Ser de esquerda

04/01/2016
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Depois da queda do muro de Berlim, do desmanche da União Soviética e do fim do chamado socialismo real no Leste Europeu, o que é ser de esquerda hoje? Pode-se dizer que a utopia socialista, superada pelo mundo real, estaria ainda com sobrevida em países como a China em desenvolvimento e a resistente Cuba. Mas será que há lugar para utopias num mundo dominado pelo capital e o individualismo?

 

A democracia capitalista seria a expressão política da ditadura exercida pela burguesia ou pelo Estado burguês, enquanto que a democracia socialista seria a expressão política da ditadura exercida pelo proletariado ou pelo Estado proletário. Nessa definição, se contrapunha Estado ao Mercado, socialistas a capitalistas, esquerda à direita. O socialismo sempre foi entendido como uma etapa de transição para o comunismo, quando a propriedade privada dos meios de produção seria totalmente abolida.

 

Nessa construção sempre se imaginou que o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas aprofundaria as contradições entre as classes sociais, o que resultaria na transformação revolucionária do sistema político, social e econômico. A sociedade capitalista e o Estado burguês dariam lugar à sociedade socialista e ao Estado proletário.

 

Apesar dos êxitos sociais e do papel exercido pelo mundo socialista, desde a revolução russa de 1917, o seu berço, vários fatores influenciaram no seu fracasso: o planejamento econômico ultracentralizado, a ausência de pluralismo político, a inflexibilidade do regime, a inépcia de uma burocracia estatal ineficiente, a corrida armamentista e a frágil capacidade competitiva da indústria dos países socialistas frente à economia do mundo desenvolvido capitalista, que conseguiu uma apropriação mais adequada da revolução tecnológica para a satisfação do consumo e da demanda da economia mundial.

 

A partir da derrocada do socialismo real, o mundo capitalista desenvolvido, liderado pelos Estados Unidos, passou a viver a euforia de sua hegemonia econômica, política e militar, sem concorrentes, anunciando o fim da história e a afirmação do mundo unipolar. Mas, a crise do projeto neoliberal e os efeitos da globalização atingem todo o planeta. A exclusão social não constitui fenômeno exclusivo dos países pobres, ela impacta as sociedades mais desenvolvidas em razão do desemprego estrutural. A distância crescente entre países ricos e pobres e, dentro deles, entre incluídos e excluídos, geram uma apartação social sem precedentes na história da humanidade.

 

A humanidade inclui todos os indivíduos e não apenas alguns. A sua sustentabilidade constitui responsabilidade de todos, os benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico não podem privilegiar poucos – devem ser socialmente distribuídos a todos. A qualidade de vida deve ser estendida a todos. A política, a educação e a cultura devem ser universalizadas e expandidas, a democracia deve ser radicalizada. Todos devem ter os seus direitos básicos e de expressão garantidos.

 

O Estado, o mercado e os organismos da sociedade civil devem ser publicizados e submetidos ao controle democrático. Os negócios privados devem corresponder a necessidades da sociedade e não apenas ao mero interesse privatista individual. A propriedade privada dos meios de produção deve ser vinculada à sua obrigação social.

 

Impõe-se uma nova ordem mundial onde a centralidade do desenvolvimento se oriente pelos valores humanos e pela preservação da vida, do meio ambiente, da liberdade, da paz e da justiça. A fome e a pobreza devem ser erradicadas por todos os países com a solidariedade de todos os povos e de todas as pessoas. Talvez, assim, com base num novo fazer político mais generoso e libertário, possa estar construindo no presente uma nova utopia, humanista, universal e sem dogmas, moldada pela paz, a autonomia e a harmonia entre os povos e o respeito à cidadania, à diversidade e ao bem comum.

 

Em vários países, em especial na Europa e América Latina, há tentativas de governos socialdemocratas e de esquerda, de privilegiar, de um lado, o Estado do bem estar social com políticas públicas protetivas e, de outro, de priorizar políticas públicas sociais direcionadas às camadas excluídas e mais pobres da população. Essa tendência nesses países, entretanto, tem marchas e contramarchas, avanços e recuos, dependendo do sucesso ou não de seus governos e da correlação de forças políticas na sociedade.

 

No Brasil, para além de antagonismos de classes, após o país conseguir se desenvolver com democracia, distribuição de renda e equidade social e, com isso, sair do Mapa da Fome, ser de esquerda, hoje, é estra sintonizado com as lutas sociais e defender a democracia, a igualdade, a cidadania, a inclusão, a educação, a cultura e o emprego.

 

É defender a soberania nacional, a democratização do acesso à comunicação e à informação, o acesso de todos aos serviços públicos de qualidade, o direito à proteção social e à saúde pública, o combate à pobreza e às desigualdades, a distribuição da renda e da riqueza, a reforma agrária, a moradia e o meio ambiente, os povos indígenas e as populações tradicionais, os direitos humanos e sociais, a igualdade de gênero, cor, raça, religião e orientação sexual, a liberdade, a diversidade, a tolerância e a paz.

 

Ser de esquerda é juntar vontades para sonhar, ousar e semear utopias.

 

- Osvaldo Russo, filiado ao PT, foi secretário nacional de Assistência Social e secretário de Desenvolvimento Social do Distrito Federal.

 

Artigo publicado no Jornal Brasil Popular – 04/01/2016

https://www.alainet.org/de/node/174500
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