As prioridades do Império
- Opinión
No momento, o ISIS não ameaça diretamente os EUA, mas seus rápidos avanços por outros países deixam claro que breve teriam condições de lançar atentados contra o território americano.
Desde já, podem muito bem serem atacadas as embaixadas da Casa Branca e parte das 800 bases militares yankess espalhadas pelo mundo.
Por uma questão de segurança nacional, destruir esses modernos hunos é prioridade máxima de Tio Sam.
Os EUA estão em guerra contra eles treinando e armando soldados iraquianos e sírios e bombardeando as concentrações dos inimigos.
O Irã também age, fornecendo armamentos e especialistas a seus aliados, os movimentos xiitas do Iraque.
Mas mesmo com todo esse apoio, as forças armadas iraquianas perderam para o ISIS a grande cidade de Mosul, praticamente sem disparar um tiro, e boa parte do Sul e Oeste do país.
Invadindo também a Síria, os novos hunos engoliram uma larga fatia do país, apesar da oposição do exército sírio, de grupos jihadistas e dos rebeldes moderados, estes apoiados pela aviação americana.
Só não foram mais adiante graças à corajosa luta dos milicianos curdos.
Contando ou não com os aviões dos EUA, eles obtiveram dezenas de vitórias contra o ISIS, recuperando cidades e defendendo outras sob fogo do adversário.
Como os EUA e os demais países da coalizão anti-terrorista não mantêm forças em terra (nem querem ter), necessárias para derrotar decisivamente os bárbaros, dependem muito dos curdos por serem o mais eficiente dos exércitos em luta.
Já a Turquia, desde o início da guerra anti-ISIS, sempre se negou a aderir, por mais que os EUA insistissem.
Pelo contrário, até que deu uma mão aos milicianos ultra-radicais de forma indireta: fornecendo armas para os rebeldes do grupo Nussra usarem contra o regime legal sírio, dó qual é inimiga.
Com isso, debilita as forças de Assad e, por conseguinte, sua luta contra a expansão do ISIS. O que, é claro, contraria, e muito, os interesses americanos.
Sem contar que, ao armar o Nussra, filial da al-Qaeda, os turcos estão ajudando automaticamente o grupo de Bin-Laden, responsável pelo atentado da Torres Gêmeas e um dos piores vilões para a política externa dos EUA.
Para proteger a segurança dos americanos, as forças dos EUA enfrentam a al-Qaeda e similares no Paquistão, Iêmen, Líbia, Afeganistão, Somália e outros países africanos.
Até a pouco, os turcos ainda vinham dando uma colher de chá ao ISIS.
Conservavam os olhos fechados enquanto fluía o contrabando de petróleo do ISSIS pela suas fronteiras.
Em quantidade tão volumosa que tornou a Turquia a maior cliente dos bárbaros radicais: desde 2013, entraram diariamente de um a quatro milhões de barris de petróleo por dia, gerando recursos usados pelo ISIS na compra de armamentos modernos. Que ajudaram, e muito, a transformar uma simples guerrilha numa poderosa força, capaz de derrotar exércitos com efetivos bem maiores.
Há indícios sérios de que essas operações escusas não eram ignoradas por autoridades turcas.
O Guardian (26/7) relata que, numa incursão das forças especiais americanas numa base do ISIS, foram recolhidos centenas de documentos, provando contactos suspeitos entre chefões dos bárbaros e oficiais graduados turcos. Em entrevista ao Observer, oficial americano de inteligência declarou, sob anonimato, que esses documentos poderiam conter “…implicações políticas profundas para as relações entre nós e Ancara.”
Por enquanto, Obama deixou por isso mesmo.
Está sendo muito compreensivo com os turcos.
Depois de 30 anos de violenta guerra civil entre Turquia e revolucionários curdos (25% da população), houve uma trégua, em 2013.
Iniciaram-se negociações de paz que, porém, foram rompidas neste ano.
Não vou analisar aqui quem tem razão.
O fato é que – seja por razões político-eleitorais, seja por um ataque do PKK (partido dos revolucionários curdos) – a Turquia partiu para a briga.
Fez um acordo com os EUA, no qual prometeu bombardear o ISIS e ceder o uso de uma base muito conveniente para a aviação americana usar em suas missões.
Em troca, os EUA concordaram na formação de uma zona de segurança na Síria, fronteiriça à Turquia, proibida para ISIS, forças de Assad, grupos jihadistas e…curdos. E não discordaram dos bombardeios turcos de posições curdas.
Mais: praticamente os apoiaram. Tanto o governo Obama quanto a OTAN apelaram para o já sovado “toda nação tem direito de se defender.”
Os turcos abusaram desse direito.
Além de atacarem os curdos turcos, muito mais do que o ISIS, bombardearam até mesmo os curdos do Iraque, que nada tem a ver com a querela entre o governo de Ancara e os curdos de lá.
A região curda iraquiana goza de autonomia dentro da estrutura do regime de Bagdá.
Sempre foram amigos do Ocidente desde a invasão do Iraque, quando seu povo foi o único do país que tratou o exército americano como libertador.
A amizade EUA- curdos do Iraque continuou, robustecida pela cooperação na luta anti-ISIS.
Não sei como vai ficar depois do governo Obama fechar os olhos para os bombardeios da aviação da Turquia.
Outros aliados dos americanos na região, os rebeldes moderados sírios, também reclamam dos turcos.
O primeiro grupo de 54 desses rebeldes, treinados pelo exército americano para combater o ISIS, foi seqüestrado pelo movimento Nussra, assim que adentrou a Síria. Eles acusam oficiais turcos de terem dado o serviço para o Nussra (segundo relato no McClatchy News).
A razão seria favorecer o fracasso desse programa de treinamento americano, orçado em 500 milhões de dólares, levando Tio Sam a desistir. E passar a treinar os moderados para lutarem contra Assad.
Na verdade, o mais importante para o regime de Ancara não é destruir o ISIS, mas sim o regime sírio.
As autoridades turcas se apressaram em desmentir a matéria do McClatchy.
Obama aceitou suas explicações.
Não quis perder a entrada dos turcos na coalizão anti-ISIS.
Com o acordo Washington-Ancara, os curdos foram deixados de lado.
Terão de encarar sozinhos tanto o exército do ISIS, quanto os bombardeios turcos.
Melhor para o ISIS, pois os curdos, sendo enfraquecidos, não serão mais um adversário à sua altura.
Pior para os EUA. Contando menos com as forças terrestres curdas, vão depender praticamente de apenas sua força aérea e dos aliados. Como os estrategistas ocidentais já reafirmaram, sem exércitos terrestres não será possível acabar com o ISIS.
Por que teria então o governo Obama aceitado um caminho que compromete seu grande objetivo de derrotar o ISIS?
Acredito que, mais uma vez, ele optou pelas prioridades do império em desfavor das prioridades do seu povo.
Derrotar o ISIS e al Qaeda é de extrema importância para garantir a segurança do povo americano e das suas instalações no exterior. Sem falar nos compromissos com os povos amigos da região, estes sob ameaça direta.
No entanto, ao somar com a Turquia, um dos mais fortes países islâmicos, o governo está dando preferência ao aumento der sua influência política na região.
Algo semelhante aconteceu em 2008.
Em entrevista à TV al-Jazeera (31 de julho), o general Michael Flyn , ex-chefe do DIA (Agência de Inteligência de Defesa), revelou que, para combater o regime Assad, os EUA resolveram coordenar o envio de armamentos a grupos ligados à Al Qaeda do Iraque.
Destruir a al Qaeda é prioridade do povo e da nação americana.
Mas, destruir o regime Assad é prioridade do império.
Com a queda do presidente sírio, o Irã, seu aliado e protetor, sofreria uma grande derrota política.
E os EUA teriam enfraquecido o regime de Teerã, firme opositor a sua hegemonia no Oriente Médio.
Na nação americana existe uma porção de congressistas e militares para quem o mais importante é Tio Sam dar as cartas nos quatro cantos do mundo.
Se for necessário uma guerra, eles vão em frente, contando com o poderoso e interesseiro apoio da indústria de armamentos.
Nem sempre vencem.
Agora, por exemplo, o desejo de paz do povo americano e do seu presidente estão conseguindo lhe dar prioridade no acordo nuclear com o Irã.
- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.
29 / 08 / 15
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