Israel no Tribunal Criminal Internacional: será que vai?

20/08/2014
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Eles tem usado esta ameaça para forçar Telaviv a alguma concessão substancial no eterno pleito pela independência da Palestina.
 
Embora nada tenham conseguido até agora, os palestinos hesitavam em tomar uma atitude, talvez por ainda sonharem em resolver sua pendência sem ter de bater de frente com seu poderoso rival.
 
Pois Israel já afirmou que consideraria um ato de guerra um apelo da Autoridade Palestina para o ICC processar os dirigentes civis e militares do país.
 
Mas o ataque a Gaza, com o exército de Israel matando cerca de 2.000 palestinos (85% civis) e bombardeando escolas, hospitais, mesquitas e abrigos de refugiados, criou um clima de indignação mundial que mexeu com a passividade dos líderes palestinos.
 
Eles parecem encorajados a reconhecer formalmente a jurisdição do ICC, ação necessária para poder promover o processamento dos líderes de Israel pelo tribunal.
 
Na semana passada, Saeeb Erekat, negociador chefe dos palestinos, informou ao The Telegraph que a Autoridade Palestina estava em vias de fazer isso. E que estavam sendo reunidas evidências em Gaza para fornecer a base para uma ação legal contra Israel.
 
Elas existem em grande número.
 
Dispõe o Estatuto de Roma, documento de fundação do ICC, que sua função é processar pessoas responsáveis por crimes de guerra, genocídios, crimes contra a humanidade e o crime de agressão a outro país.
 
A competência do ICC restringe-se a situações em que os Estados não tem força ou vontade de agirem contra os transgressores.
 
Em abril de 2014, 136 Estados haviam aderido ao Estatuto de Roma, sendo todos os da América Latina, a maioria dos da Europa e da Oceania e metade dos da África.
 
EUA, Israel, China e Rússia ficaram fora.
 
Investigando o ataque a Gaza, em fins de 2008-início de 2009, a Comissão Goldstone, da ONU, apontou crimes de guerra praticados pelo exército israelense.
 
Em janeiro de 2009, a Autoridade Palestina  solicitou ao procurador-chefe do ICC, Moreno Ocampo, que procedesse contra Israel.
 
Ocampo levou três anos para negar-se a atendê-los, em abril de 2012. Sua argumentação: somente Estados poderiam recorrer ao ICC. Não sendo a Palestina um Estado, não tinha legitimidade.
 
Para David Bosco, professor de política internacional na Universidade Americana, os EUA pressionaram fortemente o procurador para livrsar a barra de Israel.
 
Em seu livro,” Justiça Difícil: a Corte Criminal Internacional num Mundo de Poder Político” , afirma: “Moreno Ocampo não queria se envolver. Ele disse que os palestinos não queriam realmente lançar uma investigação, mas ficou claro que eles queriam, sim. Enviaram uma delegação com dois ministros e um grupo de advogados, em agosto de 2010, que permaneceram dois dias para discutir sua solicitação. Mas Ocampo estava consciente de que qualquer envolvimento poderia prejudicar seus esforços para se aproximar dos EUA.”
 
As objeções de Ocampo perderam sentido em novembro de 2012, quando a Assembléia Geral da ONU reconheceu a Palestina como um Estado observador não-membro.
 
Agora, com a Palestina atendendo aos requisitos de que carecia em 2009, a Procuradoria do ICC poderia ordenar uma inquirição preliminar, primeiro passo para colocar os líderes israelenses no banco dos réus do tribunal.
 
Isso não aconteceu.
 
Fatou Bensouda, a nova procuradora, insiste que a votação da Assembléia Geral da ONU não alterava a “invalidade legal” da solicitação de 2009.
 
A Autoridade Palestina precisaria apresentar uma nova solicitação.
 
Moreno Ocampo, agora ex-procurador do ICI, apressou-se em apoiar sua sucessora.
 
Já 20 conceituados advogados londrinos enviaram carta ao ICC, defendendo o imediato início do procedimento contra os chefões israelenses.
 
No mesmo sentido foi John Dugard, professor de leis internacionais na Universidade de Leyden, Holanda e também ex-procurador do ICC.
 
Para ele, também Bensouda estaria sofrendo pressões dos EUA e países europeus aliados para criar obstáculos à pretensão palestina de ver Israel processada.
 
Tal coisa seria desastrosa para o governo de Telaviv.
 
Dificilmente seus líderes militares e civis escapariam da condenação por crimes de guerra na invasão de Gaza.
 
Além disso, os assentamentos judaicos na Cisjordânia, já muitas vezes considerados ilegais na ONU e outros fóruns internacionais, acabariam se tornando  também objeto de investigação pelo ICC.
 
Provávreis condenações à prisão de Netanyahu, ministros e generais israelenses ameaçariam a sobrevivência do governo  de extrema-direita.
 
A Casa Branca ficaria diante de um terrível dilema: proteger seus “aliados especiais”, sujando sua imagem internacional de modo irreparável, ou deixá-los afundar, causando uma séria crise política interna, deflagrada pelos lobbies judaico-americanos e seus aliados no Congresso.
 
Conseguindo que ICC  exigisse uma nova solicitação palestina contra Israel, em vez de iniciar uma investigação já, Washington ganhou tempo.
 
Que foi perdido pelos palestinos, discutindo os prós e contras de fazer a parte que lhes cabe.
 
Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, sabe que, recorrendo ao ICC contra Israel, perderá a ajuda financeira americana à sua administração.
 
Por sua vez, os dirigentes do Hamas temiam que, num inquérito sobre a guerra de Gaza, eles acabassem  também  sendo indiciados, pelo lançamento de foguetes contra Israel.
 
Abbas parece ter ganho coragem. Possivelmente terá recebido garantias de que os países árabes lhe fornecerão recursos financeiros caso os EUA venham a se omitir.
 
Os líderes do Hamas demonstram terem perdido o medo de virarem réus.
 
Hanna Ashrawi, membro do comitê executivo da Autoridade Palestina, garante que não há perigo: “A lei internacional faz uma distinção entre auto-defesa e ocupação e agressão. Nós somos um povo sob ocupação e há uma diferença real entre um povo sob ocupação e um poder ocupante.”
 
Faz sentido. Ninguém culparia os “maquis” franceses se lançassem foguetes da França ocupada contra o território alemão.
 
Mas não é certo que os palestinos consigam por o ICC para funcionar.
 
Assegura Giles Devers, advogado e representante da Palestina junto ao ICC: “Há uma enorme pressão para que a investigação não se realize.”
 
O imenso poder dos EUA, mais as ameaças da França e do Reino Unido de cortarem suas contribuições ao ICC, podem pesar de forma decisiva.
 
Não será surpresa se a procuradora Bensouda ceder diante desta poderosa conjunção de forças.
 
No entanto, a inviabilização do processo contra líderes de Telaviv, ou até mesmo seu adiamento, teria um efeito devastador.
 
Já está pegando mal essa dificuldade em se processar dirigentes de Israel, que não existiu nos casos dos 36 cidadãos já indiciados pelo ICC (por sinal, todos eles africanos).
 
Irá para o ralo o ideal expresso no Estatuto de Roma: “Os crimes mais sérios que atingem a comunidade internacional como um todo não ficarão sem punição”.
 
Perdendo sua credibilidade, o ICC não terá mais futuro.
 
Lamentável.
 
É cada vez mais necessária uma justiça independente para processar e condenar os autores de crimes contra a humanidade.
 
- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.
 
21/08/14
 
https://www.alainet.org/en/node/102636?language=es
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