A utopia da humanidade no segundo pos-guerra foi o desenvolvimento, expresso de distintas formas - no Estado keynesiano dos países caitalistas avançados, na expansão prioritário das forças produtivas do socialismo soviético e no "desenvolvimentismo" industrial na periferia capitalista. A passagem da economia capitalista a seu ciclo longo recessivo e o esgotamento do modelo soviético mudaram os modelos hegemônicos e o crescimento econômico foi substituído pela estabilidade monetária - utopia típica dos ciclos longos recessivos, em que ainda nos encontramos.. Projetou-se a hegemonia do capital financeiro, ao lado da prioridade das políticas de desregulamentação e de estabilização monetária. Os Estados nacionais se debilitaram nos países globalizados, enquanto mantinham sua força nos globalizadores. A concentração do poder mundial ganhou formas novas, atentando frontalmente contra a democracia. Rudiger Dornbusch - com a desenvoltura que o caracteriza - escreveu, na semana passada: "Dinheiro democrático é dinheiro ruim". (FSP, 7/1/2000_Em outras palavras, dinheiro é uma coisa muito importante para ser submetido à vontade popular. Daí as teses da "autonomia" dos Bancos centrais e, mais recentemente, da dolarização definitiva das moedas. O próprio Dorsbusch explicita o objetivo: "a política se divorciará completamente das finanças públicas". Decidirá quem tem dinheiro, não quem trabalha, produz riqueza, mas não dispõem de capital. O Equador leva às últimas conseqüências as políticas de privilégio da estabilidade monetária, que no Brasil assumem a forma da submissão - ao ponto da anulação - de qualquer projeto de desenvolvimento ao ajuste fiscal e, na Argentina, a paridade. Para quem concebe a estabilidade monetária como pre- condição do desenvolvimento, essa é a utopia. Para quem sabe que, ao contrário, o desenvolvimento é que é condição da estabilidade monetária - tanto assim que nem a Alemanha ou o Japão se colocam a dolarização, mas economias periféricas estagnadas, como as nossas - a dolarização é um suicídio - econômico, social e político. Renunciar à moeda nacional é o complemento da renúncia à ter uma política monetária própria, a primeira e a mais essencial das reformas neo-liberais dos governos latino-americanos. Na sua lógica estão não apenas a dolarização, como a liberalização absoluta do comércio mundial, a internacionalização total do sistema bancário, a Alca (com a consolidação definitiva da hegemonia norte- americana no continente) e o fim dos Bancos Centrais, com o lema: Basta de intermediários: todo o poder ao Federal Reserva. Afinal, ainda há espaço na bandeira dos EUA para mais algumas estrelinhas. Malan e Arminio Fraga poderão voltar a Washington - desta vez sem passaporte - com o sentimento do dever cumprido. O dinheiro estará em boas mãos e a política definitivamente segregada das finanças - que já não merecerão o nome de "públicas", mas de privadas. O capitalismo terá imposto, assim, definitivamente, sua lógica à democracia, com a mercantilização e a monetarização geral.