Colômbia, marcha à ré pintando
28/05/2014
- Opinión
Depois de 50 anos, o fim da guerra civil na Colômbia parecia estar perto.
220 mil mortos- dos quais 177 mil civis – e entre 3 a 5 milhões de desalojados eram terríveis cifras que certamente cresceriam caso a luta continuasse.
Felizmente, o acordo de paz com as guerrilhas da FARC avançava.
Não se pode negar os méritos do presidente colombiano, Juan Manuel Santos.
Conservador, porém pragmático, ele entendeu que valia à pena repetir o “paix de braves”, com que o General de Gaulle e os rebeldes firmaram a independência da Argélia, esquecendo o passado de sangrentas lutas.
Além de ter sido o mentor das negociações de paz com as FARCs, Santos ainda contava com alguns outros pontos a seu favor.
No seu governo, a Colômbia tornara-se um dos três países de maior crescimento da América Latina, com 4,3% previstos para 2014 (o Brasil não chegará nem a 2%). O PIB per capita foi de 5.209 dólares, em 2009, para 8.017, em 2013.
As contas públicas encontram-se perfeitamente equacionadas. A inflação é baixa, apenas 3,2%.
É verdade que esses bons resultados na economia pouco reflexo tiveram na população pobre já que a Colômbia continua em penúltimo lugar em desigualdade social na América Latina. 1% ganha 20% dos recursos totais do país. 49% da população, não mais do que um salário-mínimo (DIAN, Direção Nacional de Impostos).
O desemprego chega a quase 10%. A pobreza é de 40% e a extrema pobreza alcança mais de 9%.
Apesar destes maus índices sociais, Santos tem feito o possível para melhorar a situação das classes pobres. Desde o início do seu governo em maio de 2010, ele já retirou da extrema pobreza 700 mil pessoas e da pobreza, 1 milhão e 700 mil pessoas.
Não ficou nisso.
Criou uma entidade para fazer justiça a vítimas da guerra civil. Seu objetivo é restituir terras aos camponeses que as perderam por violências ou outros meios ilegais, pagando, quando for o caso, indenizações.
360 mil pessoas já foram beneficiadas, pouco diante dos milhões de desalojados, mas, de qualquer forma, um bom começo.
Nas conversações com as FARCs, em Havana, Santos comprometeu-se a intensificar o processo de recuperação das terras. E ainda comprometeu-se com um plano de reforma agrária, com distribuição de terras e apoio técnico e financeiro aos agricultdores.
Na campanha presidencial, Santos enfrentou Zuluaga, ex-ministro da Fazenda e protegé de Álvaro Uribe, o anterior presidente.
A plataforma política do opositor dava destaque a críticas ao processo de paz com as FARCs, especialmente o perdão aos chefes da guerrilha, acusando ainda Santos de pretender tornar a Colômbia fantoche de Cuba e do chavismo.
E prometia suspender as negociações com as FARCs.
Era uma escolha entre a paz e a guerra.
Pela lógica, só podia dar Santos.
Nos primeiros meses, parecia que ia ser assim: Santos vencia por muitos corpos.
Mas, na reta final, Zuluaga acabou à frente.
A imprensa colombiana tem muitas explicações.
O fator Uribe parece ser o principal.
Ele era aliado de Santos, que foi seu ministro da Defesa.
Romperam quando o atual presidente, logo após sua posse, em 2010, apressou-se em restabelecer boas relações com a Venezuela, de Chaves, com quem Uribe tinha brigado de morte.
Casus belli foi também a decisão de Santos de negociar a paz com as FARCs, que seu antecessor quer destruída.
É inegável que Uribe tem um imenso carisma, todos consideram que se trata do político com maior apoio popular na Colômbia.
Acredita-se que, principalmente por ter imposto muitas derrotas às FARCs, a qual a maioria dos colombianos vê como causa das grandes perdas humanas e das devastações trazidas pela guerra civil.
De outro lado, há acusações graves sobre o comportamento do governo Uribe no conflito: sua posição diante dos paramilitares, o caso dos falsos positivos e os assassinatos impunes de ativistas esquerdistas e sindicais.
Os paramilitares eram grupos armados de irregulares criados pelo exército colombiano, por conselho de assessores americanos, para combater guerrilheiros e militantes de esquerda, com mais flexibilidade.
Por serem uma força irregular, não estavam sujeitos a regulamentos, nem ao controle das autoridades, podendo matar sem restrições.
Formavam verdadeiros esquadrões da morte, que logo ampliaram seus objetivos, associados e protegidos por elementos do exército e da política.
Diz o padre Javier Giraldo em “A Democracia Genocida”, que pelo menos 40% do legislativo colombiano, chegou a ter laços com eles.
Algum tempo depois de sua fundação, os paramilitares passaram também a atacar camponeses, para lhes tomar suas terras, em benefício próprio e também de latifundiários, que os haviam contratado para isso.
Nos conflitos pela terra, de 70% a 80% das vítimas foram mortas por esses grupos.
Seguiram também o exemplo dos guerrilheiros, explorando o tráfico de tóxicos. Com bastante sucesso, já que, a certas alturas, detinham 40% dos negócios de exportação de cocaína e outras drogas similares.
À reação combinada da opinião pública, da Justiça e dos parlamentares de esquerda e centro, somou-se a dos EUA, em sua cruzada internacional contra as drogas.
Os 3 poderes tiveram de agir.
Criou-se uma lei especial para lidar com o problema, em 2002.
Nos anos seguintes, a principal organização paramilitar, a AUC, foi obrigada a fechar suas portas. Os milicianos paramilitares, envolvidos em piores crimes foram presos. Aos demais, ofereceu-se a reintegração na sociedade e o perdão desde que entregasse suas armas e confessassem suas ações.
Dos cerca de 31 mil paramilitares, 20 mil aceitaram a desmobilização, enquanto mil foram condenados à prisão, extraditados para os EUA ou simplesmente sumiram.
Os 10 mil restantes formaram novas gangs ou se associaram às existentes. E continuaram agindo.
Segundo Luiz Gallon, presidente da OAB local, em depoimento ao embaixador americano, John Creamer, existiriam ainda muitos desses grupos em ação, depois da desmobilização.
Na cidade de Buenaventura, por exemplo, a Human Rights Watch descobriu que: “Vizinhanças inteiras foram dominadas por poderosos grupos sucessores dos paramilitares, que restringiram os movimentos dos moradores, recrutam seus meninos, estorquem negociantes e rotineiramente se engajam em horríveis atos de violência contra quem se opõe à sua vontade.”
A Human Rights Watch denuncia que a polícia nada faz para combater esses criminosos.
Uribe é acusado de ser excessivamente leniente com os paramilitares na elaboração e aplicação da lei que tratava da situação deles.
Em 2010, um relatório da ONU diz que, nesse processo liderado pelo governo, a vasta maioria dos paramilitares responsáveis por violações dos direitos humanos foram desmobilizados sem investigação.
Foi também a ONU que, através de Navi Pilay, sua Alta-Comissária para Direitos Humanos, revelou uma prática criminosa tão “sistemática e ampla” no exército que configura “um crime contra a humanidade”.
Soube-se que, militares matavam camponeses e apresentavam seus corpos vestidos com uniformes de guerrilheiros para conseguir promoções e outros benefícios.
No início, Uribe negou o fato.
Mas a descoberta de um cemitério clandestino, junto à base militar de La Macarena, com 2.000 corpos de civis ali enterrados, provou ser verdadeiro.
A International Federation for Human Rights contabiliza em 3.000 o número total de vítimas.
Foi o chamado escândalo dos “falsos positivos”, que deixou mal a imagem do governo Uribe.
Esta imagem também foi prejudicada pelos assassinatos impunes de líderes sindicais, esquerdistas e ativistas de direitos humanos.
Só os sindicalistas mortos foram cerca de 200. O que indignou os sindicalistas americanos. Durante vários anos eles pressionaram o Congresso a rejeitar o Acordo de Livre Comércio (ALCA) EUA-Colombia.
E tiveram sucesso: somente há pouco os EUA aceitaram a Colômbia na ALCA.
Encerrado o governo Uribe, seu assessor mais próximo, seu secretário pessoal, dois ministros e outros aliados estavam na prisão ou perseguidos pela justiça em conseqüência de suas atividades ilegais.
Em 2014 deste ano, o procurador-geral da república ordenou investigações contra Uribe por ligações estreitas com os paramilitares, além de outras questões.
Mesmo assim, ele foi decisivo no primeiro turno, na vitória do seu pupilo, o obscuro Zuluaga.
Teria o eleitorado colombiano preferido a guerra, em vez da paz?
Acredito que não.
Uma abstenção recorde de 60% mostra uma falta de credibilidade dos candidatos.
Acho que a maioria do povo não acredita, nem que Santos consiga uma verdadeira paz, nem que a solução violenta de Zuluaga acabe com a guerra.
É difícil dizer se os ausentes manterão sua postura no segundo turno ou, se resolverem votar, quem será o preferido.
É preciso levar em conta também os eleitores dos candidatos derrotados da esquerda, dos ambientalistas e dos conservadores tradicionais.
Pela lógica, os dois primeiros partidos ficariam com Santos.
Embora conservador, o presidente atual tem demonstrado sensibilidade social e uma postura progressista.
Lembro sua ação para devolver as terras aos camponeses desalojados e o acordo com as FARCs para se efetivar uma reforma agrária no país. Em diversas ocasiões, ainda, ele fez elogios ao “Fome Zero”, considerando-o “uma inspiração.”
Santos formou com as demais nações latino – americanas na defesa do governo Maduro , rejeitando a proposta do Panamá, patrocinada pelos EUA, de investigação da crise venezuelana, criticando as possíveis sanções do governo de Washington à Venezuela e declarando-se favorável ao UNASUL, além de ter reatado as relações com o governo de Chavez no início do seu mandato.
Já Zuluaga, fiel seguidor de Uribe, chama a UNASUL de organização cubano-chavista, aceita negociar com as FARCs desde que seus dirigentes aceitem a cadeia…
Mas ser ilógico não é raridade no gênero humano.
Diversos líderes da corrente esquerdista já defenderam o voto nulo, ”por serem os dois de direita”; Peñaloza, o candidato ambientalista derrotado, já foi apoiado por Uribe e tem boas relações com ele, e os conservadores tradicionais, que ficaram em 3º, embora a favor da paz, desconfiam das aberturas de Santos, favorável ao casamento gay e à discussão da descriminilização da maconha.
Não será surpresa se Zuluaga e Uribe vencerem.
E com eles, vencerão a guerra, o desrespeito aos direitos humanos, uma brecha na unidade sul-americana, muitos passos atrás no processo político colombiano.
- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.
29 / 05 / 14
https://www.alainet.org/de/node/85959
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