Eduardo Cunha, o Brasil de 1954 que não acabou

03/02/2015
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A composição do ministério do Governo Dilma coabitando forças conservadoras, progressistas e figuras controvertidas, para dizer o mínimo, faria sentido [1] para conter a fúria do capital financeiro e inibir o terrorismo econômico, e [2] para assegurar sustentação congressual e, assim, estabilidade política.
 
A eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados com um discurso oposicionista e marcadamente antipetista demonstra, entretanto, as insuficiências e os impasses dessa estratégia.
 
Dos 28 partidos com representação no Congresso, os 10 deles que ocupam cargo ministerial em tese comporiam uma bancada de sustentação governamental com 329 deputados – maioria de 64% da Câmara. A despeito disso, o candidato do Planalto, Arlindo Chinaglia, obteve apenas 136 votos – 26,5% do total.
 
A eleição de Eduardo Cunha encoraja o ambiente de instabilidade provocado pela oposição político-midiática. Oposição que, desde o imediato pós-26 de outubro, não aceita o resultado eleitoral e busca a revanche no estilo neogolpista contemporâneo – “dentro da institucionalidade e da legalidade”.
 
A conjuntura ficou mais complexa. A eleição de Eduardo Cunha exponencia as complicações políticas para o governo numa conjuntura de dificuldades e apertos na economia, de colapso hídrico com impacto na geração energética, de erosão da Petrobrás com réplica na produção nacional e de perseverança da crise capitalista mundial acompanhada da queda do preço das commodities e minérios.
 
O paradoxo, portanto, é que em nome da estabilidade, o governo Dilma cedeu para partidos aliados além do que poderia desejar o mais radical aliancista – os ministérios da Educação, Fazenda e Cidades, por exemplo – e, em contrapartida, recebeu a “doce dose de traição” parlamentar.
 
Se a história vale como advertência, convém relembrar o período de governo do Getúlio Vargas, quando eleito em 1950 com maioria de 49% dos votos e uma representação parlamentar de menos de 15%. Em busca de estabilidade, entregou a maioria do Ministério para os adversários UDN e PSD e para o “inimigo íntimo” PSP, restando ao seu PTB uma única Pasta, a do Trabalho.
 
Nem assim Getúlio teve trégua. Foi alvo permanente da histeria lacerdista [hoje seria “aecista/caprilista”] e da ameaça político-midiática de impeachment. A cada novo ataque desestabilizador perpetrado pela “própria” base parlamentar, Getúlio nomeava novos traidores para o Ministério – o suicídio foi o limite.
 
A resposta eficiente do governo Dilma à nova realidade política não pode se reduzir ao carteado com os cargos dos escalões inferiores. A situação mostra que o governo não tem respaldo confiável nem nas forças que habitam a Esplanada e, menos ainda, nas que dominam o Legislativo. O governo necessita urgentemente engendrar outros dispositivos de sustentação, para além da coalizão ministerial e do “apoio” parlamentar.
 
No período de 1951 a 1954, a sensação de fim de mundo impregnada no debate público pelo setor político-midiático deslocou a arena da luta de classes das ruas para o Parlamento, nitidamente controlado pelo conservadorismo golpista.
 
A enorme popularidade de Getúlio que – intimidada pela ofensiva da direita e não acionada pelo governo – esteve anestesiada durante as mais vis agressões sofridas por ele, finalmente irrompeu do solo na manhã do trágico 24 de agosto de 1954, derrubando viaturas da mídia oposicionista e arrastando os conspiradores. Mas aí Getúlio já tinha se convertido em mito ...
 
O ano é 2015, mas o arcaísmo da classe dominante não tolera o Brasil pavimentando o caminho para seu futuro de igualdade, direitos, soberania e independência. Há um evidente confronto de interesses na sociedade brasileira, e a bandeira mágica da direita é o impeachment da Presidente Dilma.
 
A preservação democrática do mandato da Presidente Dilma, a continuidade e o avanço das mudanças, neste contexto, depende cada vez mais da capacidade do governo exercer o poder com a presença intensa e organizada do povo na implementação do programa eleito nas urnas em 26 de outubro.
 
A iniciativa política do governo será ineficiente, todavia, se, além de trazer o povo para a arena dos conflitos fundamentais, ele não se comunicar adequadamente e não construir uma narrativa ao povo brasileiro sobre as transformações humanas, produtivas, sociais e culturais que tanto ódio suscitam na direita.
 
Publicado na Agência Carta Maior
https://www.alainet.org/de/node/167292?language=en
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