Dificuldade nas urnas força PSDB a recalcular tamanho do partido

21/09/2014
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Orlando Brito/Coligação Muda Brasil
Aécio e Alckmin devem disputar atenções dentro do partido a partir de 2015: uma 'renovação' sem novos
 
Brasília – Não há mais como postergar o debate. Com a possibilidade de perder a eleição para a presidência da República pela quarta vez consecutiva (2002, 2006, 2010 e 2014) e de ficar fora do 2º turno pela segunda vez na história (a primeira foi em 89), o PSDB precisará ser repensado. Reconstruído em relação às lideranças e, principalmente, quanto ao futuro que se espera para a legenda. Essa é a opinião de parlamentares, sociólogos, cientistas políticos e acadêmicos, que têm discutido o assunto nos últimos dias.
 
O fato de uma legenda reestruturar projetos e estratégia de atuação após um pleito eleitoral pode até ser corriqueiro, mas a questão, no caso dos tucanos, é saber se eles terão poder para se manter como oposição a partir de 2015, se possuem lideranças suficientemente fortes para atuar pela sigla no Congresso Nacional e, sobretudo, se os arranjos firmados nesta eleição deixarão o PSDB mais voltado para o propósito de quando foi criado, na década de 1980, ou manterão o partido atrelado à direita, como tem sido observado mais recentemente.
 
“O PSDB estará numa encruzilhada depois de outubro. É uma legenda que não conseguiu vender a imagem de mudança. Seu discurso falou mais de restauração em si do que de mudança”, afirma o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB).
 
O acadêmico analisa que a situação dos tucanos nas eleições de 2014 é reflexo da incapacidade de se comunicar com a população e construir militância. “O fato de o PSDB não ir para o segundo turno quebra uma polarização com o PT. Além disso, a diferença de Aécio Neves para Dilma Rousseff indica que, apesar de os petistas estarem há 12 anos no poder, a população ainda tem uma rejeição maior ao PSDB do que ao PT. O partido terá de estudar novas estratégias de reconstrução, pois não tem militância, as decisões tendem a ser tomadas de forma restrita e elitizada e é observada nítida dificuldade de se criar um canal de comunicação com as pessoas, o que ficou bem claro nesta campanha”, ressalta.
 
Barreto é acompanhado no argumento por nomes de peso na história da elaboração do pensamento tucano. "O grande problema do PSDB é que o partido não conseguiu se articular como oposição durante os governos petistas”, enfatiza o filósofo José Arthur Giannotti – que já pertenceu à sigla e hoje se diz "tucanoide e não tucano."
 
Intelectual bastante ligado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o historiador Boris Fausto também não mede palavras para apontar que o PSDB passa por um momento muito delicado. “O partido vive uma crise de liderança séria”, acrescenta
 
Entre os políticos integrantes da sigla, há quem avalie que a grande preocupação é a busca por lideranças nacionais e a consolidação das já existentes, uma vez que o PSDB não soube fazer novos nomes com condições para despontar no cenário nacional depois que deixou a presidência, em 2003, orbitando sempre em torno dos mesmos políticos e apresentando muito mais cisões do que pontos de consenso entre a bancada. Nas disputas presidenciais, repetiu duas vezes José Serra, apostou uma em Geraldo Alckmin e outra em Aécio Neves, todos nomes conectados, em maior ou menor grau, a correntes antigas da política. Em contraponto, existe um pensamento que prefere acreditar que, apesar das derrotas seguidas nas eleições presidenciais, os tucanos seguem numa linha positiva.
 
Esse segundo raciocínio é motivado por articulações para as eleições deste ano tanto para o retorno ao Congresso Nacional de tucanos históricos, como José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE), que têm chance de ocupar vagas no Senado a partir de 2015, como a reeleição de parlamentares, caso de Álvaro Dias (PR), que, segundo pesquisas, tende a ser o senador mais votado do país (embora já tenha rompido com o PSDB em 2002 e retornado em seguida) – além do próprio Aécio Neves, que tem mais quatro anos pela frente como senador.
 
Nova geração?
 
O cientista político Leonardo Barreto tem uma opinião diferente da de políticos que comemoram a volta de "quadros fortes" entre os tucanos ao Congresso. Ele destaca que o retorno de antigos nomes só corrobora a ideia de que não houve renovação na legenda. Cita como exemplo o PT, que, mesmo tendo lideranças contestadas, reúne pessoas que podem ser consideradas uma segunda geração da legenda: Gleisi Hoffmann, senadora e candidata ao governo do Paraná, Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, e Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde e candidato ao governo de São Paulo.
 
“No PSDB, não houve isso. Alguns nomes que poderiam ter formado uma segunda geração terminaram, por motivos variados, saindo do partido e até romperam com integrantes. Os nomes importantes têm idade média na faixa dos 70 anos e isso é ruim para a formação de novas lideranças”", explica Barreto. Casos como do ex-ministro Ciro Gomes (agora no Pros), o prefeito de Curitiba (PR) Gustavo Fruet (hoje no PDT) e o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (que chegou a presidir o partido e depois migrou para o PMDB), são exemplos de saídas que ilustram o apontamento de Barreto.
 
Marcus Fernandes/Coligação Muda Brasil
Serra, Aécio e Alckmin não conseguiram formar novos
quadros e travaram disputas que prejudicaram o partido
 
Ele acredita que, além de Aécio Neves, será importante para essa renovação da sigla o papel de Geraldo Alckmin, prestes a ser reeleito como governador do maior colégio eleitoral do país, São Paulo, e de nomes que sempre tiveram atuação forte, como o prefeito de Manaus (AM), o ex-senador Arthur Virgílio.
 
Virgílio ameaçou cerca de um ano atrás deixar a legenda e tem, entre as diferenças internas, disputas principalmente com Alckmin, em razão de discussões sobre a guerra fiscal entre os estados.
 
Desde dezembro passado, em declaração durante entrevista para uma emissora de TV, o prefeito e ex-senador tem chamado a atenção para o quadro e destacado que “o PSDB precisa se repensar”. Virgílio usou uma frase bem específica sobre a posição do partido hoje: “Perder uma quarta eleição é como sapato branco, é bonito nos outros. Daqui a pouco, você vira o sparring, não o lutador principal.” A tese dele é de que falta ao partido uma "utopia nova, algo como o apelo da estabilização da economia, que rendeu um par de mandatos a Fernando Henrique Cardoso".
 
Segundo Virgílio, “se FHC fosse 20 anos mais novo, seria um excelente candidato”. Uma das fragilidades apontadas por ele foi o fato de o partido, no início do governo do PT, não ter destacado os trabalhos de Fernando Henrique, que ele avalia como "relevantes para o país". Pelo contrário, o ex-presidente teve pouca exposição em campanhas eleitorais e debates internos. “O partido escondeu FHC. Depois de todo o trabalho que não deu frutos para o FHC, deu frutos para o Lula, ele (o PSDB) pode se vangloriar de números para os quais, em grande parte, concorreu o presidente FHC”, observa.
 
Bancadas e Arranjos
 
Para uma nova configuração em 2015, o PSDB projeta ter, entre os governos estaduais, além de Alckmin, Beto Richa, do Paraná, Marconi Perillo, de Goiás, e Expedito Júnior, de Rondônia, que figuram nas pesquisas como prováveis vencedores das eleições. A projeção é de que ainda sigam à disputa de segundo turno Cássio Cunha Lima, na Paraíba, Reinaldo Azambuja, no Mato Grosso do Sul, e Simão Jatene, no Pará. Existe possibilidade, portanto, de que o número de oito governadores tucanos empossados em 2011 não seja mantido em 2015.
 
Já em relação ao número de deputados, estimativa divulgada recentemente pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostra a tendência de o PSDB continuar na posição de terceira maior bancada do país, atrás de PT e PMDB, respectivamente, mantendo os 44 parlamentares da atual bancada, número que pode cair para 36 ou subir até 53, conforme o xadrez das chapas nos estados.
 
A situação parece até confortável se comparada ao início deste ano, mas, quando se considera que o partido iniciou a legislatura de 2010 com 53 deputados, a história muda de figura. Vários deles preferiram migrar para partidos como PSD, Pros e Solidariedade.
 
Campanha Tasso
Aos 65, Tasso tenta retornar ao Congresso:
na visão de analista, nada alentador
 
No Senado, o PSDB possui 12 senadores. Desses, seis estão em final de mandato. A legenda, conforme o mesmo estudo do Diap, tende a ter redução de 1 a 3 nomes. Terá de nove a 11 senadores na bancada a partir da próxima legislatura. Sem falar que perde um aliado de peso no plenário: o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que é um dos peemedebistas mais ligados ao partido desde o governo FHC, hoje é candidato a deputado federal, além de apoiar Marina Silva.
 
“A oposição tem que ter clareza no discurso e ser mais afirmativa. Tem que se apresentar como alternativa real de mudança e é esta a linha que pretendemos seguir”, afirma Álvaro Dias, sobre a postura a ser adotada na continuidade no mandato como senador pelo partido.
 
Fracasso da terceira via
 
Pessoas que conhecem o PSDB por dentro ponderam que o problema central reside no fato de ter se desvirtuado dos conceitos defendidos desde a criação. Avaliação sobre isso foi feita recentemente, em tom de desabafo, pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, em carta pública na qual declarou voto na presidenta Dilma Rousseff.
 
Bresser-Pereira destacou que foi um dos fundadores da sigla, em 1988, mas gradualmente se afastou por razões de ordem ideológica. “Depois da última eleição presidencial, vendo que o partido havia dado uma forte guinada para a direita, que deixara de ser um partido de centro-esquerda e que abandonara a perspectiva desenvolvimentista e nacional para se tornar um campeão do liberalismo econômico, desliguei-me dele”, frisou.
 
Nesse sentido, também chama a atenção a redução constante da produção intelectual e acadêmica por parte dos integrantes da legenda e a concentração de ideias em um nome. “É interessante falar sobre isso porque o PSDB viveu uma época em que teve produção muito grande no Instituto Teotônio Vilela, mas, hoje, vemos muito mais uma produção intelectual saindo do Instituto FHC. Tanto é que toda essa questão da descriminalização das drogas é o FHC quem puxa, não o partido”, destacou Leonardo Barreto.
 
A interpretação do cientista político é de que o partido fez uma aposta alta na terceira via, defendida por Tony Balir, primeiro-ministro do Reino Unido na década de 1990, pelo Partido Trabalhista inglês, e teorizada pelo sociólogo britânico Anthony Giddens, modelo que não deu certo nem na Inglaterra, nem no Brasil.
 
Fernando Frazão/Agência Brasil
FHC, escondido pelo partido e afastado de negociações,
não foi fator para capitalizar apoios
 
Na visão do sociólogo Marcelo Zero, a terceira via de Blair "pregava uma visão além da esquerda e da direita", rompia com a social-democracia tradicional e com o velho trabalhismo, mas também representava, em tese, a ruptura com o neoliberalismo. "Era algo profundamente novo, um centralismo radical, que prometia, num grande esforço modernizador, adaptar a economia e a sociedade britânicas aos novos desafios impostos pela globalização, mantendo, no entanto, os valores permanentes da justiça social”, explica.
 
“Fizeram uma guinada à direita na década de 1990. Apostaram na terceira via, mas, no caso da Inglaterra, a aposta era feita num país com um desenvolvimento razoável. No Brasil, país ainda em desenvolvimento e com desigualdades extremas, o modelo deu mais errado ainda. Depois dessa guinada à direita e do fracasso, o PSDB ficou mais desorientado, perdeu a capacidade propositiva e caiu no antipetismo”, diz Marcelo Zero.
 
Divisão ideológica
 
“O PSDB foi vítima de seu próprio sucesso. Nascido como uma federação de dissidências regionais do PMDB e do antigo PFL, logrou conquistar o eleitorado de centro graças ao gênio político de Franco Montoro, que lhe deu voz e horizonte político, reunindo um leque admirável de lideranças regionais com experiência e capacidade governativa”, afirmou, em trabalho sobre o tema, o professor titular da USP e pesquisador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp, José Augusto Guilhon Albuquerque. Na visão dele, depois que chegou à presidência, em 1995, o partido cresceu demais, o que criou uma crise de identidade.
 
Outro fator negativo destacado ao longo do período foram as constantes divergências entre lideranças, ou “estrelas”, como costumam ser chamadas entre si. “Até mesmo Fernando Henrique Cardoso tem feito um trabalho mais individualista, algumas vezes por vontade própria. Outras por ser simplesmente deixado de lado por integrantes do partido. Com isso, vingou a política feita, muitas vezes, ao estilo dos antigos coronéis, por meio de decisões burocráticas tomadas nos gabinetes”, reflete o cientista político Alexandre Ramalho, hoje na cátedra de Direito Constitucional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
 
Sobre o futuro da legenda, ao menos por enquanto, as declarações mostram divergências de opiniões. O senador Aécio Neves disse, durante entrevista após um dos debates entre presidenciáveis dos quais participou, que os tucanos só têm duas alternativas: "Ou ganhamos as eleições e governamos o Brasil ou vamos para a oposição."
 
Na mesma linha, o ex-governador cearense Tasso Jereissati criticou declarações de Marina Silva de que procuraria os melhores quadros dos partidos para governar, dando a entender que o PSDB não estaria disposto a ceder integrantes num futuro apoio. “A lógica que ela quer pode ser aplicada em cima de um projeto, mas, fazendo uma misturada geral, tirando de um ou de outro, ela vai destruir o Parlamento. Isso é perigosíssimo e nós sabemos no que dá”, salientou.

Por outro lado, é pública a divulgação feita por parte de pessoas próximas ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso da simpatia pelo fato de o PSDB vir a participar de um futuro governo de Marina Silva, desde que ela se comprometa, de fato, com um mandato apenas. Os rumos que toda essa discussão tomará, só se saberá após o resultado das urnas, quando os tucanos verão o real tamanho que têm hoje.
 
- Hylda Cavalcanti, da RBA
 
22/09/2014
 
https://www.alainet.org/de/node/103582
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