Uma campanha eleitoral perturbada por escândalos político-financeiro e excesso de sondagens
- Opinión
A campanha presidencial francesa foi marcada por indefinição de identidades políticas, por um grau excepcional de incerteza, por um transbordamento de sondagens que desequilibram o jogo político, e por vezes chegam a manipular a opinião pública. Se os eleitores forem influenciados por pesquisas de opinião, sem duvida nenhuma votarão Macron, o candidato programado para se tornar presidente. O queridinho da grande mídia francesa e do mundo financeiro pode contar com esses dois setores para garantir a sua projeção política. O jovem Mâcron (38 anos) tornou-se durante quase um ano onipresente nos canais de informações permanente, na rádio e nos magazines "people". Ele era apresentado como uma nova oferta política. Infelizmente, a política tornou-se um produto econômico, objeto de marketing com uma linguagem formatada para produzir impacto e construir a oferta de um candidato e um programa, tendo em conta os desejos (a demanda) dos principais setores da economia, do sistema financeiro e, finalmente, em ultimo lugar dos eleitores.
Esta campanha, também tem sido dominada pela relação incestuosa entre a política e o mundo dos negócios. Houve uma sucessão de revelações sobre conflitos de interesse, abuso de poder, falta de honestidade política. A frase mais emblemática para ilustrar essa hipocrisia política vem do candidato conservador de direita François Fillon "Um político tem que ter comportamento impecável» uma vez candidato proclamado, Fillon e sua esposa foram indiciados por abuso de poder e cumplicidade no uso indevido de fundos públicos. Sua esposa e filhos foram beneficiados com empregos fictícios durante muitos anos. O homem de aparência respeitável considerou falsas as acusações, porém, terminou assumindo seu erro e criticando a sua condenação -- para ele esses fatos são corriqueiros na vida política. Apesar da condenação judicial dele e de sua mulher, Fillon continuou sua campanha como se nada tivesse acontecido.
Os problemas de corrupção, de abuso de poder, o peso do dinheiro e do lobby maculou esta campanha Presidencial que deixa o eleitor francês cada vez mais desconfiado de políticos. Ninguém pode negar a existência de certo desconforto no funcionamento da democracia francesa, mas, infelizmente, grande parte dos políticos desconsidera este mal-estar e dá impressão de viver desconectados da realidade. Eles fingem ignorar o descrédito dos seus concidadãos face aos inúmeros escândalos de corrupção e impunidade de muitos, além da falta de coerência política de vários candidatos. Hoje o discurso político perdeu a credibilidade. As promessas de campanha são rapidamente esquecidas. Por não cumprir com as promessas políticas, o Presidente François Hollande pagou um elevado preço e não pode se reapresentar, pois perdeu toda sua popularidade. Ninguém hoje ousa defender o balanço de seu governo!
Esta campanha pode ser caracterizada por certo surrealismo político. Quando você escuta a candidata de extrema direita Marine Le Pen afirmar que ela representa a classe trabalhadora na luta contra os grandes patrões, nos lembra o discurso de Arlette Laguiller trotskista, a eterna candidata à presidente e, hoje Mélenchon (antigo trotskista da corrente Lambertista-OCI). No entanto, Marine Le Pen não tem legitimidade para assumir a defender os trabalhadores. A extrema esquerda nunca usou o pensamento de extrema direita e nem comunga os valores de Le Pen. Outra aberração é quando o candidato conservador François Fillon fala de revolução, apresentando-se como um libertador! Até parece Guevarista... Este é o mundo invertido! Sem contar que o jovem Macron, um ex-banqueiro (Banco Rothschild), ex-ministro da Economia, dotado de uma voracidade de poder sem igual, se diz de esquerda e de direita. Aceita tudo e concorda com todos que queiram se juntar ao seu movimento "em marche". Hoje a maioria das figuras políticas que estão apoiando Macron pertence à direita,ao centro-direita e centro-esquerda do Partido Socialista (11 ex-ministros Jacques Chirac e 3 membros do governo Hollande).
O jovem candidato Macron é um típico fruto da ideologia neoliberal. Esta ideologia há 30 anos vem ofuscando as diferenças ideológicas e promovendo a despolitização como estratégia de destruição dos opositores. Hoje esta ideologia é dominante, e empurra o mundo para uma sociedade individualista, cada vez mais competitiva. Estamos diante de um estranho mundo, cada vez mais obcecado por números onde a economia guia a política e o destino da humanidade. Emmanuel Mâcron, em nada representa uma novidade! O ex-ministro da economia é favorável, especialmente a uma intensificação das políticas de austeridade fiscal e a uma continuação das reformas neoliberais. «A Associação de economistas horrorizados» analisou o projeto econômico do candidato Emmanuel Mâcron que pretende reduzir os gastos públicos em 60 bilhões de Euros por ano, durante os cinco anos. O "movimento em marcha de Macron" é uma marcha à ré... Com menos regulação e serviços públicos, impostos mais baixos para os ricos e mais "liberdades" para as empresas. (Jornal "Le Monde")
Vale aqui lembrar Joseph Stieglitz Prêmio Nobel de economia que faz hoje da luta contra ajustes fiscais seu cavalo de batalha e defende que a política não deve estar sob a influência das finanças. Ele disse em uma de suas conferências: "se você passa muito tempo falando, discutindo com banqueiros você vai acabar pensando como eles. Um perigo que pode contribuir para a excessiva atenção à austeridade". Nesse caso, o que pensar do candidato Mâcron, ex-banqueiro?
Esta nebulosidade nas identidades políticas é simples marketing político, puro oportunismo político. Todos estes candidatos se dizem também "anti-sistema" e fazem todo o possível para tirar proveito hoje da desconfiança dos franceses em relação ao sistema político quando se sabe que eles são um dos seus produtos mais acabado do sistema.
O voto dos cidadãos nas urnas parece hoje não contar para definir o destino do país. Na democracia francesa o voto é um meio limitado de expressão política, ele não é assimilado à participação mais ativa na tomada de decisão pública. Praticamente, não existe nenhum controle social no Parlamento, e, cada vez mais é notória a falta de compromissos sociais dos eleitos, além do sentimento de traição política. Muitas decisões são tomadas sem a participação dos cidadãos, mesmo sabendo-se que a democracia pressupõe o poder de agir. Apesar do descrédito nos representantes políticos, os franceses confiam no regime democrático e nas suas instituições, o que eles criticam é a modalidade de funcionamento e a falta de ação de seus representantes eleitos. Eles acham os políticos franceses por vezes alheios à vida quotidiana, a realidade em que vivem seus concidadãos em termos de solidariedade, em termos de proteção social, de igualdade perante as leis e os direitos. Estes são os valores que fundam o compromisso com a democracia como um sistema político,que segundo eles estão ameaçados.
Para os cidadãos e cidadãs, os políticos que lhes representam deveriam assumir compromissos com o interesse geral e o bem publico. Entretanto, os exemplos recentes demonstram que muitos políticos e, sobretudo candidatos à Presidência estão abusando legalmente do poder e parecem viver fora da realidade dos cidadãos comuns. Estes abusos de poder, visto como aberrações para a maioria dos cidadãos são consideradas uma prática normal para Fillon, Le Pen e outros. Diante dos escândalos políticos de corrupção, abuso de poder e impunidade, os franceses estão convencidos de que os parlamentares estão acima da lei. Os luminares da direita e extrema direita preferem ignorar as acusações e continuar como se esses atos fossem banais, porque segundo eles todos os políticos agem da mesma maneira. O filosofo iluminista Montesquieu volta a ser de atualidade e entra no centro do debate político, tendo em vista que em pleno século XXI, alguns políticos franceses parecem nunca ter integrado a questão do abuso de poder. Como se as sociedades tivessem evoluído, adaptado-se, mas finalmente mudado muito pouco.
O paradoxo é que a maioria dos jornalistas políticos comenta este assunto de abuso de poder, conflitos de interesses diariamente, esquivando-se de aprofundar o debate sobre as anomalias no modo de funcionamento da 5°. Republica que cada vez se asfixia. No entanto, o crescente e palpável, o descontentamento dos franceses com os políticos eleitos, com os partidos, com o funcionamento das instituições republicanas. Estes fatos mereceriam um debate político mais aprofundado com os candidatos presidenciáveis, frente a constatação da existência uma anomalia do sistema político atual que torna a democracia enferma. O mais escandaloso é que os canais de informação permanentes continuaram a ignorar os candidatos de esquerda que apresentavam propostas concretas para a renovação democrática. Os principais candidatos de esquerda Mélenchon e Hamon propõem em seus programas uma visão governabilidade mais democrática, incluindo propostas de projetos sociais, de projetos de sociedade inovadores. Ambos os candidatos apresentam novas ferramentas deliberativas e participativas. Em seus programas, eles afirmam que a 5ª República francesa, hoje, é inadequada para curar uma democracia doente de apatia. Para Mélenchon a revolução dos cidadãos na qual ele acredita, é um meio pacífico e democrático para virar a página da tirania da oligarquia financeira e a casta que está em serviço ». Hamon, ex-Ministro da Educação, propõe dar o poder aos cidadãos para escrever de forma colaborativa "as emendas da cidadania"; os cidadãos podem alterar um projeto considerado injusto, o que ele definiu como o "49.3 cidadão" ( Na França o primeiro ministro pode usar do artigo 49 para passar uma lei quando não aprovada pelo parlamento). A Sexta República deve propor métodos de construção de políticas públicas, com uma grande capacidade de oferecer aos cidadãos o poder de interpelação de qualquer natureza, tendo o cuidado de articular as decisões publicas à participação da cidadania.
Felizmente a equipe de Mélenchon desenvolveu uma estratégia que saiu da armadilha mediática inovando ferramentas de comunicação. Um exemplo a ser seguido. Mostrou que é possível romper o cerco ao fazer uma campanha fora do apparatchiks mundo da mídia. Contra a vontade dos grandes grupos, Melenchon perturbou e embaralhou todas as previsões dos institutos de sondagens à serviço da grande mídia! Um dos exemplos: ele promoveu reuniões em lugares públicos, organizou comícios nas praças que juntavam multidões de pessoas entusiastas com o grande tribuno. Os canais de televisão não podiam mais esconder, a lei lhes obrigava a mostrar os meetings de todos os candidatos. Na reta final da campanha seria impossível continuar centralizando a cobertura da campanha em Mâcron, Fillon e Marine LEE Le Pen! Com esta estratégia da equipe de Mélenchon, os canais de informações permanente os institutos de sondagens tiveram que levar em conta que a esquerda poderia estar presente no segundo turno: ela possui capacidade de tirar Macron da lista de favoritos! Daí nesse percurso final de campanha eles começam a alertar a população sobre o perigo Mélenchon! O outro candidato de esquerda do partido Socialista desapareceu das telas há muito tempo! Hamon e seu programa não foram objeto de atenção ou de análise política. Quando algum comentarista se referia a Hamon era para dizer: Hamon é um sonhador, um utopista, o seu programa é impraticável. Hoje afirmam que Mélenchon é um perigoso esquerdista, e, também anti-europeu.
Infelizmente estes jornalistas e analistas políticos optaram por orientar os debates centralizados nos problemas econômicos, na imigração -- terreno fértil de Marine Le Pen. Não há interesse em aprofundar o debate sobre projetos sociais ou questões ambientais. Tampouco lhes interessa a abordagem integrada de desenvolvimento territorial. Os eleitores têm muitas vezes a sensação de ser submetidos a uma lógica implacável como se a única solução viável para a França fosse a adaptação e mudança do seu modelo social, e, isto implica privatizar os serviços públicos ou a reduzir o número de funcionários públicos, fazer uma reforma previdenciária das pensões, uma reforma do seguro-desemprego etc. A esquerda não deve resignar-se à hegemonia neoliberal, que leva à despolitização e desconstrução cultural. A política envolve não só a arte da ascensão ao poder, ela é também um serviço para o bem-estar dos cidadãos. A esquerda deve ser capaz de re-organizar os símbolos e a esperança que amanhã será melhor do que hoje. A esquerda pelo seu ideal político deve dar o sentido à política e melhorar a vida de milhões de mulheres e homens que querem preservar as realizações do modelo social que a esquerda contribuiu grandemente para desenhar e implantar. A esperança não se encontra apenas em soluções econômicas, mas em um novo projeto de sociedade e desenvolvimento que garanta que as gerações futuras viverão em condições melhores do que aquelas que as precederam.
O desencanto político não é uma fatalidade e a democracia francesa pode sair da apatia, tudo depende de seus cidadãos. Não diga "Eleições, armadilha para os babacas"! Vá votar em Mélenchon ou Hamon. Alguém que se diz de esquerda ou simpatizante não pode ser desprovido de sonhos, idéias e batalhas.
- Marilza de Melo Foucher é economista e jornalista. Colabora com o Brasil 247 e outros jornais no Brasil, é colaboradora e blogueira do Mediapart em Paris
22 de Abril de 2017
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