As armas da direita: alienação e preconceito
20/10/2014
- Opinión
O Muro de Berlim caiu em 1989, mas parece incrível que existam pessoas que ainda não se deram conta disso. Uma prova são as contínuas críticas de eventuais apoios financeiros do Brasil para investimentos em Cuba, no Haiti, em Angola, e uma série de países pobres no mundo.
Recentemente chegou ao nosso conhecimento que uma pessoa ligou para alguns membros da minha família dizendo para não votar na Dilma e no PT porque a “Dilma é uma mulher que não presta e é comunista”. Pior do que isto, alguns desavisados fazem circular na rede mundial gravações de vídeos de notórios conservadores, como, por exemplo, Olavo de Carvalho, como se isso fosse argumento para mudar o voto.
Não sabemos o motivo real destas posturas. Se desinformação, se má fé, ou por uma mentalidade realmente atrasada. Lembramos do excelente filme alemão “Adeus Lenin”, quando um jovem fez peripécias para esconder da sua mãe a unificação do país.
E aqui cabe uma pequena aulinha de história e de teoria política. Nem o Partido dos Trabalhadores pode ser associado ao comunismo, pelo menos ao comunismo de bases soviéticas, e a tese de que “comunista come criancinha” não tem o menor fundamento.
Fundado em 1980, o PT foi composto por um movimento de esquerda contrário às doutrinas que vinham da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, especialmente das bases estalinistas. A hegemonia de formação do partido foi dos movimentos sociais trabalhistas, do novo sindicalismo, e os defensores do socialismo democrático, de base trotskysta ou europeia. Em todos os casos, a posição ideológica do Partido sempre foi contra qualquer tipo de ditadura.
É evidente que muitos ex-guerrilheiros tiveram contato com Cuba, pois na época o país centro-americano representava um símbolo da luta contra o imperialismo norteamericano no continente. Mas dentre estes não encontramos a corajosa Dilma Rousseff.
Cuba, apesar de ínfima em termos de território e economia, sempre representou uma “pedra no sapato” dos Estados Unidos, razão pela qual sofreu uma das mais agressivas e violentes ações de isolamento econômico da história. A ideia do governo de Washington era impedir que novos movimentos insurgentes brotassem no seu “quintal latino-americano”, motivo pelo qual adotou a velha estratégia do Império Romano de “vencer o adversário pela fome”.
O resultado prático da ação americana foi o fechamento do regime, e a transformação de uma potencial alternativa de socialismo democrático, em mais uma base da doutrina moscovita. Mesmo assim, alguns efeitos positivos brotaram do fechamento econômico do Cuba, como excelentes sistemas de educação e saúde. Aliás, o personagem fictício “Dr. House”, de extinto seriado da rede norteamerica Fox afirmou que “uma das coisas que Fidel Castro sabe fazer é formar bons médicos”.
Já o comunismo, como ideal teórico do pensamento marxista é algo muito diferente do que foi implementado no leste europeu. É uma sociedade igualitária, uma etapa superior do desenvolvimento humano, inclusive do desenvolvimento do capitalismo, onde as pessoas seriam respeitadas pelo seu valor intrínseco como seres humanos, e não como mercadorias:
“Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. [Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha]
Marx é um dos mais notáveis intelectuais da humanidade, e foi vítima, inclusive, de algum dos seus seguidores, que reificaram o seu pensamento, transformando as suas obras em doutrina, e não num pensamento em movimento, permanentemente atualizado, como pensava o criador do materialismo histórico.
Ainda com relação ao igualitarismo proposto por Marx, podemos encontrar referências interessantes até mesmo na Bíblia, como demonstra o trecho abaixo do Novo Testamento:
“Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade”. [Atos 4:32/35]
Portanto, a busca de uma sociedade igualitária, onde todos sejam respeitados no âmbito da sua dignidade, é algo comum à sociedade, inclusive bandeira e lema da Revolução Francesa de 1789: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Com relação aos investimentos em Cuba, Haiti, Angola, Nicarágua, Venezuela, Bolívia e outros países Africanos ou Latino-americanos, a resposta pode ser encontrando no velho e tradicional capitalismo.
Com ascensão do Partido dos Trabalhadores ao Governo Federal em 2003, o Brasil abandou a sua posição subordinada e assumiu a condição de protagonista na política internacional. Deixamos de assessorar a diplomacia norteamericana para propor agendas multilaterais, onde a construção dos BRICS e da UNASUL são as maiores vitórias.
Além do debate sobre a ocupação de espaço no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil vem realizando um movimento silencioso para aumentar a sua influência internacional, utilizando-se tanto do crédito ao desenvolvimento, como pelo apoio institucional a países em conflito.
Por mais que os reacionários critiquem, devemos lembrar que os cubanos, bolivianos, nicaraguenses, venezuelanos, e nativos de países pobres de todo o globo também consomem os nossos produtos, e acelerar os laços comerciais com esses países é um passo adiante no fortalecimento da nossa política internacional, especialmente se considerarmos a crise das economias europeia e estadunidense.
Cuba é um país que vem passando por uma abertura acelerada ao mercado produtor mundial, e se o Brasil não tomasse a dianteira, isso seria feito pela China, pela Rússia, ou outro país com capacidade de investimento. Além disso, firmar posição na América Central é uma medida para avançar sobre três mercados consumidores poderosos, mesmo com a crise dos Estados Unidos, que são o norteamericano, o mexicano e o canadense.
Investir em outros países é uma forma de fortalecer a nossa economia, e criar um crédito de futuro, muito além do horizonte estreito dos acordos bilaterais propostos por Aécio Neves, ou pela míope da política externa da era FHC. Neste campo, tanto com Lula como com Dilma, o Brasil vem mostrando que pode muito mais em termos de política internacional, tanto na construção de um modelo multipolar mais igualitário, como na liderança da voz dos países do Sul.
De acordo com informação prestada pela própria Folha de São Paulo na sua edição de 27 de janeiro de 2014, em 2013 o Brasil investiu, via BNDES, R$ 152,7 milhões em Cuba, mas R$ 436,27, nos Estados Unidos. Além disso, também ofereceu crédito a países como Peru, Venezuela, República Dominicana e México. Esta é uma ação soberana, de um país que não recebe mais intervenção do Fundo Monetário Internacional – FMI, o que sempre ocorreu desde a ditadura militar até o fracassado governo tucano da década de noventa.
A dependência do FMI chegou ao ponto de parecer um obstáculo instransponível, tamanha a subserviência dos governos do PSDB para com o referido organismo internacional.
Uma prova disso é que nossas exportações saltaram de parcos U$ 60 bilhões em 2002, para mais de 242 bilhões apenas em 2013. Número que será ainda maior ao final de 2014, mesmo com as crises europeia e norte-americana.
E aqui retornamos ao problema inicial. Por que setores conservadores ainda apelam para discursos tão obsoletos, do século passado, como o de que petistas são comunistas, ou de que investir em Cuba ou qualquer outro país pobre é uma prova de “mero apoio aos amigos”, ou gastos desnecessários?
Existem dois fatores chave e que não podem ser desconsiderados: o primeiro é a limitação da direita ao argumento do ódio; o segundo é a derrubada de hierarquias sociais.
Sobre o argumento do ódio já tratamos diversas vezes, pois consiste da pregação pelos quadros da direita política de argumentos ofensivos aos excluídos e aos diferentes. São exemplos mais gritantes as ofensas a negros, homossexuais e nordestinos pela classe média paulista, a absurda ofensa de FHC aos gaúchos, nordestinos e mineiros (chamados de mal informados moradores de grotões), para explicar a derrota política do seu partido nos referidos estados, e as agressões praticadas contra a imagem de Dilma Rousseff pelo fato desta ser mulher, dentre outros.
Para um reacionário convicto, é necessário despolitizar a política e manejar ressentimentos objetivando manter o seu poder.
Quanto à derrubada de hierarquias sociais, apenas um exemplo resume o peso dessa diferença: durante a hera FHC foram emitidas menos de 30 milhões de passagens aéreas. Até o ano passado, esse número já havia ultrapassado, de longe, 100 milhões.
Isso quer dizer que novos grupos sociais estão ingressando na esfera do consumo, e se utilizando de serviços que no passado estavam restritos a uma pequena elite. Antigamente, trabalhadores só ingressavam em aviões a serviço, hoje se utilizam desse meio de transporte para migrar de canto a canto do território nacional, quando não do exterior, para visitar familiares, ou ainda fazer pequenas viagens de lazer durante as férias.
O desespero de setores da classe média alta paulista contra os “rolezinhos” em shopping-centers é prova de que as hierarquias sociais ainda são defendidas pelas elites conservadoras, que não aceitam a mera presença dos jovens da periferia num espaço que pensar seu exclusivamente seu.
Nos governos de Dilma e de Lula, mais de 50 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema, e 38 milhões migraram para a nova classe média. Os médicos cubanos, argentinos, portugueses, espanhóis, e de outras nacionalidades, que atuam no “Programa Mais Médicos”, e odiados por setores da mídia e pelos conservadores, atendem mais de 50 milhões de pessoas nos “grotões” odiados e desprezados por Fernando Henrique Cardoso.
Em síntese, há uma inegável mudança na qualidade de vida dos mais pobres, que não se vendem mais por salários irrisórios no mercado de trabalho. Se na década de noventa, durante o governo do PSDB, ser pedreiro não representava garantia de trabalho, depois da ascensão de Lula e Dilma, é uma profissão valorizada, e cada vez mais disputada no mercado da construção civil.
Existem, também, os “falsos ricos”. Aqueles que depois de um pequeno salto na estratificação social, passam a enxergar-se no topo, e a reproduzir práticas e preconceitos puramente conservadores.
Como prova de que as aparências e hierarquias sociais ainda são importantes para os mais conservadores, conto mais uma estória de conhecidos, mas sem citar nomes. Conhecemos uma senhora, de muito boa educação, que lutou a vida inteira para a filha estudar numa faculdade de medicina. Depois de vários vestibulares a jovem ingressou numa universidade pública. O curioso é que no final do curso a mãe sentiu que a filha sequer deixava que os colegas de faculdade a levassem até em casa, o que achou estranho. Muito tempo depois, descobriu que a menina escondia dos seus colegas de classe média as suas origens, especialmente o fato de ser filha de uma trabalhadora. Não preciso nem contar que essa pessoa cheia de preconceitos, contra si e a sua família, vai votar em Aécio Neves.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado e mestre em ciências sociais e Luciana Leal de Matos de Miranda, advogada.
https://www.alainet.org/de/node/164894
Del mismo autor
- A morte do neoliberalismo? Os Caminhos da Economia Global No Pós-pandemia 30/03/2020
- Pandemia expõe fracasso prático da ideologia neoliberal 17/03/2020
- A barbárie ambiental brasileira 23/08/2019
- Pós-verdade? a nova direita e a crise da racionalidade moderna 29/04/2019
- O escandaloso crime do Caixa 2 da Lava Jato e as suas consequências 12/03/2019
- Sérgio Moro e a sua “solução final” 20/02/2019
- Mineração: Como Nascem Crimes Ambientais como Bento Ribeiro e Brumadinho 06/02/2019
- O decreto da desumanização 17/01/2019
- A perigosa ignorância fabricada da direita 07/01/2019
- Perseguição a Lula escancara absurdos do sistema prisional brasileiro pós 2016 20/12/2018