase na madrugada, voltou a manifestar sua indignação. “Quero ver como os tais formadores de opinião da mídia vão explicar a rejeição aos seus ataques”. Já no comício de Feira de Santana (BA), afirmou “Eles podem ter estudado muito, mas não entende a alma do povo brasileiro”.
Há quem garanta que o presidente reeleito está decidido a tomar medidas para democratizar os meios de comunicação. Ele até já teria solicitado a sua assessoria estudos jurídicos sobre as formas para construir uma rede pública de comunicação. Nas primeiras entrevistas após a vitória, Lula reafirmou as críticas à manipulação da mídia feitas em vários comícios. Emblematicamente, não repetiu o gesto de privilegiar a TV Globo na primeira entrevista como presidente reeleito. Também se mostrou mais direto nas respostas, evidenciando certa reticência à bajulação inicial da mídia, que depois se transforma em linchamento.
Aumentar a pressão pela democratização
Mas não dá para ficar parado diante de um assunto tão sério. É conhecido o poder de pressão e de sedução da mídia hegemônica. Ela inclusive já pressentiu o risco e partiu para o contra-ataque. Tenta se passar por vítima de perseguição e retoma velhas bravatas sobre a “liberdade de imprensa”, que na verdade significa a “liberdade das empresas” monopolistas de manipularem a opinião pública. A mídia não aceita qualquer tipo de controle público – e não estatal; do Estado ela só quer os milionários anúncios publicitários e, no caso das rádios e televisões, a concessão das linhas de transmissão. Revelando todo seu autoritarismo, ela também não aceita qualquer medida que vise democratizar e multiplicar os meios de informação e cultura.
Os movimentos sociais e os setores democráticos da sociedade, incluindo os jornalistas que têm dignidade e prezam a ética jornalística, precisam rapidamente se posicionar sobre este assunto estratégico. É preciso aproveitar que o tema está em alta, no quente. Além de reforçar o diagnóstico sobre as manipulações, urge avançar na elaboração de propostas concretas para a democratização deste setor nevrálgico. Os vários fóruns e instâncias já existentes sobre o tema precisam ser ampliados, reforçados e dinamizados, evitando qualquer postura sectária de gueto. Amplitude e unidade serão decisivas nesta batalha de titãs.
A proposta da “rede pública de comunicação”, com estrutura correspondente ao alto grau de qualidade do setor e o controle democrático da sociedade, deve ser amplamente discutida. É o momento também para se exigir o incentivo às rádios e TVs comunitários e para se rediscutir o uso das verbas publicitárias do estado. Agora é a hora! Não dá para novamente ficar acuado diante da chantagem e da pressão da mídia hegemônica. “O povo venceu a mídia” nas urnas; agora é tirar as conseqüências.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
https://www.alainet.org/en/node/117977?language=es
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