Honduras, pobre país muito pobre
- Análisis
Há alguns dias atrás, Donald Trompa anunciou uma ideia maligna no seu plano de extinguir a imigração para os EUA.
Nova lei vai barrar a entrada dos emigrantes em busca de asilo que, antes de chegarem aos EUA, tenham passado por um terceiro país.
Com isso, atinge todos os que vêm de qualquer parte da América Central pois teriam de passar obrigatoriamente pelo México, cujo território se interpõe à fronteira sul do país de Trump.
É uma terrível notícia especialmente para os muitos milhares de imigrantes abrigados, no momento, junto à fronteira americana, à espera de meios para entrar no país.
O maior contingente é formado por hondurenhos, que, caso não consigam asilo no México, terão diante de si uma perspectiva terrível: a volta à miséria, ameaças de gangues ou perseguições políticas, as quais os motivaram ao recurso extremo da fuga para outro país.
Muito triste, há 11 anos havia esperança de mudanças significativas na realidade de Honduras, que melhorariam as condições de vida do seu povo. Mas ela se desvaneceu com o golpe militar que derrubou o então presidente Manoel Zelaya, em 2009.
Zelaya era um fazendeiro rico, membro de um partido que dava suporte aos interesses dos latifundiários e das grandes empresas, inclusive a poderosa United Fruiit.
Eleito presidente, ele surpreendeu desagradavelmente seus partidários ao se revelar um defensor das causas sociais.
Pela primeira vez na história, um governo agia na promoção da qualidade de vida dos pobres.
Já na metade do mandato, Zelaya conseguiu reduzir a pobreza em seis pontos e a pobreza extrema e 16 pontos.
A sua Rede Solidária proporcionou cobertura sanitária às regiões mais carentes do país.
Em todo o governo Zelaya a educação foi priorizada, garantindo-se escola grátis para todos, com um aumento de 65% na merenda oferecida por governos anteriores. O que foi de grande ajuda para muitas famílias sem recursos para alimentar decentemente todos os seus membros.
A educação primária passou a atingir 82% das crianças, contra 58% no passado. E os professores tiveram um salto de 150% nos seus salários, entre 2006 e 2008.
Logo no primeiro ano do governo, a CEPAL considerou o crescimento econômico de Honduras um dos maiores da América Latina. E nos três anos de Zelaya, o país cresceu 6,7%, número muito superior à média no continente americano.
Até aí o governo era tolerado pelas elites, embora de nariz torcido.
A rejeição começou a crescer depois de Zelaya aumentar o salário-mínimo em 60%, no final de 2008.
Mas a aliança com Chavez e o ingresso de Honduras na ALBA (Aliança Bolivariana da América Latina) foram vistos como inaceitáveis.
Afinal o país vinha sendo há muito tempo caudatário dos EUA.
O mau humor das elites não foi suavizado por um excelente negócio que Zelaya fechou para o país: 50% à vista e o saldo em 20 anos para o pagamento do petróleo fornecido pela Venezuela.
Providenciou-se um golpe militar. Zelaya foi preso enquanto dormia e transportado à força para Costa Rica.
Os golpistas argumentaram que ele estava violando à constituição que condenava um presidente que buscasse se reeleger, algo fortemente proibido.
Não pegou bem.
Zelaya pretendia apenas que, ao lado da próxima eleição parlamentar, se fizesse uma votação não-vinculativa, perguntando se o povo favorecia ou não a convocação de um referendo para decidir se seria convocada uma assembleia constituinte.
A ONU condenou o golpe, exigindo a volta de Zelaya ao poder. A OEA (Organização dos Estados Americanos) fez o mesmo e ainda suspendeu Honduras até que fosse reposto o governo legal de Zelaya.
A princípio, os EUA, então no governo Obama, respeitaram a decisão dessas duas entidades internacionais, exigindo que os golpistas voltassem atrás.
No entanto, quando os chefes militares resolveram propor uma nova eleição, sem a participação do presidente deposto, os americanos mudaram de lado.
A desculpa foi que, através de uma eleição (mesmo à sombra das baionetas), o país votaria à democracia e tudo ficaria bem.
Foi uma decisão hipócrita, de motivação extremamente duvidosa.
Posteriormente, e-mails divulgados pelo WikkiLeaks, revelaram que o departamento de Estado dos EUA, sob liderança da secretária de Estado Hillary Clinton, pressionou a OEA para virar bandeira, apoiando as novas eleições e descartando Zelaya.
Ideia defendida pessoalmente por madame Clinton, em carta enviada a Roberto Michelletti, presidente do Congresso, depois nomeado presidente interino, e à Corte Suprema, afirmando estar protegendo a democracia de Honduras contra o poder “ilegal” de Zelaya, que estaria tentando ser “um novo Chavez ou Fidel Castro.”
“Certamente”, escreveu madame Clinton, “a região não merece outro ditador, e muitas pessoas conhecem Zelaya o suficiente para acreditar nas acusações contra ele.”
No seu livro de memórias, ela contou; “Nos dias subsequentes eu falei com meus equivalentes (secretários de Estado) no hemisfério…Fizemos um plano estratégico para restaurar a ordem em Honduras e garantir que eleições livres e corretas pudessem ser rapidamente legitimadas, as quais também tornariam a questão de Zelaya irrelevante.
Alguns meses depois do golpe, Hillary Clinton, em visita ao Paquistão, lembrou que a eleição de Roberto Michelletti fora “um acordo histórico (Council on Foreign Relations, 30/10/2009)”.
De fato, a história registrará que, depois da deposição de Zelaya, Honduras retroagiu radicalmente.
Os índices de pobreza e de extrema pobreza, que no período 2006-2009 haviam sido reduzidos respectivamente em 7,7% e 20,9%, nos anos pós-golpe aumentaram em 13% e 26,3% (estudo do Centro de Investigações Econômicas e Políticas).
Hoje de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas, 7 em 10 hondurenhos vivem em condições de pobreza e 44% em extrema pobreza
O desemprego atinge 7,7%, sendo que o subemprego chega a 56,5% da população. E os rendimentos de 75% das pessoas não dão para lhes proporcionar uma alimentação mínimamente saudável.
O golpe acelerou a desigualdade.
Dois anos depois de sua deflagração, mais de 100% do total dos rendimentos passaram para as mãos dos 10% mais ricos.
Hoje, segundo informe do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, Honduras tem “a mais desigual distribuição de renda da América Latina.”
O índice de assassinatos por 100 mil pessoas foi de 60,8 em 2008 (governo Zelaya) para 81,8 em 2010; 91,4 em 2011 e 90,4 em 2012.
“Em 2010, Honduras tornou-se o país mais violento fora das zonas de guerra, posição que manteve até 2014. Estimava-se em 2012, que 80% dos voos levando cocaína da América do Sul para os EUA passavam por Honduras (The Guardian, 31/08/²016).”
A violência é compartilhada por grupos de traficantes, gangues (as Maras) e organizações criminosas transacionais. A turbulência política gerada pelo golpe militar ampliou a insegurança no país.
“Poderosos grupos de criminosos locais ligados às elites política e econômica controlam a maioria das atividades subterrâneas de Honduras. O sistema judicial é influenciado por interferências políticas e corrupção, além de sua falta de capacitação e transparência. A polícia de Honduras é uma das mais corruptas e suspeitas da América Latina e os militares do país tem sido também acusados da prática de atividades criminosas (Insight Crime, 28/08/2018)”.
A emigração em massa de hondurenhos em busca do sonho americano reflete esse desastroso quadro. No país de Tio Sam vivem atualmente 12% do povo hondurenho.
Mesmo o governo Zelaya melhorando as duras condições de vida da população pobre, 34.811 hondurenhos pediram asilo aos EUA em 2008. Nos governos pós-golpe, com a acentuada piora da situação da segurança e da economia, esse número mais do que quadruplicou, chegando a 162.060, em 2018 (Huff Post, 15/07/2019).
Nos 10 nos anos seguintes à era Zelaya, Honduras foi governada sucessivamente por dois presidentes: Porfirio Lobo Sosa e Jesus Orlando Hernandes. Ambos membros do Partido Conservador, apoiado pelos EUA em eleições acusadas de fraudes.
Porfírio, segundo artigo de Dana Frank no The New York Times, “…era um filho do golpe, o golpe “imposto” foi que abriu as portas para um imenso aumento do tráfico de drogas e da violência, e…desencadeou uma contínua onda de repressão patrocinada pelo Estado.”
A primeira eleição de Orlando, em 2013, foi taxada de fraudulenta pela oposição e diversas entidades.
Em 2017, candidato à reeleição, ele venceu novamente. E, novamente, fizeram-se as mesmas acusações que pesaram sobre o pleito anterior. Desta vez com maior gravidade, pois a fraude ficou claramente evidenciada no entender de observadores internacionais e locais.
Sobre esses acontecimentos, comentou o AMERICA- The Jesuit Review (11/07/2019) : “Os resultados da eleição, endossados pelo governo dos EUA, mas claramente percebida como fraudulenta, provocaram protestos em massa e dezenas de mortes nas mãos das forças de segurança e da polícia. O Escritório da Alta Comissão por Direitos Humanos das Nações Unidas relatou que a polícia militar e o exército usaram de força excessiva, inclusive letal, para controlar e dispersar os manifestantes, o que causou mortes e ferimentos em muitos deles e até em transeuntes.
No mês de junho deste ano, novas manifestações de protestos explodiram em diversas cidades, especialmente em Tegucicalpa, a capital, com ruas bloqueadas e choques com a polícia.
Os manifestantes exigiam a retirada de lei do governo que conduzia à privatização da saúde e da educação e sua consequente comercialização, o que implicaria na despedida em massa de médicos e de professores, com o fim de reduzir despesas para potencializar lucros.
Orlando acabou cedendo, retirou a lei e chamou os manifestantes para discutir as questões que os preocupavam. Eles, porém, desconfiam, não confiam na boa fé dos governos conservadores. Não acreditam que haja intenção sincera em resolver os problemas da educação pública de um regime que reduziu as verbas para esta área, dos 32,9% do orçamento de Zelaya, para os apenas 19,9% de hoje.
Não sei como vai acabar este conflito, mas acho que os hondurenhos não devem esperar muito desse governo dos grupos que ocupam o poder há 10 anos, nos quais o narcotráfico, as arbitrariedades, as repressões policiais e a corrupção encontraram solo fértil para crescerem.
Graças à nova lei de Donald Trump, o asilo político nos EUA deixou de ser uma solução ao alcance dos que mais sofrem a desdita de viverem num dos países mais pobres, mais desiguais e mais inseguros do mundo.
- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.
20 / 07 / 19
http://www.olharomundo.com.br/honduras-pobre-pais-muito-pobre/
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