Criança, entre livros e TV
07/04/2011
- Opinión
Foi o psicanalista José Ângelo Gaiarsa, um dos mestres de meu irmão Léo, também terapeuta, que me despertou para as obras de Glenn e Janet Doman, do Instituto de Desenvolvimento Humano de Filadélfia. O casal é especialista no aprimoramento do cérebro humano.
Os bichos homem e mulher nascem com cérebros incompletos. Graças ao aleitamento, em três meses as proteínas dão acabamento a este órgão que controla os nossos mínimos movimentos e faz o nosso organismo secretar substâncias químicas que asseguram o nosso bem-estar. Ele é a base de nossa mente e dele emana a nossa consciência. Todo o nosso conhecimento, consciente e inconsciente, fica arquivado no cérebro.
Ao nascer, nossa malha cerebral é tecida por cerca de 100 bilhões de neurônios. Aos seis anos, metade desses neurônios desaparecem como folhas que, no outono, se desprendem dos galhos. Por isso, a fase entre zero e 6 anos é chamada de “idade do gênio”. Não há exagero na expressão, basta constatar que 90% de tudo que sabemos de importante à nossa condição humana foram aprendidos até os 6 anos: andar, falar, discernir relações de parentesco, distância e proporção; intuir situações de conforto ou risco, distinguir sabores etc.
Ninguém precisa insistir para que seu bebê se torne um novo Mozart que, aos 5 anos, já compunha. Mas é bom saber que a inteligência de uma pessoa pode ser ampliada desde a vida intrauterina. Alimentos que a mãe ingere ou rejeita na fase da gestação tendem a influir, mais tarde, na preferência nutricional do filho. O mais importante, contudo, é suscitar as sinapses cerebrais. E um excelente recurso chama-se leitura.
Ler para o bebê acelera seu desenvolvimento cognitivo, ainda que se tenha a sensação de perda de tempo. Mas é importante fazê-lo interagindo com a criança: deixar que manipule o livro, desenhe e colora as figuras, complete a história e responda a indagações. Uma criança familiarizada desde cedo com livros terá, sem dúvida, linguagem mais enriquecida, mais facilidade de alfabetização e melhor desempenho escolar.
A vantagem da leitura sobre a TV é que, frente ao monitor, a criança permanece inteiramente receptiva, sem condições de interagir com o filme ou o desenho animado. De certa forma, a TV “rouba” a capacidade onírica dela, como se sonhasse por ela.
A leitura suscita a participação da criança, obedece ao ritmo dela e, sobretudo, fortalece os vínculos afetivos entre o leitor adulto e a criança ouvinte. Quem de nós não guarda afetuosa recordação de avós, pais e babás que nos contavam fantásticas histórias?
Enquanto a família e a escola querem fazer da criança uma cidadã, a TV tende a domesticá-la como consumista. O Instituto Alana, de São Paulo, do qual sou conselheiro, constatou que num período de 10 horas, das 8h às 18h de 1º de outubro de 2010, foram exibidos 1.077 comerciais voltados ao público infantil; média de 60 por hora ou 1 por minuto!
Foram anunciados 390 produtos, dos quais 295 brinquedos, 30 de vestuário, 25 de alimentos e 40 de mercadorias diversas. Média de preço: R$ 160! Ora, a criança é visada pelo mercado como consumista prioritária, seja por não possuir discernimento de valor e qualidade do produto, como também por ser capaz de envolver afetivamente o adulto na aquisição do objeto cobiçado.
Há no Congresso mais de 200 projetos de lei propondo restrições e até proibições de propaganda ao público infantil. Nada avança, pois o lobby do Lobo Mau insiste em não poupar Chapeuzinho Vermelho. E quando se fala em restrição ao uso da criança em anúncios (observe como se multiplica!) logo os atingidos em seus lucros fazem coro: “Censura!”
Concordo com Gabriel Priolli: só há um caminho razoável e democrático a seguir, o da regulação legal, aprovada pelo Legislativo, fiscalizada pelo Executivo e arbitrada pelo Judiciário. E isso nada tem a ver com censura, trata-se de proteger a saúde psíquica de nossas crianças.
O mais importante, contudo, é que pais e responsáveis iniciem a regulação dentro da própria casa. De que adianta reduzir publicidade se as crianças ficam expostas a programas de adultos nocivos à sua formação?
Erotização precoce, ambição consumista, obesidade excessiva e mais tempo frente à TV e ao computador que na escola, nos estudos e em brincadeiras com amigos, são sintomas de que seu ou sua querido(a) filho(a) pode se tornar, amanhã, um amargo problema.
- Frei Betto é escritor, autor de “Maricota e o mundo das letras” (Mercuryo Jovem), entre outros livros.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
Os bichos homem e mulher nascem com cérebros incompletos. Graças ao aleitamento, em três meses as proteínas dão acabamento a este órgão que controla os nossos mínimos movimentos e faz o nosso organismo secretar substâncias químicas que asseguram o nosso bem-estar. Ele é a base de nossa mente e dele emana a nossa consciência. Todo o nosso conhecimento, consciente e inconsciente, fica arquivado no cérebro.
Ao nascer, nossa malha cerebral é tecida por cerca de 100 bilhões de neurônios. Aos seis anos, metade desses neurônios desaparecem como folhas que, no outono, se desprendem dos galhos. Por isso, a fase entre zero e 6 anos é chamada de “idade do gênio”. Não há exagero na expressão, basta constatar que 90% de tudo que sabemos de importante à nossa condição humana foram aprendidos até os 6 anos: andar, falar, discernir relações de parentesco, distância e proporção; intuir situações de conforto ou risco, distinguir sabores etc.
Ninguém precisa insistir para que seu bebê se torne um novo Mozart que, aos 5 anos, já compunha. Mas é bom saber que a inteligência de uma pessoa pode ser ampliada desde a vida intrauterina. Alimentos que a mãe ingere ou rejeita na fase da gestação tendem a influir, mais tarde, na preferência nutricional do filho. O mais importante, contudo, é suscitar as sinapses cerebrais. E um excelente recurso chama-se leitura.
Ler para o bebê acelera seu desenvolvimento cognitivo, ainda que se tenha a sensação de perda de tempo. Mas é importante fazê-lo interagindo com a criança: deixar que manipule o livro, desenhe e colora as figuras, complete a história e responda a indagações. Uma criança familiarizada desde cedo com livros terá, sem dúvida, linguagem mais enriquecida, mais facilidade de alfabetização e melhor desempenho escolar.
A vantagem da leitura sobre a TV é que, frente ao monitor, a criança permanece inteiramente receptiva, sem condições de interagir com o filme ou o desenho animado. De certa forma, a TV “rouba” a capacidade onírica dela, como se sonhasse por ela.
A leitura suscita a participação da criança, obedece ao ritmo dela e, sobretudo, fortalece os vínculos afetivos entre o leitor adulto e a criança ouvinte. Quem de nós não guarda afetuosa recordação de avós, pais e babás que nos contavam fantásticas histórias?
Enquanto a família e a escola querem fazer da criança uma cidadã, a TV tende a domesticá-la como consumista. O Instituto Alana, de São Paulo, do qual sou conselheiro, constatou que num período de 10 horas, das 8h às 18h de 1º de outubro de 2010, foram exibidos 1.077 comerciais voltados ao público infantil; média de 60 por hora ou 1 por minuto!
Foram anunciados 390 produtos, dos quais 295 brinquedos, 30 de vestuário, 25 de alimentos e 40 de mercadorias diversas. Média de preço: R$ 160! Ora, a criança é visada pelo mercado como consumista prioritária, seja por não possuir discernimento de valor e qualidade do produto, como também por ser capaz de envolver afetivamente o adulto na aquisição do objeto cobiçado.
Há no Congresso mais de 200 projetos de lei propondo restrições e até proibições de propaganda ao público infantil. Nada avança, pois o lobby do Lobo Mau insiste em não poupar Chapeuzinho Vermelho. E quando se fala em restrição ao uso da criança em anúncios (observe como se multiplica!) logo os atingidos em seus lucros fazem coro: “Censura!”
Concordo com Gabriel Priolli: só há um caminho razoável e democrático a seguir, o da regulação legal, aprovada pelo Legislativo, fiscalizada pelo Executivo e arbitrada pelo Judiciário. E isso nada tem a ver com censura, trata-se de proteger a saúde psíquica de nossas crianças.
O mais importante, contudo, é que pais e responsáveis iniciem a regulação dentro da própria casa. De que adianta reduzir publicidade se as crianças ficam expostas a programas de adultos nocivos à sua formação?
Erotização precoce, ambição consumista, obesidade excessiva e mais tempo frente à TV e ao computador que na escola, nos estudos e em brincadeiras com amigos, são sintomas de que seu ou sua querido(a) filho(a) pode se tornar, amanhã, um amargo problema.
- Frei Betto é escritor, autor de “Maricota e o mundo das letras” (Mercuryo Jovem), entre outros livros.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
https://www.alainet.org/de/node/148865?language=es
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