Quem manda no Chile?
15/08/2013
- Opinión
O modelo econômico e seu complemento político (a Constituição de 1980) foram a sustentação institucional do enriquecimento do 1% da população e, ao mesmo tempo, dos baixos salários e vulnerabilidade da maioria.
Não é um exagero afirmar que o Estado foi capturado por uma minoria que o utiliza sistematicamente a seu favor. Graças às privatizações das empresas públicas, que o governo civil-militar dos anos oitenta impulsionou, um grupo de empresários se apossou, a baixo custo, do aparato produtivo e do sistema financeiro. Paralelamente, as políticas públicas neoliberais permitiram controlar a propriedade da mineração do cobre, os serviços públicos, AFP, ISAPRES, clínicas de saúde, colégios, universidades, meios de comunicação e, inclusive, equipes de futebol. As Forças Armadas e os Carabineros foram utilizados para reprimir a sindicalização e o protesto cidadão, favorecendo assim o lucro fácil.
Paradoxalmente, com o final da ditadura, os interesses dos Grupos Econômicos se fortaleceram. O retorno dos civis ao governo não questionou o modelo econômico nem o regime político que o sustentava. Adicionalmente, o empresariado encurralou os políticos de “centro-esquerda”, mediante o financiamento das campanhas eleitorais e com o recrutamento de ex-ministros para os diretórios de suas empresas. Também se serviu do lobismo, impulsado por ex-autoridades da Concertação, para desenvolver negócios mediante leis e decretos favoráveis a seus interesses. Assim vão as coisas e o grande empresariado não apenas acumulou lucros extraordinários derivados da obtenção de rendas monopólicas, mas também graças a sua influência determinante no poder político. O declive da ética pública em nosso país tem muito a ver com a generalização dos vasos comunicantes entre a política e os negócios.
Os mais beneficiados com o modelo econômico que a ditadura instalou e que garantiu a Concertação são sete Grupos Econômicos: Luksic, Matte, Paulmann, Angelini, Piñera, Solari e Saieh. São os donos do Chile. Formam parte do 1% que possui o que 99% da população chilena necessita. São os ricos e famosos; os que aparecem todos os anos na revista norte-americana Forbes. Os que agora investem no exterior porque o mercado chileno ficou pequeno para eles.
Assim vão as coisas, a política e o Estado, em vez de servir para compensar as desigualdades próprias da economia de mercado, se converteram em instrumentos de ampliação do poder econômico desses Grupos Econômicos. Sob tais condições, o sentido comunitário de nação se encontra debilitado com a presença de um Estado frágil, a serviço de uma minoria.
A concentração da propriedade e do ingresso nessa minoria recebeu um primeiro impulso com as privatizações do governo de Pinochet; mas, posteriormente, graças aos governos da Concertação, a acumulação de capitais dos Grupos Econômicos adquiriu proporções extraordinárias. Em democracia se legitimaram as privatizações pouco claras da Ditadura; mas, também, se impulsaram algumas outras, como as sanitárias, estradas, caminhos, hospitais e prisões. Sobre essa base material, junto a políticas impositivas generosas, o poder dos Grupos Econômicos se acrescentou ainda mais. O modelo econômico e seu complemento político (a Constituição de 1980) foram o sustentáculo institucional do enriquecimento do 1% da população e, ao mesmo tempo, dos baixos salários e vulnerabilidade da maioria. A isso se acrescentou políticas públicas muito favoráveis aos Grupos Econômicos, especialmente nos âmbitos impositivo e trabalhista, de parte da classe política.
Recém em 2011, graças às mobilizações estudantis, o modelo econômico e o regime político foram questionados. O protesto cidadão, soterrado por longos anos, se incorporou vigorosamente. As reivindicações do movimento estudantil e de outras organizações sociais, muitas delas regionais, desafiam os que mandam. O questionamento à ordem estabelecida não é tarefa fácil. Seus defensores têm força material e comunicacional; os que o desafiam apenas contam com vontade transformadora e desejos de rejuvenescer o país. Essa vontade e desejos apontam à instalação de um novo modelo econômico para servir às maiorias e um regime político de representação de toda a cidadania. Se isso for conseguido, será possível que os 99% da população recuperem o poder que lhes foi usurpado pelo 1%.
A campanha presidencial é propícia para um reencontro com a cidadania. Dificilmente ajuda esse propósito a equipe de economistas recrutada pela candidata Bachelet. Direta ou indiretamente, se encontram ligados aos Grupos Econômicos. Não é surpreendente, então, que De Gregorio recuse a gratuidade em educação; que Guillermo Larraín considere elevado um salário mínimo de 250 mil pesos; e que Engel proponha como solução às baixas pensões aumentar a idade de aposentadoria. Similares dúvidas merece a independência de René Cortazar e Alberto Arenas para fazer políticas públicas, levando em conta seus estreitos vínculos de trabalho com o Grupo Luksic. Nenhuma mudança substantiva será possível com esses economistas. Eles não têm sintonia com a cidadania. Estão comprometidos com o 1% que se apossou do país. 13 de agosto de 2013
- Roberto Pizarro é Economista da Universidade do Chile, com estudos de pós-graduação na Universidade de Sussex (Reino Unido). Foi decano da Faculdade de Economia da Universidade do Chile, ministro do Planejamento e reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão. Integra o Grupo Nova Economia.
Não é um exagero afirmar que o Estado foi capturado por uma minoria que o utiliza sistematicamente a seu favor. Graças às privatizações das empresas públicas, que o governo civil-militar dos anos oitenta impulsionou, um grupo de empresários se apossou, a baixo custo, do aparato produtivo e do sistema financeiro. Paralelamente, as políticas públicas neoliberais permitiram controlar a propriedade da mineração do cobre, os serviços públicos, AFP, ISAPRES, clínicas de saúde, colégios, universidades, meios de comunicação e, inclusive, equipes de futebol. As Forças Armadas e os Carabineros foram utilizados para reprimir a sindicalização e o protesto cidadão, favorecendo assim o lucro fácil.
Paradoxalmente, com o final da ditadura, os interesses dos Grupos Econômicos se fortaleceram. O retorno dos civis ao governo não questionou o modelo econômico nem o regime político que o sustentava. Adicionalmente, o empresariado encurralou os políticos de “centro-esquerda”, mediante o financiamento das campanhas eleitorais e com o recrutamento de ex-ministros para os diretórios de suas empresas. Também se serviu do lobismo, impulsado por ex-autoridades da Concertação, para desenvolver negócios mediante leis e decretos favoráveis a seus interesses. Assim vão as coisas e o grande empresariado não apenas acumulou lucros extraordinários derivados da obtenção de rendas monopólicas, mas também graças a sua influência determinante no poder político. O declive da ética pública em nosso país tem muito a ver com a generalização dos vasos comunicantes entre a política e os negócios.
Os mais beneficiados com o modelo econômico que a ditadura instalou e que garantiu a Concertação são sete Grupos Econômicos: Luksic, Matte, Paulmann, Angelini, Piñera, Solari e Saieh. São os donos do Chile. Formam parte do 1% que possui o que 99% da população chilena necessita. São os ricos e famosos; os que aparecem todos os anos na revista norte-americana Forbes. Os que agora investem no exterior porque o mercado chileno ficou pequeno para eles.
Assim vão as coisas, a política e o Estado, em vez de servir para compensar as desigualdades próprias da economia de mercado, se converteram em instrumentos de ampliação do poder econômico desses Grupos Econômicos. Sob tais condições, o sentido comunitário de nação se encontra debilitado com a presença de um Estado frágil, a serviço de uma minoria.
A concentração da propriedade e do ingresso nessa minoria recebeu um primeiro impulso com as privatizações do governo de Pinochet; mas, posteriormente, graças aos governos da Concertação, a acumulação de capitais dos Grupos Econômicos adquiriu proporções extraordinárias. Em democracia se legitimaram as privatizações pouco claras da Ditadura; mas, também, se impulsaram algumas outras, como as sanitárias, estradas, caminhos, hospitais e prisões. Sobre essa base material, junto a políticas impositivas generosas, o poder dos Grupos Econômicos se acrescentou ainda mais. O modelo econômico e seu complemento político (a Constituição de 1980) foram o sustentáculo institucional do enriquecimento do 1% da população e, ao mesmo tempo, dos baixos salários e vulnerabilidade da maioria. A isso se acrescentou políticas públicas muito favoráveis aos Grupos Econômicos, especialmente nos âmbitos impositivo e trabalhista, de parte da classe política.
Recém em 2011, graças às mobilizações estudantis, o modelo econômico e o regime político foram questionados. O protesto cidadão, soterrado por longos anos, se incorporou vigorosamente. As reivindicações do movimento estudantil e de outras organizações sociais, muitas delas regionais, desafiam os que mandam. O questionamento à ordem estabelecida não é tarefa fácil. Seus defensores têm força material e comunicacional; os que o desafiam apenas contam com vontade transformadora e desejos de rejuvenescer o país. Essa vontade e desejos apontam à instalação de um novo modelo econômico para servir às maiorias e um regime político de representação de toda a cidadania. Se isso for conseguido, será possível que os 99% da população recuperem o poder que lhes foi usurpado pelo 1%.
A campanha presidencial é propícia para um reencontro com a cidadania. Dificilmente ajuda esse propósito a equipe de economistas recrutada pela candidata Bachelet. Direta ou indiretamente, se encontram ligados aos Grupos Econômicos. Não é surpreendente, então, que De Gregorio recuse a gratuidade em educação; que Guillermo Larraín considere elevado um salário mínimo de 250 mil pesos; e que Engel proponha como solução às baixas pensões aumentar a idade de aposentadoria. Similares dúvidas merece a independência de René Cortazar e Alberto Arenas para fazer políticas públicas, levando em conta seus estreitos vínculos de trabalho com o Grupo Luksic. Nenhuma mudança substantiva será possível com esses economistas. Eles não têm sintonia com a cidadania. Estão comprometidos com o 1% que se apossou do país. 13 de agosto de 2013
- Roberto Pizarro é Economista da Universidade do Chile, com estudos de pós-graduação na Universidade de Sussex (Reino Unido). Foi decano da Faculdade de Economia da Universidade do Chile, ministro do Planejamento e reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão. Integra o Grupo Nova Economia.
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