Marcha de abertura reúne mais de 10 mil e mostra vitalidade da agenda do Fórum Social Mundial
- Opinión
Quinze anos depois de sua primeira edição, realizada em janeiro de 2001, em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial segue sendo capaz de atrair milhares de pessoas interessadas em discutir os problemas do planeta, o atual modelo civilizatório hegemonizado pelo que se convencionou chamar de neoliberalismo, e buscar soluções para construir outro tipo de globalização. Essa força se manifestou na marcha de abertura do Fórum Social Temático de Porto Alegre, que reuniu cerca de 10 mil pessoas, no final da tarde desta terça-feira, no centro da capital gaúcha. Desde às 15 horas, o Largo Glenio Peres, ponto inicial da concentração, começou a receber os participantes da marcha, identificados com movimentos sociais, centrais sindicais, sindicatos, partidos, um variado leque de organizações comunitárias e populares e “cidadãos avulsos” que queriam participar da caminhada que sempre marcou a abertura dos fóruns realizados em Porto Alegre.
A concentração para a marcha durou cerca de três horas, ao longo das quais o público foi aumentando progressivamente. O calor acima de 30ºC fez dos espaços de sombra territórios disputados em torno do Mercado Público e em frente ao prédio da prefeitura de Porto Alegre, onde militantes de diferentes tendências e organizações se misturavam com figuras como a do senador Roberto Requião (PMDB). Um pouco antes do início da marcha, o prefeito José Fortunati recebeu em seu gabinete alguns políticos que acompanharam o Fórum Social Mundial desde o seu início, como o ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, o ex-governador Olívio Dutra e o ex-vice governador e hoje ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rossetto. Todos eles marcharam lado a lado, desde o Mercado Público Peres até o Largo Zumbi dos Palmares.
A marcha colorida e repleta de faixas, cartazes e balões percorreu a avenida Borges de Medeiros em um clima pacífico. Houve algumas tentativas de pegar carona na diversidade de agendas e lutas próprias do Fórum Social Mundial, como duas grandes faixas que falavam da necessidade de resgatar o “verdadeiro Jesus” contra o que seriam as “falsas igrejas”. Mas, mesmo neste caso, o convívio foi tranquilo. Um dos poucos incidentes registrados, no viaduto da Borges, foi o arremesso de alguns ovos que atingiram duas participantes da marcha. O clima predominante, porém, foi de animação, danças e palavras de ordem que foram desde o “não vai ter golpe”, entoado principalmente por militantes do PT e do PCdoB, até o já tradicional “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.
O Sul21 acompanhou toda a marcha e conversou com alguns de seus participantes sobre o significado do Fórum Social Temático deste ano que pretende fazer um balanço da trajetória de 15 anos do movimento iniciado em 2001. Ex-prefeito de Porto Alegre e um dos implementadores da experiência do Orçamento Participativo, que tornou a capital gaúcha uma referência internacional no tema, Raul Pont defendeu a importância do Fórum para manter vivos temas como o da democracia participativa, da integração latino-americana e da luta contra o neoliberalismo. “Estas questões continuam pertinentes e atuais como vimos na força expressa nesta marcha que teve a participação de milhares de pessoas. Milhares de pessoas também estão inscritas nas oficinais e seminários que ocorrerão nos próximos dias”, assinalou. Para Pont, o Fórum Social Mundial desempenhou um papel fundamental na luta contra o neoliberalismo na América Latina e segue atual na luta pelo aprofundamento da democracia cada vez mais ameaçada pelo domínio do capital financeiro e seus braços políticos.
Um dos organizadores da primeira edição do Fórum Social Mundial, quando era vice-governador do Rio Grande do Sul, Miguel Rossetto definiu os últimos 15 anos com o um período de conquistas importantes, especialmente na América Latina. Rossetto lembrou que, naquele período, estava iniciando o governo de Hugo Chávez, na Venezuela. “Durante esses quinze anos tivemos conquistas políticas e sociais muito importantes no Brasil, no Uruguai, na Bolívia, na Argentina, Venezuela, Equador, Chile e em outros países. O chamamento generoso e forte de que outro mundo é possível criou uma base política para o enfrentamento das ideias conservadoras e do neoliberalismo e impulsionou unidades que obtiveram grandes vitórias políticas”, afirmou o ministro do Trabalho.
Diante do avanço conservador que se observa agora em países como a Venezuela, a Argentina e também o Brasil, Rossetto defendeu que os movimentos articulados no FMS têm um importante papel a cumprir, especialmente no tema da defesa da democracia. “No ano passado a sociedade brasileira foi testada por uma agenda golpista irresponsável e foi capaz de resistir e de afirmar a importância da democracia; Essa agenda democrática se fortalece em um período onde as elites tradicionais e acultura autoritária no Brasil e no continente voltam com força”.
A ativista italiana Maren Mantovani, coordenadora de Relações Internacionais do movimento Stop the Wall, destacou a evolução das lutas do povo palestino nestes quinze anos de Fórum Social Mundial. “Estes quinze anos representaram uma experiência muito importante para a luta do povo palestino, uma experiência de solidariedade verdadeiramente global. Encontramos movimentos que, como o povo palestino, estão lutando pela terra, pela justiça, contra as guerras e contra o racismo. Foi um momento de construção de solidariedade, não somente nos comunicados e em mesas de discussão dentro do Fórum, mas também na construção de iniciativas concretas em nível internacional”, assinalou Mantovani. Ela destacou, por exemplo, os movimentos de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) e de embargo militar e de boicote a Israel, que cresceram dentro desse espaço proporcionado pelo FSM.
Claudir Nespolo, presidente da CUT-RS, acredita que o Fórum Social Mundial, nestes últimos 15 anos, deixou um legado muito importante para a América Latina e para o norte da Europa, principalmente. “Depois da queda do Muro de Berlim, o Fórum representou o primeiro movimento para recoesionar a esquerda internacional e acabou influindo na eleição de governos populares na América Latina”. Para o sindicalista, o Fórum continua moderno e atual, pois o motivo central pelo qual ele foi criado – o enfrentamento do modelo neoliberal de globalização – segue na ordem do dia. “Esse modelo, agora, quer fazer um ajuste às custas da classe trabalhadora em praticamente todas as partes do mundo. O Fórum será um espaço importante para discutirmos o nosso reposicionamento para enfrentar essa nova ofensiva do capital”, disse ainda Nespolo.
Tema presente em todas as edições do Fórum Social Mundial, a luta pela democratização da comunicação também integra os debates do fórum temático de Porto Alegre. A jornalista Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes, destacou que o espaço proporcionado pelo FSM para o debate sobre a democratização da comunicação sempre foi muito estratégico para os movimentos do Brasil. “Nestes 15 anos, conseguimos levar esse debate também para movimentos que não atuam diretamente nesta área. Nas primeiras edições, o debate sobre a comunicação se restringia muito a como iríamos cobrir o Fórum. Não havia, no início, um debate sobre políticas de comunicação, no máximo uma crítica ao monopólio que existia. Hoje, depois dessa trajetória de 15 anos, podemos dizer que o debate sobre a comunicação é uma das agendas estratégicas do processo FSM. Foi neste período que nasceu, por exemplo, o Fórum de Mídia Livre, assim como nasceram outros movimentos como o Fórum Mundial de Educação”.
Comunicação, mídia livre, a luta do povo palestino, defesa e aprofundamento da democracia, defesa de direitos sociais e trabalhistas contra a ofensiva do capital: todos esses temas estiveram representados na marcha de abertura do Fórum e serão objeto de vários debates nos próximos dias. A realidade mudou em diversos sentidos nestes últimos 15 anos, mas a marcha de abertura do fórum temático que percorreu o centro de Porto Alegre nesta terça indicou que os problemas que animaram o surgimento do Fórum Social Mundial seguem presentes e capazes de mobilizar milhares de pessoas.
19/jan./2016
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