Ouvir as ruas, respeitar as urnas
A democracia, segundo Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, é um valor de caráter universal. Durante muito tempo o movimento comunista não incorporou esse princípio, assim como não bebeu dos ventos do eurocomunismo, representado pelo pensamento de Gramsci. Já o Partido dos Trabalhadores, com seus acertos e erros, nasceu junto com a renovação do sindicalismo brasileiro e crítico ao socialismo burocrático e autoritário, liderado por mais de 70 anos pela antiga União Soviética.
É estranho, se não patético, que partidos como o PPS, que se propunha herdeiro das “melhores tradições democráticas” do antigo PCB, e o PSDB, que se autoproclamou socialdemocrata, e cuja expressiva parcela de dirigentes se opôs à ditadura militar, sejam hoje transmissores de ideias e gestos de natureza autoritária e golpista.
O governo precisa sempre ouvir a voz legítima das ruas, mas em atos e declarações contra o governo Dilma e de ódio ao PT ficam claramente expostas manifestações de intolerância e preconceito contra pobres, negros, nordestinos, homossexuais e contra todos os brasileiros, independente de classe social, raça, cor e sexo, que sejam filiados ou simpatizantes do PT ou apenas eleitores de Lula e Dilma. Ou seja, contra a maioria do povo brasileiro, que se formou dentro da lei por quatro eleições seguidas.
Personagens de direita como agripinos e bornhausens, da antiga Arena, braço político da ditadura, são aliados próximos de lideranças tucanas e pepessistas. Todos no mesmo balaio golpista dos bolsonaros e caiados e outros saudosistas do regime de arbítrio e repressão que perdurou por 21 anos, do qual muitos brasileiros, como a presidenta Dilma Rousseff, foram vítimas da barbárie da tortura nos subterrâneos das prisões.
O apoio irresponsável ou o silêncio pusilânime em relação à palavra de ordem do impeachment, sem motivação constitucional, é descarado incentivo ao golpismo que se sabe como começa, mas não quando e como acaba. A oposição udenista, com apoio da grande mídia, condena hipocritamente a corrupção e distorce, mas sabe que ela vem sendo combatida pelas instituições do país, que funcionam plenamente como nunca.
A ruptura da ordem democrática e constitucional seria grave e inaceitável violação dos direitos políticos e civis do povo brasileiro. O protesto político pacífico faz parte da vida democrática de uma nação democrática, mas o revanchismo político pelo “terceiro turno” estimula gestos de intolerância e manifestações e ações antidemocráticas.
A soberania das urnas é um princípio da democracia a ser respeitado por todos. Os que se aliam, de forma permanente ou transitória, às forças autoritárias e golpistas perdem a força ideológica ao restringirem o exercício da democracia a seus próprios interesses. Com isso, os aventureiros perdem a legitimidade politica para defender a democracia.
A grande mídia e os setores conservadores do capital têm apoiado a oposição e o ódio ao PT, mas as manifestações contra o governo Dilma refletem também a insatisfação de amplos setores médios da sociedade brasileira. O golpe de 1964 que derrubou o governo democrático do presidente João Goulart teve o apoio da então classe média contra a corrupção e o comunismo. Hoje, o fantasma comunista foi substituído pelo petismo.
De lá para cá, o Brasil mudou e se transformou numa nação respeitada. Nos últimos 12 anos houve forte ascensão social no país a partir de políticas sociais que reduziram a pobreza e as desigualdades, retirando o Brasil do mapa mundial da fome. A ampliação da classe C, porém, expressa uma nova classe trabalhadora urbana, sem vínculos partidários e sindicais, mais exigente com os seus direitos e com a qualidade dos serviços públicos, em especial saúde, transporte, educação, habitação e segurança.
As dificuldades econômicas são reais e o sistema político representativo precisa de profunda mudança. Ao contrário das manifestações de 15 de março, que também são legítimas, as manifestações de 13 de março organizadas pela CUT, MST, UNE e outras entidades e movimentos sociais reivindicaram e apresentaram propostas democráticas concretas em defesa dos direitos dos trabalhadores, da Petrobras, da reforma agrária, da reforma política e do combate à corrupção, mas sem golpe à democracia.
O diálogo entre governo, partidos, parlamento e sociedade é necessário. O governo precisa ouvir a voz das ruas e todos devem respeitar a soberania dos 55 milhões de brasileiros que - nas urnas - elegeram democraticamente Dilma Presidente. A bandeira da democracia não é dos que a negam. É de quem a defende, sempre.
Osvaldo Russo é conselheiro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)
Artigo publicado no Correio da Cidadania – 17/03/2015
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