Novos paradigmas

02/12/2014
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A morte da modernidade merece missa de sétimo dia? Os pais da modernidade nos deixaram de herança a confiança nas possibilidades da razão e nos ensinaram a si­tuar o ser humano no centro do pensamento e a acreditar que a razão sem dogmas e donos construiria uma socieda­de livre e justa.
 
Pouco afeitos ao delírio e à poesia, não prestamos aten­ção à crítica romântica da modernidade – Byron, Rimbaud, Burckhardt, Nietzsche e Jarry. Agora, olhamos em volta e o que vemos? As ruínas do Muro de Berlim, a Estátua da Li­berdade tendo o mesmo efeito no planeta que o Cristo do Corcovado na vida cristã dos cariocas, o desencanto com a política, o ceticismo frente aos valores. Somos invadidos pe­la incerteza, a consciência fragmentária, o sincretismo do olhar, a disseminação, a ruptura e a dispersão. O evento soa mais importante que a história e o detalhe sobrepuja a fun­damentação.
 
O pós-moderno aparece na moda, na estética ou no es­tilo de vida. É a cultura de evasão da realidade. De fato, não estamos satisfeitos com a inflação, com a nossa fi­lha gastando mais em pílulas de emagrecimento que em livros e causa-nos profunda decepção saber que, neste país, a impunidade é mais forte que a lei.
 
Ainda assim, temos esperança de mudá-lo. Recuamos do social ao privado e, rasgadas, as antigas bandeiras de nos­sos ideais transformam-se em gravatas estampadas. Já não há utopias de um futuro diferente. Hoje, no mínimo é consi­derado politicamente incorreto propagar a tese de conquis­ta de uma sociedade onde todos tenham iguais direitos e oportunidades.
 
Agora, predominam o efêmero, o individual, o subjeti­vo e o estético. Que análise de realidade previu a volta da Rússia à sociedade de classes? Resta-nos captar fragmen­tos do real (e aceitar que o saber é uma construção coleti­va). Nosso processo de conhecimento se caracteriza pela indeterminação, descontinuidade e pluralismo.
 
A desconfiança da razão nos impele ao esotérico, ao espi­ritualismo de consumo imediato, ao hedonismo consumis­ta, em progressiva miamização de hábitos e costumes. Esta­mos em pleno naufrágio ou, como predisse Heidegger, ca­minhando por veredas perdidas.
 
Sem o resgate da ética, da cidadania e das esperanças li­bertárias, e do Estado-síndico dos interesses da maioria, não haverá justiça, exceto aquela que o mais forte faz com as próprias mãos.
 
Ingressamos na era da globalização. Graças às redes de computadores, um rapaz de São Paulo pode namorar uma chinesa de Beijing sem que nenhum dos dois saia de casa. Bilhões de dólares são eletronicamente transferidos de um país a outro no jogo da especulação, derivativo de ricos. Ca­em as fronteiras culturais e econômicas, afrouxam-se as po­líticas e morais. Prevalece o padrão do mais forte.
 
A globalização tem sombras e luzes.
 
- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Luiz Fernando Verís­simo e Cristovam Buarque, de O desafio ético (Garamond), entre outros livros.
 
02/12/2014
 
https://www.alainet.org/de/node/165882?language=es
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