Obama vacila no escândalo das torturas

17/08/2014
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Depois de anos de trabalho, o Senado entregou a Obama um relatório sobre sua investigação dos métodos de interrogatório  da CIA.
 
Vazou que continha pesadas denúncias de torturas generalizadas praticadas pela agência nos tempos de Bush.
 
O Comitê do Senado encarregado da investigação, liderado pela senadora democrata Dianne Fenstein, apresentou também um resumo para divulgação ao público.
 
A Casa Branca ponderou que precisava rever o material para proteger fontes e manter secretas informações que poderiam prejudicar a segurança nacional.
 
E, aí, surpresa!
 
Entregou esse trabalho de censura a quem menos estaria adequado: a própria CIA.
 
A agência teria todo o interesse em aguar o relatório, torná-lo inócuo.
 
Aliás, ela já tinha feito o possível e o impossível para melar a própria investigação.
 
Acusara os investigadores de ação ilegal por terem acessado um relatório interno mantido em segredo pela agência- o Internal Panetta Review..
 
Não pegou, pois uma das funções do  Senado é justamente supervisionar a CIA.
 
Além disso, conforme a senadora Dianne Feinstein, a CIA promoveu também uma campanha de intimidações e obstruções.
 
Centenas de vídeos e documentos incriminadores de interrogatórios, digamos, um tanto brutais, foram destruídos pelo ex-agente sênior José Rodrigues.
 
E, para completar, descobriu-se que os hackers da CIA penetraram nos computadores do Senado para espionar os trabalhos  da investigação.
 
Chamado às falas pelo Comitê de Investigação do Senado, o diretor da CIA, John Brennan, jurou que nada disso era verdade.
 
Às vezes a mentira tem pernas surpreendentemente curtas.
 
Poucos meses passados, o inspetor geral da CIA, David B.Buckley, confirmou que o pessoal da agência realmente tinha acessado ilegalmente bancos de dados privativos do Senado.
 
Ficou muito chato para Brennan.
 
Não era a primeira vez em que ele fez afirmações mentirosas.
 
No verão de 2013, o diretor da CIA garantiu que, no ano anterior, os drones não tinham matado sequer um único civil.
 
Foi dose até para os mais ardentes fãs dos aviões sem piloto…
 
Desmentido pelo inspetor geral, Brennan veio com as desculpas de estilo: fora mal informado, “aloprados” da CIA agiram por conta própria, não sabia, etc
 
Nada muito convincente.
 
O lógico seria Obama tomar uma atitude diante desse escândalo de um membro do governo mentindo em público.
 
E ele tomou: declarou confiança total em Brennan.
 
Na mesma ocasião, não deixou dúvidas de que, de fato, as torturas aconteceram mesmo: “Nós fizemos uma porção de coisas que não eram certas; nós torturamos uns caras.”
 
Esta foi a mais taxativa admissão de torturas já feita por um presidente americano.
 
Só faltava agora dar conhecimento à opinião pública dos detalhes das violências e das responsabilidades da CIA.
 
Ou seja, liberar o resumo do relatório da Comissão de Investigação do Senado.
 
Apesar de previamente censurado pela CIA, o texto final teria de ser corrigido pela  Casa Branca.
 
Que certamente preservaria o essencial.
 
É o que se esperava do presidente de um país democrático, que prometeu fazer o governo mais transparente da história dos EUA.
 
Bem, não foi exatamente o que aconteceu.
 
A censura oficial pegou fundo.
 
Os senadores do Comitê de Investigação se sentiram logrados.
 
15% do texto original do resumo foram cortados.
 
A senadora Dianne Feinstein protestou: “Minha conclusão é que as alterações eliminaram ou obscureceram fatos-chave que apóiam as conclusões”.
 
Por sua vez, o senador Carl Levin qualificou o texto censurado como “totalmente inaceitável.” E disse: “Correções devem ser usadas para proteger fontes e métodos ou a revelação de informações que poderiam comprometer a segurança nacional, não para evitar a revelação de atos impróprios ou informações embaraçosas.”
 
E o senador Martin Heinrich foi sarcástico: “Tente ler um romance com 15% do texto censurado; não dá certo.”
 
Como presidente do comitê, a senadora Feinstein devolveu o resumo censurado a Barack Obama, apontando os trechos que não poderiam ser cortados.
 
E declarou à imprensa que enquanto o resumo final não satisfizer aos senadores, ele não será publicado.
 
O que seria uma pena.
 
Os EUA teriam uma rara oportunidade para mostrar ao mundo  coragem ao admitir pecados passados e disposição de não mais cometê-los.
 
O povo americano precisa ficar sabendo como o governo Bush e a CIA vinham violando os direitos humanos.
 
Há quem acuse Obama de cumplicidade com a CIA, ao mutilar o texto, aprovando uma versão edulcorada, que protege a agência.
 
Acredito que Obama teme que a crua revelação das sujeiras da CIA possa antagonizá-lo com a comunidade de inteligência e estimular revoltas anti-americanas no Oriente.
 
Nostradamus à parte, ele também ganharia muitos pontos junto aos progressistas e liberais dos EUA e da Europa, talvez conseguiria recuperar parte da boa imagem que já teve no Oriente Médio.
 
O senador Mark Uddal disse: “Obama deveria assumir a revisão ele próprio.”
 
Muita coisa está em jogo.
 
- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.
 
16 / 08 / 14
 
https://www.alainet.org/en/node/102528?language=es
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