Rosa Luxemburgo: A Rosa da Revolução
- Opinión
“Aqui jaz
Rosa de Luxemburgo
Judia da Polônia
Vanguarda dos operários alemães
Morta por ordem
Dos Opressores.
Oprimidos,
Enterrai vossas desavenças! ”
(Bertolt Brecht)
Socialismo ou Barbárie? A pergunta simples, pinçada de uma frase anterior de Friedrich Engels (“a sociedade burguesa se encontra diante de um dilema: ou avança para o socialismo ou recaída na barbárie”), demonstra não apenas as preocupações revolucionárias da polonesa-alemã Rosa Luxemburgo, mas uma parte dos conflitos e dos anseios enfrentados ne época em que viveu.
Nascida Rozalia Luksenburg, na pequena cidade polonesa de Zamość, em 1871, Róźa Luksenburg (Polaco) ou Rosa Luxemburg (Alemão), fugiu da repressão política aos 18 anos do seu país para a Suíça. Em 1898 obteve doutorado na Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique. Antes disto, contudo, aceitou o casamento de conveniência com Gustav Lübeck (divorciando-se 2 anos depois) com o objetivo de obter cidadania alemã. Estando desde jovem envolvida com as atividades políticas do partido socialdemocrata do seu país de origem e da Rússia, Rosa foi um dos maiores nomes do marxismo do século XX.
Uma das fundadoras da Liga Espartaquista, movimento comunista de cunho libertário, Rosa foi assassinada em 15 de janeiro 1919, assim como o seu camarada Karl Liebknecht, após o fracasso do movimento insurrecional liderado pelo último. Ela foi fuzilada por milícias nacionalistas de direita e teve o seu corpo jogado no curso d’água do Landwehrkanal, em Berlim.
Assim como Antônio Gramsci, apesar da forte base teórica, o trabalho de Rosa Luxemburgo é predominantemente preenchido por textos esparsos, muitos dos quais dirigidos para a ação política e para a mobilização. Uma das razões é a atuação militante constante da autora e as perseguições que esta sofreu. Mesmo assim, há uma farta documentação que demonstra a solidez da sua preocupação revolucionária, além da forte influência do pensamento de Karl Marx nos seus escritos.
Em um dos seus principais trabalhos, “Reforma ou Revolução” (1900), faz uma pesada crítica à teoria “reformista” de Eduard Bernstein, o qual defendia uma transição pacífica, legalista/parlamentar, sem rupturas, do modo de produção capitalista para o socialista, o chamado socialismo evolutivo. Bernstein, embora não consiga resolver a balança do jogo de poder parlamentar, propõem uma transição do modelo capitalista dominante para um sistema econômico descentralizado e democrático, gerido pela classe trabalhadora. Segundo Rosa Luxemburgo,
“É inexato e contrário à verdade histórica apresentar-se o trabalho de reforma como uma revolução diluída no tempo, e a revolução como uma reforma condensada. Uma revolução social e uma reforma legal não são elementos que se distingam pela sua duração, mas pelo seu conteúdo; todo o segredo das revoluções históricas, da conquista do poder político, reside precisamente na passagem de simples modificações quantitativas, numa nova qualidade ou, concretizando, na passagem de uma dada forma de sociedade a outra num período histórico”.
Rosa via no materialismo histórico uma vantagem em relação às outras teorias, especialmente o anarquismo e o reformismo (chamado por ela de oportunismo), em virtude da preocupação marxiniana com a análise científica dos conflitos sociais e econômicos que redundavam no processo revolucionário e na “inevitabilidade histórica do socialismo”. Para a mestra polonesa-prussiana, tal inevitabilidade estava na essência do pensamento revolucionário.
Contudo, é na preocupação com a abertura do debate político, evitando-se a transformação do partido revolucionário em uma seita, evitando-se a burocratização e esvaziamento das ações partidárias, é que vamos observar um dos maiores méritos da estratégia política luxemburguista:
“A doutrina marxista não se limita a ser capaz de a refutar teoricamente, é a única capaz de explicar esse fenômeno histórico que é o oportunismo no interior da evolução do partido. A progressão histórica do proletariado até à vitória não é efetivamente uma coisa muito simples. A originalidade desse movimento reside no seguinte: pela primeira vez na história, as massas populares decidem realizar por si mesmas a sua vontade opondo-se a todas as classes dominantes; pela primeira vez, a realização dessa vontade é situada para além da sociedade atual, numa ultrapassagem dessa sociedade. A educação dessa vontade só se pode realizar numa luta permanente contra a ordem estabelecida e no interior dessa ordem. Reunir a grande massa popular polarizada por objetivos situados para lá da ordem estabelecida, aliar a luta quotidiana com o projeto grandioso de uma reforma do mundo, é o problema que se põe ao movimento socialista e que deve nortear a sua evolução e progressão, é o cuidado em evitar dois escolhos: não deve sacrificar nem o carácter do movimento de massa, nem o objetivo final; deve evitar simultaneamente fechar-se numa seita e transformar-se num movimento reformista burguês; tem que se defender, ao mesmo tempo, do anarquismo e do oportunismo”.
É exatamente por este motivo que ela defende a importância da valorização da democracia pelo movimento operário como parte da estratégia revolucionária:
“[…] é suficiente reconhecer a quem o liberalismo burguês vendeu a alma, assustado pela evolução do movimento operário; concluir-se-á que o movimento operário socialista é, atualmente, o único sustentáculo da democracia, não existindo nenhum outro. Verificar-se-á, então, que não é a sorte do movimento socialista que está ligada à democracia burguesa, mas, pelo contrário, é a democracia que se encontra ligada ao movimento socialista. Verificar-se-á que as oportunidades da democracia não se ligam à renúncia da classe operária à luta pela sua emancipação, mas, pelo contrário, ao facto de o movimento socialista ser suficientemente forte para combater as consequências reacionárias da política mundial e da traição da burguesia”.
Em síntese, conforme defende Rosa Luxemburgo, assim como o partido revolucionário necessita da democracia para fortalecer a luta emancipatória da classe trabalhadora, a democracia, também, só encontrará base real no seio desta luta.
Em “A Proletária”, escrito em 1914, Rosa vai além e demonstra a importância de garantir os direitos de participação política das mulheres e a sua forte vinculação desta libertação à pauta libertária do movimento operário. Ela defende o caráter internacionalista da luta feminista:
“[…] A mulher proletária apenas pode seguir o caminho da luta trabalhadora, que, inversamente, conquista cada palmo de poder efetivo para, apenas assim, adquirir os direitos escritos. No princípio de toda ascensão social era a ação. As mulheres proletárias precisam fincar pé na vida política por meio de sua participação em todos os domínios, apenas assim e que elas criam um fundamento para os seus direitos […]. Um mundo de lamúria feminina aguarda libertação. A mulher do pequeno camponês suspira a beira do colapso sob o fardo da vida. Ali, na África alemã, no deserto do Kalahari, permanecem os ossos de mulheres Hereros indefesas, que foram levadas pelos soldados alemães a pavorosa morte de fome e sede. Do outro lado do oceano, nos altos rochedos de Putumayo, perdem-se, inaudíveis para o mundo, gritos de morte de mulheres indígenas torturadas nas plantações de borracha de capitalistas internacionais”.
Outro ponto evidente na obra de Rosa Luxemburgo é a sua crítica às guerras, vistas, essencialmente, como uma ampliação dos interesses capitalistas por meio da ação militar e que, além de tudo, em face da emergência de um nacionalismo exacerbado, causa uma fissura no movimento operário que, por natureza, é internacionalista. Em “A Crise da Social Democracia (Folheto Junius) ”, é peremptória ao afirmar que:
“[…] O proletariado deve jogar resolutamente na balança a sua espada do combate revolucionário: o futuro da civilização e da humanidade dependem disto. No curso desta guerra o imperialismo teve a vitória. Fazendo pesar a espada sangrenta do assassinato dos povos ele fez pender a balança para o lado do abismo, da desolação e da vergonha. Todo este fardo de vergonha e desolação só será contrabalançado se, do meio desta guerra, nós soubermos retirar a lição que ela contém, se o proletariado conseguir se reorganizar e se ele parar de representar o papel de um escravo manipulado pelas classes dirigentes para se tornar o dono de seu próprio destino”.
Um elemento de grande relevância no trabalho de Rosa Luxemburgo é a sua visão não romanceada sobre o processo de luta revolucionária. Em vários momentos ela alerta para as dificuldades característica deste processo de transformação, indicando a necessidade de uma luta permanente, dependente de uma certa maturidade dos trabalhadores e das trabalhadoras, motivo pelo qual tal empreendimento somente pudesse ser realizado pelas gerações posteriores.
Ao analisar os movimentos revolucionários no seu entorno, cometeu erros e acertos. O maior erro foi a crença de que a revolução teria mais sucesso na Alemanha, onde havia uma grande massa operária organizada, um partido com forte enraizamento sindical, e uma certa “maturidade do proletariado”. A história mostrou o contrário com Hitler. Mas mostrou correção ao criticar a burocratização do pós-revolução Russo, algo que foi constatado posteriormente pelos líderes de outubro que se opuseram às suas posições, como Trotsky, por exemplo.
Rosa Luxemburgo lutou para viver a revolução, dedicando todas as suas energias para este intendo que resultou em várias prisões pela ação repressora, no seu sequestro e assassinato. Entretanto, ela mesmo concordou que o seu maior legado era deixar a luta em aberto, de forma a permitir futuramente, por meio de uma experiência continuada, que outros pudessem dar continuidade a este trabalho, mediante contínuo aprendizado:
“A revolução tão só pode chegar a uma total lucidez e maturidade, passo a passo no longo caminho do Calvário das experiências amargas, das derrotas e das vitórias”.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais
https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2017/01/16/rosa-luxemburgo-a-rosa-da-revolucao/
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