Conservação ambiental e agregação econômica: um grande potencial regional ainda pouco valorizado
- Opinión
O que as cidades do Rio de Janeiro (RJ), Bonito (MS) e Foz do Iguaçu (PR), grandes centros turísticos brasileiros, possuem em comum? A resposta é simples, todas possuem como principal atrativo o seu patrimônio ambiental.
O Rio de Janeiro também é um grande centro cultural, com seu patrimônio histórico, com o carnaval e a noite da Lapa. Mas o Corcovado, o Pão de Açúcar, Copacabana, Ipanema e o Jardim Botânico são os principais pontos turísticos da cidade, tendo como atrativo com a paisagem, a fauna e a flora, além de constituírem a base de importantes Unidades de Conservação, como o Parque Nacional da Tijuca, a Floresta Nacional da Tijuca e o Monumento Nacional do Pão de Açúcar e da Urca. Hoje, 30% do território municipal está inserido em áreas protegidas, sendo 2 federais, 4 estaduais e 17 municipais.
O que foi dito sobre o Rio, vale para a cidade de Bonito (MS), que compõe o complexo turístico do Parque Nacional da Serra da Bodoquena e está em processo adiantado para a criação de três unidades de conservação municipais, com o objetivo de reforçar a proteção do seu patrimônio e as águas límpidas e claras que tanto encantam os visitantes. Já Foz do Iguaçu (que só perde para o Rio de Janeiro no recebimento de turistas estrangeiros) é a sede das Cataratas do Iguaçu, do Parque Nacional do Iguaçu, do Parque das Aves e do Refúgio Biológico do Bela Vista.
Como se observa, ao contrário do que muitos afirmam equivocadamente, a conservação ambiental é um importante elemento para alavancar a economia, especialmente quando tal estratégia está inserida dentro de uma política ambiental planejada, com infraestrutura adequada, com debate social e relacionamento integrado com a sociedade civil organizada.
O turismo sustentável também permite a criação de renda agregada à atividades tradicionais, sendo um exemplo o chamado “turismo de observação”, que está se firmando como fonte de renda alternativa para comunidades tradicionais em locais de Fernando de Noronha, Natal e fora do país, como na África do Sul e em Costa Rica, por exemplo. Infelizmente, apesar da importância do potencial da conservação ecológica como elemento agregador de trabalho, renda e receita público, este valor nem sempre é reconhecido por grande parte dos administradores que tratam turismo e meio ambiente como assuntos de segunda ordem.
Outra vantagem do turismo (ecológico) é que a receita derivada deste importante segmento da economia acaba sendo incorporado diretamente à economia local, ou seja, forma uma poupança interna que pode ser utilizada no fomento de outras atividades econômicas, situação que é diferente da observada nos segmentos econômicos que dependem de investimentos externos, onde o lucro é remetido para outros domicílios. Logo, é um erro não investir no potencial turístico e na conservação dos elemento que valorizam este potencial, como o patrimônio cultural e o ambiental.
Mas a agregação de potencial turístico é apenas uma das muitas vantagens da instauração de uma política de unidades de conservação. Outras são a proteção da biodiversidade e dos recursos hídricos com vistas ao futuro. Também há significativa melhoria na qualidade de vida da população, com o aumento da cobertura vegetal, qualificação dos serviços ambientais e redução de todos os tipos de poluição.
Além disso, um elemento pouco considerado pela própria administração pública em geral é a perda de receitas próprias com a ausência de regulamentação da conservação ambiental. Se tomarmos Rio Grande como ponto de partida, apenas entre 2008 e 2014 a cidade perdeu mais de R$ 17 milhões de compensações ambientais derivados do licenciamento das empresas da indústria naval situadas no entorno da APA da Lagoa Verde. São recursos que poderiam qualificar equipamentos urbanos como o Parque Urbano do Bolaxa e o Parque Urbano do Senandes ou, simplesmente, regularizar a situação fundiária dos banhados que compõem o complexo protetivo da referida APA.
Foi por este motivo que optamos, ainda no comando da SMMA, pela adoção de uma série de medidas importantes entre 2014 e 2016 visando a conservação do patrimônio ambiental do Município, como o mapeamento de áreas com potencial para conservação, a regulamentação do sistema de gestão da APA da Lagoa Verde, a formação de agentes ambientais e o início dos estudos para a criação de Unidade de Conservação nas Dunas Costeiras. Para tanto, foi fundamental a parceria com instituições como a FURG e o ICMBio, e com a sociedade civil organizada, especialmente com o NEMA e a KAOSA. Também criamos um grupo de estudos dentro da SMMA para regulamentar o Sistema Municipal de Unidades de Conservação e ingressamos com representação no Ministério Público para cobrar a reversão das compensações decorrentes do licenciamento ambiental estadual para o Município, tal qual comando expresso do art. 36, § 3º, da Lei 9985/2000. Tal legado ficou para o futuro da cidade e espero que renda frutos.
É importante ressaltar que tais iniciativas precisam de reforço, pois a riqueza ambiental não apenas de Rio Grande, mas de toda a Região Sul, com destaque, também, para Pelotas, São José do Norte e Santa Vitória do Palmar é muito grande. Se em Rio Grande existem três unidades de conservação, Taim, Maçarico e Lagoa Verde, sendo a última uma rara área protegida no meio urbano, em São José do Norte com duas unidades (Molhe Leste e Lagoa do Peixe), e Pelotas o esquecido Parque do Totó, todas com grande importância. Entre Santa Vitória do Palmar e Rio Grande temos o território do Albardão, espaço destinado à reprodução de diversas espécies, inclusive migratórias, além de beleza paisagística única, e que também merece a sua conversão em Parque Nacional.
Infelizmente, enquanto o conservadorismo e a cegueira política e econômica de alguns setores contrários à política ambiental continuar predominando, a tendência é que a nossa região continue perdendo um potencial gigante para a geração de trabalho, renda e qualidade de vida para toda a população, sem contar o desaparecimento de uma imensa biodiversidade ainda pouco conhecida.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais, ex-Secretário de Meio Ambiente de Rio Grande.
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