Comentários sobre as eleições argentinas
- Opinión
I. O macrismo (oficialismo), reunido na frente Cambiemos, obteve expressiva vitória nas eleições argentinas de medio término, que renovou 127 cadeiras da Cámara de Diputados (de um total de 257) e 24 cadeiras do Senado (de um total de 72).
II. A Cambiemos conseguiu dominar as principais províncias argentinas, a saber, o "conurbano" da Cidade de Buenos Aires, a província de Buenos Aires, Mendoza, Cordoba e Santa Fé. Ademais, o Cambiemos, além de obter vitórias em outras províncias menores, conseguiu ganhar na província de Santa Cruz, berço do kirchnerismo.
III. Para a câmara baixa, a frente Cambiemos conseguiu um expressivo resultado de 41,7% dos votos válidos
Resultado total voto Câmara
Resultado total voto Câmara
CAMBIEMOS
41,76%
10.161.053 votos
KIRCHNERISMO
21,83%
5.312.069 votos
PERONISMO
14,65%
3.564.793 votos
OTROS
10,35%
2.519.123 votos
MASSISMO
5,83%
1.417.242 votos
IZQUIERDA
5,57%
1.354.904 votos
VOTOS EN BLANCO
2,95%
701.753 votos
VOTOS NULOS
1,88%
348.092 votos
RECURRIDOS E IMPUGNADOS
0,12%
34.176 votos
IV. Com tal desempenho, o macrismo ampliou sua bancada na Cámara de Diputados de 86 para 107 e, no Senado, de 15 para 24. Por sua vez, o kirchnerismo perdeu 7 cadeiras na Câmara e 2 no Senado. Não obstante, o macrismo continua minoria em ambas as casas.
V. O macrismo vem comemorando, em especial, a vitória de Esteban Bullrich sobre Cristina Kirchner, nas eleições para o Senado na província de Buenos Aires. Kirchner esperava ficar em primeiro lugar, mas foi derrotada por Bullrich, ex-ministro de Educação de Macri, por uma diferença de 4 pontos percentuais. Embora Cristina tenha ficado com a segunda cadeira do Senado por Buenos Aires, essa "derrota" mancha um pouco seu prestígio.
VI. Contudo, essa vitória do macrismo tem de ser matizada por alguns fatores. Em primeiro lugar, as chamadas eleições de medio término são tradicionalmente vencidas pelo oficialismo. A única exceção ficou por conta de Fernando de la Rua, que a disputou em plena débâcle econômica. Em segundo lugar,o desempenho da Cambiemos foi facilitado pela divisão da oposição entre o kirchnerismo, o peronismo e El Frente Renovador. Houve uma clara disputa entre essas forças para ver quem se constituía na liderança da oposição. Kirchner, mesmo com a segunda cadeira do Senado e a perda de postos no Congresso, saiu-se vencedora, nessa disputa específica.
VII. Outros fatores que contribuíram para a vitória do macrismo tangem à guerra judicial contra Cristina Kichner, que sofre uma série de acusações (não comprovadas) de corrupção, à campanha midiática sistemática contra o kirchnerismo, e ao bom marketing do macrismo, montado sob a base de uma tênue recuperação da economia argentina.
De fato, Macri explorou e inflou bastante alguns dados econômicos algo positivos. A inflação teria caído de cerca de 40%, em 2016, para 23% anualizados, em 2017. Embora esses dados não sejam confiáveis, eles foram alardeados, ao longo de toda a campanha. O desemprego teria caído de 9,3 %, no segundo trimestre de 2016, para 8,7%, no segundo trimestre de 2017. Além disso, o governo argentino alega que a economia do país já teria crescido 1,6% neste ano e especula que, ao final do ano, o crescimento poderia chegar a mais de 2% (2,5%, segundo o FMI), o que faz franco contraste com a contração de 2, 4%, verificada no ano passado.
Outro ponto muito explorado pelo macrismo tange à volta dos empréstimos externos. Macri fez um acordo com os "fundos abutres" e pagou US 9,3 bilhões para regularizar a situação do país perante os credores estrangeiros. Entretanto, a dívida pública total da Argentina subiu de 50% do PIB, em 2016 para 58% do PIB, em 2017. Mas, ao contrário do que acontece no Brasil, Macri está usando parcialmente esse dinheiro para compor um programa de obras públicas que visa minorar o problema do desemprego na Argentina.
X. Esses números, não significam, nem de longe, uma recuperação franca e sustentável, mas foram bem explorados pelo marketing eleitoral. Saliente-se a população ainda sente os efeitos do tarifaço promovido por Macri, que contribuiu para aumentar o nível de pobreza na Argentina, em 2016, em 33%, com a caída de 1,5 milhão de pessoas abaixo da linha da pobreza.
No discurso macrista, contudo, o culpado principal da crise argentina é o governo Kirchner, que "gastou de forma irresponsável" e "isolou" a Argentina da comunidade de investidores internacionais. Agora, Macri diz que está recolocando o país no rumo da recuperação e apresenta esses fracos números positivos como prova da correção de suas políticas neoliberais.
Esse discurso, embora frágil e sem sustentação empírica, "colou" em boa parte da população, bombardeada constantemente pelas denúncias contra o kirchnerismo e por uma mídia francamente partidarizada.
Parece-nos que fica aqui uma advertência para algo que pode ocorrer no Brasil, em 2018.
É fundamental montar um discurso que, além de defender o legado do PT, mostre que, com as atuais políticas econômicas do governo golpista, uma verdadeira recuperação econômica, sustentada e inclusiva, será impossível.
- Marcelo Zero é sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado
24 de Outubro de 2017
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