Assentar os acampados é reconhecê-los cidadãos
06/03/2015
- Opinión
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, tomou posse com grande expectativa dos movimentos sociais e anunciou, entre as prioridades de sua gestão, a reforma agrária e o assentamento das famílias acampadas no Brasil.
Decidir acampar na beira da estrada e permanecer nela durante tempo indeterminado não é alternativa fácil de seguir. Importa em sacrifício e risco para a família – homens, mulheres, crianças, adolescentes, jovens e idosos. Os movimentos sociais, com sua organização e resistência, têm sido capazes de sinalizar esperança agora e no futuro.
Por isso, os sem terra se juntam, se conscientizam e lutam por terra e condições de vida. Nos dias atuais, se ocupações de terra escandalizam, no passado, a rebelião dos escravos também escandalizava, mas os açoites neles não. Sem ser ouvido, Joaquim Nabuco dizia: “a abolição da escravatura é inseparável da democratização do solo pátrio”.
O conservadorismo reage, mas hoje há leis e, apesar dos altos preços de terra, ainda assim é viável e necessário assentar os sem terra. Custa bem mais para a sociedade não assentar: insegurança alimentar, miséria e pobreza; desigualdades, violação de direitos, migração desordenada e violência. As metrópoles brasileiras e o erário que o digam.
Com investimento de 7,2 bilhões de reais, ao custo médio de 60 mil reais por família, é possível assentar 120 mil famílias sem terra que estão acampadas, segundo o MST, em todo o país. De acordo com o orçamento aprovado, a localização dos acampamentos, a disponibilidade de áreas desapropriáveis para fins de reforma agrária e a oferta de terras, as mesmas poderão ser obtidas mediante os instrumentos legais da desapropriação por interesse social, destinação de terras públicas e, complementarmente, compra direta.
Isso significa apenas 10% dos gastos dos turistas brasileiros no exterior em 2013. As famílias sem terra, após determinado período de assentadas, não mais dependeriam do benefício relativo ao Bolsa Família e deixariam de receber do programa cerca de 1,2 bilhão de reais ao ano. O assentamento dessas famílias seria, assim, financiado pela economia de seis anos de transferências de renda da política social.
Se as indenizações e as compras das terras forem pagas 90% em Títulos da Dívida Agrária (TDA) pelo prazo de 10 anos, em relação à terra nua, e 10% em dinheiro, em relação às benfeitorias, a inclusão produtiva rural, por meio do assentamento das 120 mil famílias acampadas, custaria 60% da transferência de renda para as mesmas, cujo cronograma de execução poderia ser pactuado com os movimentos sociais.
Se esses assentamentos possuírem uma área média de 40 hectares (depende da região), a soma de suas áreas totalizaria 4,8 milhões de hectares. Descontadas as áreas de reserva legal, de preservação permanente, inaproveitáveis e ocupadas por construções, restaria uma área total aproveitável estimada em três milhões de hectares (25 hectares por família). Quantos milhões de toneladas de alimentos seriam produzidos nessas áreas?
Essa política de assentamento, com infraestrutura adequada, reforçaria a presença da agricultura familiar na produção de alimentos saudáveis e na geração de trabalho e renda no meio rural. Associada a outras políticas públicas, como assistência técnica e creditícia, educação, saúde, assistência social, qualificação profissional e habitação, contribuiria para a superação da pobreza rural e o desenvolvimento rural sustentável.
A agenda agrária e social do país é mais ampla, mas em relação ao assentamento dos acampados, o significado para o Brasil é que os deserdados de sua própria terra e que lutam por terra, trabalho e justiça se encontrariam enfim com a Pátria – como cidadãos.
Osvaldo Russo, ex-presidente do Incra, é membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania – 06/03/2015
https://www.alainet.org/de/node/167999
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