A lógica do poder
19/10/2001
- Opinión
A lógica analítica predomina nos EUA. Percebe folhas e galhos, mas
não a árvore e, muito menos, a floresta. Ao contrário da lógica
dialética, ela encara o texto fora do contexto e rege, por exemplo,
as políticas monetaristas do FMI, insensíveis aos problemas sociais.
Por isso, não surpreende que a lógica analítica acredite que John
Kennedy foi assassinado pela loucura de Lee Oswald; as 168 vítimas da
explosão de um prédio em Oklahoma, mortas pelo terror ianque de
McVeigh; e os atentados de 11 de setembro fruto da mente insandecida
do Osama Bin Laden.
A lógica analítica é tão contraditória quanto a chuva de bombas e
alimentos que desaba sobre o Afeganistão. Petardos e pães; morte e
vida. Desde as tentações de Jesus no deserto da Judéia, nas
proximidades de Jericó, Deus e o diabo não andavam tão próximos.
Nos dois primeiros dias de guerra, os EUA gastaram US$ 22 bilhões em
munições. O que equivale ao PIB do Afeganistão. Um míssel Tomahawk
custa US$ 1 milhão. Para os jovens soldados, que atiram como confetes
o que vale muito mais do que haverão de acumular em todos os anos de
trabalho, a morte possui cotação superior à da vida. E o inimigo é
virtual, já que não vêem vítimas e alvos atingidos.
No Ocidente, poucos viram as fotos e os vídeos retratando a morte de
150 mil iraquianos atingidos pelos mísseis de 1991. Do ponto de vista
psicológico, a síndrome da guerra asséptica induz ex-combatentes a
descarregarem seus fuzis na lanchonete da esquina, numa compensação
paranóica de quem, enfim, se depara com corpos e sangue!
Do colonialismo renascentista à Guerra Fria, a geopolítica das nações
metropolitanas raciocinava em termos de conquistas territoriais. No
século XVI, a Península Ibérica apropriou-se das terras descobertas
por Colombo e Cabral. No século XIX, os EUA anexaram a seu território
metade do México e todo Porto Rico. No século XX, a Rússia enfeixou,
na União Soviética, dezenas de países, e o nazifascismo subjugou todo
o continente europeu, das fronteiras da Inglaterra às da Rússia, com
exceção da Suíça.
Agora, a globocolonização já não raciocina em termos de expansão
territorial, mas de controle total através da tecnologia virtual. A
psicopolítica sucede a geopolítica, pois importa mais a sujeição de
corações e mentes que a anexação de áreas físicas. Os EUA não
solicitam à ONU licença para atacar outros países que, supostamente,
abrigam terroristas. Apenas comunicam que o fará, relegando a ONU à
categoria de um clube de retórica.
A Casa Branca é, hoje, o governo do mundo. Suas decisões independem
de leis e aprovações formais. O direito internacional reduz-se à lei
do talião que, como constava num cartaz pacifista exibido esses dias
pela TV, na guerra de olho por olho todos acabam cegos.
Os terroristas de 11 de setembro entregaram a Tio Sam, com seus vôos
camicases, as asas que o império americano precisava para submeter
todo o planeta à sua soberana vontade. Quem acredita que a Corte
Internacional de Haia haverá de punir eventuais crimes de guerra
cometidos pelos EUA no Afeganistão? Ficarão impunes como Robert
Hayes, agente terrorista da CIA no Brasil, que em 1976 recebeu
instruções para colocar bombas em três alvos paulistanos, de modo a
culpar as organizações de esquerda: um teatro, a catedral da Sé e o
consulado americano. Essa mesma lógica do terror de Estado fez
explodir bombas, no Rio, na Editora Civilização Brasileira, na OAB e
no Riocentro. Tudo em nome da democracia e da liberdade. Graças ao
heroísmo do capitão Sérgio Macaco, do Parasar, o Gasômetro não foi
pelos ares.
Como se explica que, com tanta disposição e recursos para combater o
terrorismo, a Máfia e o narcotráfico continuem a atuar nos EUA, a
ponto de roubarem sucata dos escombros do WTC? A lógica analítica
parece não se dar conta de que a globalização da violência só será
vencida pela globalização da solidariedade. Enquanto a humanidade não
estabelecer as premissas básicas de uma macroética, capaz de regular
a convivência internacional, facões de seqüestradores e falcões da
política continuarão a matar a pomba da paz.
https://www.alainet.org/de/node/105375?language=es
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