Stedile fala sobre greve de fome e reforça necessidade da pressão popular sobre STF
- Opinión
São Paulo.- Sete militantes de movimentos populares estão em greve de fome desde o dia 31 de julho, em Brasília, e pedem que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), coloque em pauta o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 54. Apresentada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a ação tem como objetivo rever a legalidade de prisões a partir de condenação em segunda instância.
O julgamento da ADC pode libertar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em segunda instância desde abril deste ano, assim como milhares de outros brasileiros que foram presos antes do trânsito em julgado, ou seja, antes de todos os recursos serem esgotados nas instâncias superiores (STF e STJ).
Em entrevista ao Brasil de Fato, nesta terça-feira (21), João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), comenta a atual conjuntura política nacional e reforça a necessidade de pressão popular para que o STF analise a ADC 54.
Confira na íntegra.
Qual é a atual situação da greve de fome hoje?
Uma greve de fome sempre implica muitos riscos para a saúde, por isso que é um instrumento de última instância quando a sociedade, os movimentos populares e a militância já não encontram saídas pela luta de massas normal.
Em toda a história da luta de classes sempre houveram exemplos em que militantes e dirigentes apelaram para essa situação, que exige muito sacrifício pessoal e uma entrega total porque se vai até as últimas consequências que podem produzir sequelas.
Felizmente, os nossos companheiros estão muito bem acompanhados por três médicos que se complementam e ficam diuturnamente os acompanhando. São verdadeiros heróis a serviço dessa causa. Apesar das debilidades normais de quem já chegou a 22 dias de greve, a saúde deles é estável, ainda que corram risco.
Os companheiros têm demonstrado uma vontade política enorme de ir até o fim.
Qual é a saída?
A saída é uma só. É necessário que a ministra, presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), coloque em votação o quanto antes a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 54, cujo relator foi o ministro Marco Aurélio, que já apresentou seu voto favorável. Já está na pauta do STF e basta apenas vontade política, e, a essa altura, sensibilidade, para a ministra Carmem Lúcia pautar, que pode ser na próxima reunião do STF.
Isso significaria que os ministros do STF vão votar se aquele artigo da Constituição, que garante o direito de que todo brasileiro só será preso depois de julgado até o último recurso, está em vigor ou não. Portanto, não se refere apenas ao Lula mas atinge, inclusive, milhares de brasileiros que foram encarcerados injustamente porque ainda não se julgou até o último recurso.
Os juristas tem nos advertido: qualquer acusação que se faça contra qualquer cidadão, há uma presunção de inocência, ou seja, o sujeito tem o direito de se defender e de provar sua inocência nos tribunais.
O que está acontecendo com Lula é que ele não tem tido o direito de se defender no STJ e no STF. Portanto, ele não pode ficar preso do jeito que está e, por isso, a saída está nas mãos da ministra Cármen Lúcia. Porém, a conjuntura política se alterou por vários fatores que aconteceram nos últimos dias.
Primeiro, aquela marcha de quatro ou cinco dias que teve uma ótima receptividade em todo o entorno de Brasília e quando chegou em Brasília. Depois, aqueles 50 mil que foram juntos com a senadora Gleisi Hoffmann registrar a candidatura do Lula. Nem a imprensa burguesa esperava e até nós, movimentos populares, ficamos surpreendidos com a adesão de milhares de militantes do Brasil inteiro.
E agora, mais recentemente, o STF deu alguns tiros no pé. Como, por exemplo, com aquela história de aumentar o próprio salário em 16%. E o que aconteceu ontem (20), em plena greve de fome, a ministra Carmem Lúcia reúne amigas depois do seminário Elas por Elas e ficam dançando samba com a Alcione. Quase que como um escárnio a situação, não só dos sete grevistas, mas dos milhões de brasileiros que estão desempregados. Isso não é hora para dançar samba em locais públicos.
Há uma conjuntura também política e eleitoral, que foi a pesquisa do Ibope. Eles prenderam o Lula e achavam que a marcha iria abandoná-lo. O que aconteceu? Na sequência da pesquisa do Ibope, nos últimos meses, o Lula pulou de 33% para 37% de apoio do eleitorado. De maneira que ele sozinho, faz mais do que todos os outros candidatos somados.
Finalmente, temos a conjuntura internacional. Notem. Em primeiro, a ONU, pela sua Comissão de Direitos Humanos, deliberou que o companheiro Lula tem direito a se candidatar e só o povo brasileiro tem que julgar se ele deve ser presidente ou não.
Em segundo lugar, o Papa Francisco, na audiência em que recebeu quatro emissários da sociedade brasileira, entre eles a mãe da companheira Marielle Franco, brutalmente assassinada e até agora sem que os culpados sejam identificados, o Papa manifestou claramente solidariedade ao Lula.
E em terceiro, tivemos ainda em nível internacional, a manifestação de diversos juristas e da própria ex-presidente Bachelet, manifestando claramente o apoio ao presidente Lula. Entre eles, a principal personalidade de Direitos Humanos da América Latina, nosso companheiro Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, que está fazendo uma campanha internacional, com a indicação do Lula como candidato ao Prêmio Nobel da Paz para 2019, que conta com mais de 3 mil assinaturas.
A conjuntura internacional é amplamente favorável à garantia de direitos do Lula disputar a próxima eleição.
O que a militância deve fazer?
Diante dessa situação, o tempo urge. Estamos jogando com a sorte e a saúde dos nossos sete companheiros. Você que mora em Brasília, vá visitá-los. Eles estão no Centro Cultural Brasília. Vocês que estão nos acompanhando nos estados: nós precisamos reproduzir as vigílias, todas as noites, assim como é feito em Brasília, em frente ao STF. Às 18h, fazemos vigílias, atos religiosos, em frente aos tribunais, aos fóruns. Levem velas, líderes religiosos, vamos fazer uma grande corrente para nos solidarizarmos a essas demandas de nossos companheiros grevistas.
E também é muito importante que se escreva para a ministra Cármen Lúcia. Basta escrever para Ministra Cármen Lúcia, no correio eletrônico: presidencia@stf.jus.br, que ela certamente irá receber. E também escreva em solidariedade aos nossos grevistas, as mensagens são lidas e isso transfere energia para eles: grevedefomestf@gmail.com.
Os próximos dias são fundamentais. Hoje, recebemos a notícia de que o ministro Dias Toffoli vai receber uma representação. Espero que a ministra Rosa Weber faça o mesmo. E assim, vamos criando um clima, dentro do STF, que obrigue a ministra Carmén Lúcia a colocar em votação, o quanto antes, a ADC 54, que pode libertar o companheiro Lula e milhares de outros que estão presos injustamente pelo Brasil a fora.
Edição: Tayguara Ribeiro
21 de Agosto de 2018
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