Licenciamento ambiental: Pelotas e a arte de criar aberrações jurídicas
- Opinión
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais
Para quem pensa que o esdruxulo “Código de Convivência de Pelotas” é a única obra do absurdo desenvolvida pelo tucanato municipal, sinto informar que existem mais coisas que precisam ser analisadas.
Um dos exemplos a Lei Municipal nº 6.309, de 29 de dezembro de 2015, que “Dispõe sobre a Anuência Ambiental e dá outras providências”. Quem lê o diploma normativa pela primeira vez tem a nítida impressão de que estamos diante de um trabalho acadêmico de graduação, pois tudo é novo, até mesmo o nome das Licenças Ambientais. A velha taxa de licenciamento ambiental ganhou um nome até bonitinho, TGAM – Taxa de Gestão Ambiental Municipal. Já as velhas Licenças Ambiental, LP, LI e LO, foram todas acrescidas por uma nova letra “A” que as divide no centro. Assim, a LO virou LAO – Licença Ambiental de Operação. Mas o nome mais estranho coube à velha Licença Única – LU, que passou a se chamar LAPIO – Licença Ambiental Prévia, de Instalação e de Operação.
Ocorre que a confusão de siglas é o menor dos problemas da Lei. Um dos mais gritantes está no próprio título do diploma normativo, ao colocar todas as Licenças dentro de uma única categoria, chamada de “Anuência Ambiental”. Para quem não conhece o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, regrado pelas Lei Federal 6938/1981 e pela Lei Complementar nº 140/2011, existe uma integração entre todos os níveis de competência nos processos de licenciamento ambiental, e sempre que um Ente de competência mais ampla vai iniciar a sua análise pede a manifestação prévia dos órgãos de competência mais restrita. A este documento damos o nome de Anuência ou “Anuência Ambiental”.
A função da Anuência ambiental é bem restrita, “conferir concordância do órgão ambiental de competência mais restrita aos processos de licenciamento executados por órgãos de competência mais ampla”. Também é utilizado para a manifestação do órgão gestor de Unidade de Conservação se posiciona sobre empreendimento realizado na sua área de influência. Logo, o termo de anuência é um ato administrativo restrito e não um somatório de documentos e a lógica adotada pela Prefeitura de Pelotas apenas cria uma confusão que contraria a sistemática do SISNAMA.
Mas existem problemas mais graves. O art. 3º da Lei é flagrantemente inconstitucional, ao negar licença (anuência) aos requerentes que tenham “débitos não quitados decorrentes de multas aplicadas pelo órgão ambiental municipal competente e/ou que tenham inconformidades ambientais a serem equacionadas”. Primeiro, a negativa de licença às inconformidades ambientais é óbvia e obrigação do órgão ambiental. Mas negar licença por multa ou dívida fiscal fere o princípio da moralidade e o da boa-fé, caracterizando abuso de poder pela administração. Para a cobrança destes débitos existe um instrumento chamado execução fiscal. Mas em Pelotas, tudo é possível.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais
Del mismo autor
- A morte do neoliberalismo? Os Caminhos da Economia Global No Pós-pandemia 30/03/2020
- Pandemia expõe fracasso prático da ideologia neoliberal 17/03/2020
- A barbárie ambiental brasileira 23/08/2019
- Pós-verdade? a nova direita e a crise da racionalidade moderna 29/04/2019
- O escandaloso crime do Caixa 2 da Lava Jato e as suas consequências 12/03/2019
- Sérgio Moro e a sua “solução final” 20/02/2019
- Mineração: Como Nascem Crimes Ambientais como Bento Ribeiro e Brumadinho 06/02/2019
- O decreto da desumanização 17/01/2019
- A perigosa ignorância fabricada da direita 07/01/2019
- Perseguição a Lula escancara absurdos do sistema prisional brasileiro pós 2016 20/12/2018